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domingo, 17 de agosto de 2014

Ex-detenta que ganhou processo por parto com algemas fala pela primeira vez

por Andrea Dip | 14 agosto, 2014

Carta enviada por mãe de ex-detenta deu origem a processo judicial

Na reportagem Maternidade Condenada a Pública mostrou, em primeira mão, o processo que condenou o Estado de São Paulo a pagar indenização a uma ex-detenta obrigada a dar à luz algemada pelos pés e pelas mãos em setembro de 2011. Ainda cabe recurso mas a decisão deve ter desdobramentos já que muitas mulheres sofreram a mesma violação de direitos como destaca o juiz na sentença: “(…)apurou-se que até a edição do decreto n. 57.783/2012 era usual o uso de algemas nas custodiadas durante o trabalho de parto” e que são “inegáveis, por outro lado, as sensações negativas de humilhação, aflição e desconforto, entre outras, a que foi submetida a autora diante da cruel, desumana e degradante manutenção de algemas durante seu trabalho de parto. São danos morais indenizáveis e guardam nexo com a ação estatal, de modo que avulta o dever de ressarcimento almejado”.

Leia aqui entrevista com a parturiente e sua mãe – autora de uma carta de 40 páginas denunciando as violações de direitos da filha que levou a Defensoria Pública de São Paulo a entrar com a ação. As duas pediram para não ser identificadas. Chamaremos a filha de Clara e a mãe de Maria. Entre uma resposta e outra, trechos da carta de Maria.

Clara, quantos anos você tem e o que aconteceu?
Eu tenho 22 anos, fui presa com 19 e  levada para a Penitenciária de Franco da Rocha. No dia 25 de setembro [de 2011] comecei a sentir as dores do parto, umas seis e meia, sete da manhã. Fui tomar banho, fiquei na enfermaria da cadeia, e fui de ambulância para o hospital. Chegando no hospital de Caieiras, eles já me algemaram pelas mãos.

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Você chegou no hospital e eles já te algemaram as mãos?
Isso. Aí quando eu entrei, eles me deram aquela roupa de hospital, me mandaram deitar na maca e já me algemaram pelos pés.

E você passou todo o parto algemada pelos pés e pelas mãos?
Sim. Foi muito ruim. Eu estava sozinha. Tinha uma moça na cama do lado, pedi pra ela ligar para a minha mãe, ela avisou, minha mãe foi até o hospital mas não liberaram a entrada dela. Tive minha filha de parto normal.

Quanto tempo você ficou em trabalho de parto?
Não sei a hora direito porque não tinha relógio lá. Mas era dia de visita. Acho que ela nasceu lá pelo meio dia.

Por que você resolveu entrar com a ação contra o Estado?
Na verdade foi a minha mãe que escreveu uma carta contando toda a história. Porque ela também foi muito humilhada. E essa carta virou um processo administrativo.

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Quanto tempo você ficou presa? Cumpriu a pena toda ou está respondendo em liberdade?
Eu cumpri a pena toda, um ano e oito meses. Não me tiraram nenhum dia.

Então você entregou seu bebê pra sua mãe?
Entreguei, com sete meses. Eu fiquei uma semana na enfermaria da cadeia, com um monte de doentes e só depois eu fui para o COC. Eles não deram roupas para a neném. Minha mãe tinha levado as roupas pra ela mas eles não deixaram entrar. Ela ficou só com a roupa do hospital.

E como você está se sentindo agora que ganhou o processo contra o Estado, ao menos em primeira instância?
Ah, eu nunca vou esquecer o que aconteceu comigo. E ainda cabe recurso, né, então vamos ver. Mas eu fico feliz. Estou trabalhando, estou com a minha família.

Maria, você escreveu a carta que deu origem ao processo. Como foi isso?
Eu fiquei três dias escrevendo uma carta de 40 páginas porque comecei a ler as leis e comparar com o que estava acontecendo com a gente e não batia. Minha filha foi presa com oito meses de gestação, porque se envolveu com um rapaz que mexia com droga e pagou um preço muito alto por isso. Mas algumas coisas iam contra as leis, os tratados internacionais, tudo. Eu não sou advogada mas sou mãe e estava muito indignada. Então mandei a carta pra todo mundo, presidente, governador, Defensoria Pública. Assim conheci o Patrick Cacicedo e o Bruno Shimizu, que me ajudaram com esse processo.

Você chegou a visitar ela na cadeia depois do parto?
Não me deixaram entrar no hospital quando ela teve o bebê. Uma assistente social me ligou pedindo pra levar comida porque eles só davam almoço e janta mas como ela estava amamentando tinha muita fome. Aí juntei dinheiro, arrumei a comida, levei e não me deixaram entrar. No COC era um pouco melhor, tinha mais conforto e comida. Lá ela ficou seis meses. Ela ter parido algemada foi meu limite. Essa carta virou um processo administrativo e a sentença concluiu que era uma prática mesmo. Eu tentei buscar as progressões dela, porque ela tinha uma criança pequena fora e um bebê lá dentro e eu não tenho marido, estava sozinha aqui fora. Mas eles deixaram ela até o último dia. Progressão é pra rico, não é pra pobre.

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E como você se sente com essa primeira vitória?
Ainda cabe recurso, né, mas eu fico feliz. E só tenho a agradecer à Defensoria Pública. Mas eu gostaria muito, muito, vou te falar do que. Quando ela foi presa,  me passaram uma lista de coisas que eu precisava mandar pra ela,  eu fui obrigada a mandar fazer uniforme da cadeia, eu que mandava papel higiênico e absorvente pra ela. Eu adoraria receber o dinheiro do papel higiênico de volta. O juiz dizer pro Estado: “Vocês vão ter que devolver o dinheiro do papel higiênico”. Essa seria minha grande satisfação.

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