Texto de Alexis Okeowo. Tradução de Bia Cardoso. Publicado originalmente com o título: ‘A precarious end to Uganda’s anti-gay act’ no site da revista The New Yorker em 05/08/2014.
Na última semana, o tribunal constitucional de Uganda (país do leste da África) derrubou a lei anti-homossexualidade do país, uma lei que estabelecia punições severas — incluindo em alguns casos, prisão perpétua — para o comportamento homossexual. Na sexta-feira, na corte judicial de Kampala, muitas pessoas da imprensa, além de advogados e ativistas de Uganda, Quênia e Tanzânia aguardavam a decisão final. Martin Ssempa, pastor ugandense e proeminente defensor da lei, fez uma oração em voz alta na sala do tribunal, citando versículos da Bíblia e condenando a homossexualidade. Frank Mugisha, ativista dos direitos gays, sobre quem escrevi para essa revista em 2012, estava otimista; para ele, os argumentos contra a lei pareciam bem definidos. Quando a decisão foi lida, Mugisha e seus aliados dentro do tribunal comemoraram. Do lado de fora, eles foram recebidos com insultos e ameaças de morte. Manifestantes com grandes cartazes anti-gays gritaram que a luta não tinha acabado.
Os manifestantes estavam certos. Em Uganda, justiça para a população LGBT tem sido algo raro, com pequenas vitórias (como um mandado de segurança de 2010, obrigando um tablóide a parar de tirar gays do armário; e a primeira parada do orgulho gay do país, dois anos mais tarde), muitas vezes seguidas por duras medidas de repressão (como o assassinato de um ativista em 2011, além da prisão e chantagem de outros). O projeto de lei anti-homossexualidade foi proposto pela primeira vez ao Parlamento em 2009, e seus argumentos foram debatidos intensamente em Uganda e no exterior. Em 2013, o entusiasmo com o projeto parecia ter enfraquecido, e muitos ativistas gays voltaram a seu trabalho de defender os ugandenses LGBT da discriminação e do assédio policial. Em dezembro, no entanto, o projeto de lei foi retomado no Parlamento e aprovado rapidamente. Ativistas ficaram surpresos com a velocidade da aprovação do projeto de lei; na época, Mugisha me disse que ele estava com medo por seus amigos, que estavam em pânico.
A lei anti-homossexualidade foi assinada em fevereiro pelo presidente de Uganda, Yoweri Museveni, apesar das objeções de organizações da sociedade civil de Uganda, de grupos internacionais de direitos humanos e governos estrangeiros, incluindo os Estados Unidos. Mugisha e outros ativistas entraram imediatamente com uma ação contra a lei, argumentando, entre outras coisas, que a lei era discriminatória, muito ampla e ambígua, além de impor restrições indevidas sobre os direitos de livre associação e expressão. No julgamento de sexta-feira, o tribunal constitucional anulou a lei, alegando que não havia quórum suficiente no Parlamento no momento da votação, uma decisão que deixa em aberto a possibilidade de que uma outra versão do projeto de lei possa ser aprovada novamente.
A decisão do tribunal me fez lembrar de Devine, um extravagante e autoconfiante gerente geral de uma empresa local que conheci há dois anos. Nos encontramos a noite para tomar um drink no centro de Kampala, num local iluminado por luzes neon onde fomos atendidos por um garçom que Devine me disse alegremente que adoraria bater nele. “Em Uganda, na África, se você é gay, todos os dias tem que estar atento e tomar cuidado”, disse, Devine. “Você não pode se sentir seguro para calçar seus sapatos de salto alto e dançar em um clube. De certa maneira, você sente um desejo de não ser gay, mas não há nada que você possa fazer”. Devine, que tinha vinte e seis anos na época, vivia com sua família em Mukono, uma cidade próxima, onde os índices de criminalidade eram alguns dos mais altos da área central de Uganda. Ele usava perfume e óculos elegantes, provocando exibiu o que chamou de seu “flash”, um relógio de brilhantes e pulseira. Por ter sido criado numa família cristã, ele contou, o que se esperava dele era se estabelecer, casar, ter filhos. Seu pai recentemente disse que se ele simplesmente levasse para casa uma garota, ele poderia provar que era um homem de verdade. Devine, por sua vez, disse a seus parentes que seu namorado era apenas um amigo e todos eles fingiram acreditar. Para Devine, isso foi o suficiente.
“A palavra ‘gay’ não era nem mesmo mencionada cinco anos atrás. Agora, as pessoas reconhecem que estamos aqui. As coisas tem melhorado nesses últimos dias”, disse Devine. Ele contou a alguns de seus amigos que é gay e, após a surpresa inicial, eles aceitaram o fato. Ele e seus amigos agora podem ir a Mulago, um hospital público, para terem acesso gratuito a testes de HIV e informações. Quando ele foi a uma clínica, acompanhar um amigo transgênero, o médico escreveu na ficha que o sexo do amigo era masculino, mesmo que ele seja biologicamente feminino. “Isso foi o mais longe que conseguimos chegar”, me disse, Devine. Ao mesmo tempo, ele diz: “você quer saber se quem está olhando para você está interessado, mas também tem que fingir que você não é gay”. Apesar de todo o progresso, ele ainda precisa se preocupar se está sendo seguido por alguém, com os insultos lançados contra ele por moto-taxistas e com a possibilidade de receber hostilidade por parte de alguém apenas por ter cruzado o olhar com essa pessoa. Esses problemas continuam a existir, sem dúvida; a homofobia é dominante em Uganda e certos estatutos, remanescentes do período colonial britânico, ainda criminalizam a homossexualidade. Mas, talvez, Devine se sinta um pouco mais livre do que se sentia na última quinta-feira.
No fim de semana, Nicholas Opiyo, um dos principais advogados no processo contra a lei anti-homossexualidade, me disse que a decisão do tribunal foi uma“oportunidade perdida para resolver este problema” definitivamente. “O que fizeram foi adiar a discussão para outro dia”, ele disse. No entanto, ele insistiu que a decisão de sexta-feira foi importante. Organizações da sociedade civil que haviam sido suspensas ou investigadas pela polícia por “promover a homossexualidade”, uma infração nos termos da lei, podem agora retomar suas atividades. Os legisladores, incluindo Museveni, terão a chance de reconsiderar suas decisões, embora ainda não esteja evidente se o presidente mudou totalmente de opinião. Opiyo disse que o efeito mais importante da decisão de sexta-feira era que “as pessoas que foram presas ou que estavam sendo investigadas pela polícia, sob a acusação nos termos desta lei, ganharam agora sua liberdade. As bases sob as quais estavam sendo acusadas agora são ilegais”.
Autora
Alexis Okeowo é jornalista e vive em Lagos, na Nigéria. De 2006 a 2012, ela foi correspondente em Uganda, México e Nova York. Em 2013, relatou um escândalo de grupos da mineração chinesa na Zâmbia, com o apoio do Pulitzer Center on Crisis Reporting. Em 2012, foi membro da Alicia Patterson Foundation, escrevendo sobre os direitos dos homossexuais na África. Ela também foi parceira do projeto International Reporting Project da Johns Hopkins School for Advanced International Studies, fazendo relatórios sobre a violência religiosa e sectária na Nigéria central e do norte.
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