É necessária uma proposta legislativa que regulamente o artigo 9º da Lei Maria da Penha para definir responsabilidades na garantia do vínculo e salário a mulher que é vítima de violência doméstica e familiar
A Lei Maria da Penha garante, em seu artigo 9º, a manutenção do vínculo trabalhista à mulher que, vítima de violência doméstica, tenha que se afastar de suas funções. A medida é vista como essencial por quem atua não só na aplicação da Lei, como também em questões trabalhistas: “É importante garantir o pagamento durante esse período, porque assim a mulher não tem mais esta questão delicada e complicada para resolver, que é justamente garantir o seu sustento – e muitas vezes dos seus filhos e da sua família – no mês a mês”, aponta a juíza do Trabalho Noêmia Garcia Porto, secretária-geral da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Segundo o artigo 9º, o juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses, para preservar sua integridade física e psicológica.
Apesar da importância dessa garantia para a mulher que busca romper o ciclo de violência, o artigo não detalha como deve ser sua materialização, o que gera bastante controvérsia sobre a aplicação do dispositivo. Por isso, para evitar que as controvérsias tornem-se barreiras para a efetivação dos direitos previstos, a procuradora do Trabalho Andrea Lino Lopes recomenda a regulamentação do artigo por meio de uma proposição legislativa que defina as responsabilidades do Estado e de empregadores na garantia do vínculo e do salário à mulher.
“O problema maior é que faltou definir o que é essa manutenção do vínculo empregatício. Se é interpretada, por exemplo, como uma suspensão ou como uma interrupção do contrato de trabalho? Porque, se entendermos que é suspensão, haverá dificuldades no pagamento dos salários e dos direitos consectários. E, se não, quem paga o salário? É o empregador? A Previdência? Estamos no limbo!”, contextualiza a procuradora. Na avaliação de Andrea Lino Lopes, a melhor interpretação seria de que a empresa deve garantir o vínculo e a Previdência Social deve arcar com os valores pagos para que, quando preciso, a mulher possa ser afastada e continue recebendo seu salário.
Para a juíza do Trabalho Noêmia Garcia Porto, o caminho de responsabilidades partilhadas entre Estado e empregadores é o mais indicado e perfeitamente possível.
“Podemos construir um caminho em que o empregador tem que garantir a manutenção do vínculo e dos salários do período, mas é ressarcido pelo INSS pelo que foi pago àquela mulher. Essa fórmula não é estranha, é o que já acontece, por exemplo, no mecanismo da licença maternidade. Então, é possível fazer isso a partir de uma hermenêutica da Lei Maria da Penha, pensando esta Lei a partir da própria Constituição do Brasil e aplicando, assim, como analogia o esquema que já se observa na licença maternidade”, explica.
O caminho mais seguro para evitar a sonegação dos direitos trabalhistas, entretanto, seria já ter essa fórmula de responsabilidades partilhadas estabelecida claramente na legislação. “Na medida em que estamos criando obrigações e vínculos de outros – do empregador e do INSS – o caminho mais seguro talvez fosse uma melhor configuração legislativa nesse caso”, avalia a juíza.
Proposta da CPMI
Nessa frente, atualmente tramita na Câmara dos Deputados o PL 6296/2013, que propõe a alteração da Lei nº 8.213/1991 sobre os planos Planos de Benefícios da Previdência Social, e da própria Lei Maria da Penha para instituir o auxílio-transitório nesses casos. O anteprojeto é fruto da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou a violência contra a mulher durante um ano e meio.
A proposta, se aprovada, irá instituir o auxílio transitório decorrente de risco social provocado por situação de violência doméstica, definindo sua caracterização nos moldes acidentários e vinculando sua comprovação e duração à determinação do juízo processante da causa nos termos da Lei Maria da Penha. O projeto também propõe como uma das fontes de custeio deste auxílio a criação de uma arrecadação a ser feita pelo agressor. A ele estão apensados o PL 1362/2011 e o PL 6883/2013, que buscam incidir na mesma questão.
A proposta, se aprovada, irá instituir o auxílio transitório decorrente de risco social provocado por situação de violência doméstica, definindo sua caracterização nos moldes acidentários e vinculando sua comprovação e duração à determinação do juízo processante da causa nos termos da Lei Maria da Penha. O projeto também propõe como uma das fontes de custeio deste auxílio a criação de uma arrecadação a ser feita pelo agressor. A ele estão apensados o PL 1362/2011 e o PL 6883/2013, que buscam incidir na mesma questão.
Responsabilidade de todos
A juíza Noêmia Garcia Porto lembra que, por se tratar de um crime contra os direitos humanos das mulheres e um grave problema social, é papel de toda sociedade coibir a violência contra as mulheres e apoiar aquelas que buscam seus direitos. “É preciso entender que aquele não é um problema do casal, dos outros, é um problema da sociedade e o empregador faz parte da sociedade”, frisa.
De acordo com a publicação “A violência de gênero no mundo do trabalho”, da Organização Mundial do Trabalho (2011), a violência baseada na desigualdade de gênero não só causa dor e sofrimento, mas também devasta famílias, prejudica a produtividade no mercado de trabalho, diminui a competitividade de um país, e coloca barreiras ao desenvolvimento. Dados do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento apontam ainda que, em média, uma em cada cinco faltas ao trabalho no mundo é motivada por agressões no espaço doméstico.
Por Débora Prado
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