Na Ásia, os tabus ocidentais não existiam. Hoje, Pequim tenta evitar confusão entre arte erótica e pornografia
por Paulo Yokota — publicado 24/04/2014
Na Ásia como um todo, particularmente na China, as questões relacionadas com o sexo eram encaradas como algo natural e fisiológico dos seres humanos no passado. Não tendo sofrido as influências judaico-cristãs não havia uma noção arraigada do pecado e tanto os homens quanto as mulheres frequentavam banhos públicos nus sem nenhum constrangimento ou motivo de malícia, como no Japão, notadamente no meio rural. Até recentemente os banheiros pouco existiam na China, nem havendo portas para os locais onde as mulheres faziam suas necessidades fisiológicas. Criavam constrangimentos para as primeiras brasileiras que visitaram aquele país após o restabelecimento das relações diplomáticas, depois da Segunda Guerra Mundial.
Ainda que existam algumas diferenciações regionais, a China sofreu uma forte influência da Índia em diversos aspectos culturais. A primeira dança da Ópera de Pequim é de origem indiana, e a confiança da China com sua longa e consolidada cultura não se constrange com estas influências externas, pois foi de lá que importou o budismo. O que ficou conhecido como chocante no Ocidente, como o Kama Sutra esculpido em um monumento sobre as variadas posições do ato sexual de um casal, era mais do que natural. Existem afirmações que o ápice do prazer possível era uma forma de se aproximar do Nirvana, ainda que a sexualidade sempre desperte discussões emocionais, sendo um tabu para muitos.
Anuncia-se agora em uma notícia distribuída pelas agências AFP/Jiji uma exposição promovida pela Sotheby em Hong Kong com o título “Jardins do Prazer: Sexo na China Antiga”, que reúne mais de 100 peças de arte antiga erótica da China, que datam das dinastias Han (206 AC a 220 DC) para a Qing (1644 a 1911), evidentemente para um leilão. Elas foram selecionadas pelo colecionador de arte holandês Ferdinand Bertholet, e ajudariam a reconectar a China atual com o seu passado sexualmente marcado.
Faz parte do conjunto uma pintura onde duas mulheres compartilham um momento muito íntimo com o falo. Existem muitos objetos em forma de pênis feitos de pedra, cerâmica e bronze. O colecionador que possui a maior coleção conhecida, com mais de 500 peças, afirma que tal explicitação não deve ser considerada bruta ou pornográfica, pois está em harmonia com a filosofia taoista que prosperou na China antes do comunismo, principalmente antes do período da Revolução Cultural, que provocou um reconhecido retrocesso.
Ele explica que a arte chinesa dentro do taoismo vê o sexo como caminho para a felicidade e longevidade. Muitas das pinturas estão nos jardins, procurando expressar a harmonia com a natureza. Os especialistas sabem que os objetos de arte chineses estão em alta no mercado internacional, havendo muitos milionários investindo pesadamente nestas coleções.
Na Revolução Cultural, infelizmente, explicou-me um grande intelectual chinês que também sendo uma autoridade tornou-se meu amigo, foram destruídas muitas obras de arte e relíquias históricas de variados tipos e importância.
Na China atual existe ainda uma forte sensibilidade diante da possibilidade de confusão com a pornografia que continua sendo combatida pelo governo de Xi Jinping, como consta em artigo de Simon Denyer, publicado no The Washington Post. Elimina-se na web todo material assim considerado.
Todos sabem que também no Ocidente houve períodos históricos em que até os órgãos genitais de obras de arte, esculturas ou mesmo pinturas, foram camuflados com coberturas variadas. Notadamente nos períodos de maior intolerância religiosa, nos mais variados países.
Estas mudanças de orientações ocorrem, lamentavelmente, ao longo do tempo. Mas os excessos tendem a perder a força nas correntes majoritárias de pensamento, mantendo-se somente em nichos determinados avessos aos respeitos às opiniões que os contrariam, tendo ou não razão. Também ocorrem misturas com eventuais conveniências políticas daqueles que detêm o poder, ainda que de forma temporária. Mesmo que muitos estudos antropológicos informem que objetos sexuais sempre estivessem presentes, também nas culturas primitivas.
Se isto tende a ocorrer até em países de histórias milenares e profundas culturas lapidadas ao longo do tempo, como a China, parece que precisamos aprender que a tolerância é de extrema dificuldade para ser incorporada por qualquer sociedade, mesmo que os assuntos extravasem os limites do sexo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário