Leonardo Sakamoto
“Vaca'' e “galinha'' não são análises de honestidade e competência de qualquer candidata a um cargo público e sim uma forma machista de depreciar uma mulher simplesmente por ser mulher. De colocá-la no seu “devido lugar'', que é fora da política institucional.
Isso vale, por exemplo, para Marina Silva e para Kátia Abreu. Pois a origem da truculência masculina percorre todo o espectro político.
É triste que, a medida em que aumenta o número de candidatas a cargos públicos (apesar da proporção ainda ser ridicularmente baixa), tenho a impressão de que também cresce o chorume daqueles que, aberta ou veladamente, as atacam por uma questão de gênero.
Pois o significado de “vaca'' e “galinha'' que os ignóbeis usam não remete ao dos simpáticos animais, mas sim o de termos que denotam uma crítica moral sobre um comportamento sexual.
É meio ridículo explicar a adultos que mulheres, em nenhuma hipótese, devem ser confundidas com ruminantes. Ou chamadas de “prostitutas'' como xingamento genérico para qualquer comportamento em desacordo com o que se “espera'' de uma “mulher de bem''. E que prostitutas continuem a serem reduzidas a xingamento e não tratadas com o mesmo respeito despendido a qualquer outra trabalhadora. E que alguém ainda tenha a cara-de-pau de usar a expressão “mulher de bem''.
Os partidos políticos ainda estão longe de investir pesado em candidaturas de mulheres a fim de contribuir para que os parlamentos representem, realmente, a sociedade brasileira – apesar de importantes ações do Ministério Público para assegurar esse direito.
Temos duas mulheres entre os três primeiros colocados para o Planalto neste ano. Simbolicamente relevante, politicamente insuficiente. São poucas as governadoras, prefeitas, senadoras, deputadas, vereadoras. Mas também CEOs, executivas, gerentes, síndicas de condomínios. Isso sem falar das chefias de redação. E o judiciário ainda transpira machismo, haja visto as interpretações distorcidas proferidas por arautos da masculinidade de toga sobre a Lei Maria da Penha.
Nas manifestações de junho do ano passado, abordei educadamente um rapaz que carregava um cartaz chamando Dilma de “vaca”. Pedi desculpas pela intromissão, mas expliquei que o protesto dele seria muito mais legítimo se ele usasse um termo para criticá-la que não fosse tão machista. Poderia questionar a ideoneidade, a competência, a capacidade para o cargo e um sem número de coisas.
Ele entendeu, ficou sem graça e disse que tinha escolhido só porque rimava com o restante da ideia.
Contudo, um senhor mais velho que o acompanhava afirmou que ela é mesmo uma “vaca”. Ele disse que sabia disso porque que era professor universitário de história e havia estudado a vida de Dilma e podia atestar que ela é uma “vaca” (WTF?).
É o que eu já disse aqui antes: todos nós, homens, somos sim inimigos até que sejamos educados para o contrário. E tendo em vista a formação que tivemos, é um longo caminho até alcançarmos um mínimo de decência para com o sexo oposto.
Infelizmente, as eleições não estão sendo um bom momento para ampliar o entendimento do outro e de seus direitos. A polarização idiota interditou qualquer debate. Prova isso são os comentários que poderão ser lidos neste post, com argumentos de crianças de seis anos.
Se é assim, vamos desenhar:
“Vaca'' é um bichinho que tem rabo, muge e come pasto o dia inteiro. “Mulher'' é um ser humano, que fala, pensa e tem sentimentos. Não, “homem'' não é o único ser humano, “mulher'' também é. Só gente ruim diz que “mulher'' e “vaca'' são a mesma coisa. A “vaca'' não se importa. Mas a “mulher'' sim.
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