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terça-feira, 19 de agosto de 2014

Luta contra um escândalo nacional


Ativistas e organizações de direitos humanos assumem o combate contra assédio sexual no Egito
Reprodução
Cena do filme egípcio “678”: relatório coloca o Egito como o pior país para as mulheres no mundo árabe em termos de assédio sexual
O polêmico filme egípcio “678” – número de um ônibus no qual três mulheres são persistentemente assediadas sexualmente  durante sua jornada diária para o trabalho – trouxe esse fenômeno para a atenção do público quando foi lançado em 2010. Hoje, ele continua tão relevante como foi na época.

Relatório divulgado recentemente pela Fundação Thomson Reuters coloca o Egito como o pior país para as mulheres no mundo árabe em termos de assédio sexual. Outros relatórios confirmaram a predomínio do fenômeno, algo que tomou a dimensão de um escândalo nacional. Um relatório das Nações Unidas sobre mulheres, de abril de 2013, concluiu, por exemplo, que  99,3 % por cento das mulheres e meninas eram alvo de assédio no Egito – mais do que em qualquer outro país árabe. Não está claro se isso ocorre porque as mulheres egípcias denunciam mais esses fatos.

A ONU Mulheres, instituição das Nações Unidas para a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, também publicou um relatório mostrando as mais recentes estatísticas sobre assédio sexual no Egito. O estudo também revela que a vasta maioria das mulheres egípcias sofreu alguma forma de assédio sexual. Ativistas se queixam de que alguns egípcios, especialmente homens, podem ter se tornado “insensíveis” para o problema.

Os últimos dois anos foram marcados por grande turbulência social, situação econômica ruim, instabilidade política e até desordem em certas áreas do país. E é num cenário sombrio como esse que dois grupos voluntários de ajuda, a Operação contra o Assédio Sexual e os Guarda-Costas da Tahrir, foram estabelecidos na Praça Tahrir depois da Revolução de 30 de junho para ajudar a lidar com o problema.

Assédio verbal
As duas organizações empregam táticas ligeiramente diferentes, mas ambas lutam contra os assediadores. Elas põem em ação homens e mulheres treinados em artes marciais e que usam com frequência cassetetes e outras armas para desencorajar os atacantes. As vítimas feridas pelos assediadores são rapidamente enviadas para hospitais.  Os voluntários ajudam até mesmo a recolocar as roupas em mulheres despidas e a levá-las para casas seguras nas vizinhanças da Tahrir.

De acordo com o estudo da ONU, 96,5 % das mulheres assediadas disseram que o assédio sexual ocorreu na forma de toques indecentes, a manifestação mais comum de assédio sexual. O assédio sexual verbal era o segundo item na lista, com 95,5 % de mulheres relatando casos. O relatório notou que 83 % por cento das mulheres egípcias admitiram ter sofrido algum tipo de assédio sexual. E indicou que 46 % delas são alvo de assédio sexual diariamente.

“Isto não é um fenômeno novo: as mulheres sofrem há muito tempo com o assédio sexual, mas agora mais mulheres estão informando os casos tanto para a polícia como para organizações não governamentais preocupadas com esse problema específico. O primeiro grande protesto contra o assédio sexual ocorreu em junho de 2005, e eu participei dele”, disse ao “Weekly Al-Ahram” Magd Adli, diretora do Centro Al-Nadim para Supervisão e Reabilitação de Vítimas da Violência.

Situações semelhantes
O Centro Al-Nadim provê acompanhamento psicológico e reabilitação para vítimas de tortura e assédio. Junto com outras ONGs e pessoas, também proporciona formas de apoio social e encaminha vítimas para ajuda no âmbito da Justiça.

“Temos cada vez mais mulheres vindo ao centro para denunciar e se queixar de assédio sexual. Nós realizamos pesquisas e eu pessoalmente avaliei muitos casos. Trabalhei na Arábia Saudita e observei que muitas mulheres sauditas sofrem com situações semelhantes às que temos aqui no Egito. Na Arábia Saudita, a vítima algumas vezes é até assassinada por homens da família, algo que também ocorre no Alto Egito, uma região rural. A diferença é que na Arábia Saudita a mãe da vítima também é assassinada sob o pretexto de que ela não foi uma boa mãe. O fato é que o condicionamento social e os costumes culturais determinam que as mulheres são culpadas por serem assediadas”, disse Adli.

Segundo ela, o assédio sexual não está restrito a uma classe particular ou região, mesmo considerando que os piores casos examinados eram de áreas remotas, como o Alto Egito. Contudo, o assédio sexual também está se tornando mais comum nos centros urbanos, tanto nas áreas mais ricas das cidades como em áreas irregulares. “O assédio sexual atravessa as classes e a origem social. É prevalente no âmbito doméstico. A maioria dos casos de assédio sexual ocorre dentro da família. A sociedade é condicionada a considerar um direito do homem exigir gratificação sexual da mulher, não importa se ela está ou não disposta, e a religião, em especial, sanciona essa obrigação conjugal “, argumenta Adli.

Walid Hammad, um jovem ator egípcio, decidiu vivenciar diretamente o que as mulheres passam nas ruas do Cairo. Ele se vestiu como mulher e saiu pelas ruas da cidade por duas vezes. Na primeira, vestido como uma mulher que não usa o véu islâmico e, na segunda, coberto com um véu, o “hijab”. Nas duas ocasiões a linguagem usada pelos homens com os quais se deparou foi atroz. A ironia é que a ofensa verbal e o assédio sexual que enfrentou quando estava de véu foram bem piores do que quando andou pelas ruas sem o “hijab”.
Reprodução
Reprodução da página inicial do site HarrassMap: lançado em 2010, foi a primeira iniciativa independente
 dedicada ao combate do assédio sexual
Luta regional
A organização HarassMap fez um grande trabalho para chamar a atenção para a crise e publicou um estudo semelhante ao do relatório da Thomson Reuters. Esse trabalho indica que 69% dos incidentes de assédio ocorrem na rua, cerca de 49% por cento no transporte público, 42% nas praias e 6,2 % no local de trabalho.

“O assédio sexual não é cometido por um certo tipo ou grupo de pessoas. Os molestadores estão em todas as partes da sociedade egípcia e em todas as idades. Nossos relatórios documentaram assédio de gerentes e supervisores, professores de escolas e universitários, policiais,  soldados, homens da área de segurança em bancos e hotéis, construtores, motoristas de táxi ou ônibus, homens dirigindo carros de luxo, médicos, vendedores, funcionários de restaurantes, ambulantes e mesmo crianças pequenas”, conclui o relatório da HarassMap.

O Conselho Nacional do Egito para as Mulheres está agora trabalhando com o Ministério do Interior para criar um sistema no qual  a mulher possa relatar casos de assédio para uma equipe especializada de agentes, homens e  mulheres, atuando  em conjunto  com centros como o Al-Nadim. Felizmente, os esforços desenvolvidos para ampliar a consciência para o problema estão se intensificando. O Centro Al-Nadim, em especial, fundado em 1993 “dedicou-se  à luta contra o crime, e nós entendemos que ao longo dos últimos cinco anos a situação se deteriorou”.

A luta contra o assédio sexual e para levar os responsáveis  à Justiça não se restringe ao Egito. O Al-Nadim ajudou a estabelecer o Grupo Sudanês contra a Tortura, que agora abrange também o assédio sexual, fazendo disso uma luta regional. “Estamos trabalhando estreitamente com organizações de objetivos semelhantes, tanto na África como no mundo árabe”, disse Adli.

Tradução Maria Teresa de Souza
Texto originalmente publicado no Al-Ahram Weekly, jornal semanal egípcio em língua inglesa, com sede no Cairo, Egito.

Opera Mundi

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