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sábado, 16 de agosto de 2014

O direito de não nascer e a sua aplicação no direito brasileiro

Caroline Leite de Camargo

Resumo O direito assim como a sociedade, evolui, entretanto, nem sempre o primeiro consegue acompanhar as necessidades do segundo. Não raro os Tribunais atuam de forma a atualizar a lei com decisões inéditas após analisarem exaustivamente o caso concreto. Se tem notícia ao redor do planeta de diversas decisões, muitas das quais polêmicas que entraram para a história, uma delas diz respeito a teoria do direito de não nascer advinda do entendimento da Corte de Cassação Francesa no final do século passado que indenizou criança e pais pelo nascimento posto que o bebê, por erro em diagnóstico não foi abortado em virtude de possuir sérios problemas de saúde. No Brasil, assim como na grande maioria dos países ao redor do mundo, prioriza o direito à vida e a preservação e manutenção da dignidade humana, assim sendo, como permitir que alguém seja indenizado pelo fato de ter nascido, posto considerar sua existência penosa se o requisito para que o direito possa atuar é o nascimento ou mesmo a expectativa dele?
Sumário: 1. A primazia pela vida. 2. Teorias sobre o direito de não nascer. 2.1. Vida injusta. 2.2. Nascimento injusto. Conclusão.
1 A PRIMAZIA PELA VIDA
A atual Constituição Brasileira traz logo em seu primeiro artigo, inciso III que é um dos fundamentos do Estado à proteção à dignidade humana.
Não há que se pensar em qualquer tipo de proteção do ser humano sem que haja ressalvas à sua vida.
Para se proteger a vida se pune no país técnicas abortivas ou mesmo a eutanásia e o homicídio tendo em vista que sem vida não há que se falar em proteção de nenhum outro direito.
Violações contra a vida devem ser punidas, sejam praticadas por particulares ou o próprio ente estatal.
Muito embora a internacionalização dos direitos fundamentais tenha acontecido no século passado após a criação da ONU, os ditames de proteção do ser humano datam de épocas antigas. Foi no século XX onde mais se violou e consequentemente mais se falou em dignidade humana, proteção da vida e do ser humano,
Com o fim da II Grande Guerra, a criação de organismos internacionais de proteção e a afirmação em muitos países dos direitos e garantias constitucionais hoje é possível encontrar nas leis respaldo para que seja garantida a dignidade humana de todas as pessoas.
De acordo com Novais (2009, p. 72),
“Ao limitar os atos dos Estados de forma mais abrangente, cria-se a ONU e, com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, impulsiona-se o processo de internacionalização dos Direitos Humanos. A vida passou a ser responsabilidade de proteção não mais de um Estado, como fator interno ou de uma ordem jurídica interna, mas de vários Estados do mundo”.
No Brasil a Constituição Federal de 1988 foi a primeira Lei Maior do país a incluir em seu texto como sendo um de seus fundamentos a dignidade humana, constando o direito à vida, integridade física e moral entre os direitos fundamentais de todos que no território nacional se encontrem uma vez que “todo ser dotado de vida é indivíduo, isto é: algo que não se pode dividir, sob pena de deixar de ser. O homem é um indivíduo, mas é mais que isto, é uma pessoa” (SILVA, 2005, p. 197).
Sendo a proteção da vida humana um dever de todos, como pode a violação desse direito ser aceita ou mesmo permitida por uma Corte Suprema? Como é possível haver uma vida indigna? Seria possível abrir mão da própria vida a fim de que um sofrimento termine?
De acordo com Silva (2005, p. 198), todo ser humano tem direito de existir, assim, há o direito de estar vivo, de permanecer vivo e não ter o período vital interrompido, a não ser pela morte natural uma vez que existir é o oposto de morte, o direito de existir deve ser pautado ainda no direito de existir com dignidade, conforme os preceitos constitucionais atuais.
Diversas foram as jurisprudências ao redor do mundo que visualizaram o direito de alguém ser indenizado por ter nascido com problemas de saúde em virtude de erros dos genitores ou dos médicos, sendo que o caso mais famoso data da década de 90 do século passado, na França, onde a Corte de Cassação reconheceu o direito dos pais serem indenizados por terem tido um filho com problemas de saúde pois não foram informados de doenças que o bebê possuía, o que inviabilizou o seu aborto e uma criança, Nicolas Perruche foi indenizado por ter nascido com tais problemas de saúde.
Embora tal fato possa ter sido aceito no exterior, no Brasil, uma vez que os casos em que pode ocorrer o aborto são taxativos pelo Código Penal no artigo 128, sendo possível ainda quando há anencefalia em virtude da ADPF 54, não existe possibilidade dos pais decidirem o aborto em virtude de outros problemas de saúde do feto, futilidades ou qualquer outro motivo.
2 O DIREITO DE NÃO NASCER
O direito de não nascer tem sido fontes de debates entre muitos juristas e Cortes ao redor do mundo, principalmente em alguns países da Europa e Estados Unidos.
Para entender melhor o assunto e as teorias relacionadas ao direito de não nascer, nascimento injusto ou falhas em métodos contraceptivos abaixo segue breves apontamentos a respeito bem como uma possível aplicação de tais preceitos no direito brasileiro.
2.1 Vida injusta
wrongful life, também conhecida como vida injusta surgiu a partir do reconhecimento pela Corte Francesa acerca do direito de não nascer, através da possibilidade de propositura da ação por vida injusta, ou wrongful life (COSTA, 2012, p. 22).
No caso citado, datado da década de 90 os responsáveis por uma criança nascida com sérios problemas de saúde intentaram em seu nome uma ação judicial visando à obtenção de indenização em virtude de seus pais não terem sido informados acerca de suas enfermidades não o abortando.
Diversas discussões pairam a respeito de tal tema, ainda pouco difundido no Brasil, até mesmo pelo fato de que no país não é aceito o aborto eugênico, salvo em caso de risco de vida para a gestante, conforme preceitua o artigo 128 do Código Penal.
Como uma criança nascida com problemas de saúde, muitas vezes genéticos ou por outras causas poderia intentar uma ação reivindicando medidas que deveriam ter sido tomadas antes mesmo de adquirir personalidade? Seria aceitável uma pessoa considerar o seu sofrimento tão insuportável a ponto de preferir não ter existido?
Para Amin (2011, p. 44) no Brasil é possível o ajuizamento pelo nascituro de ação de investigação de paternidade, ação de responsabilidade civil advinda de direito de personalidade ou ação de alimentos (alimentos gravídicos), mas não uma ação por vida injusta.
É possível ainda que se intente em nome da criança ação visando o conhecimento de suas origens genéticas, tendo em vista este ser um direito fundamental, incluído nos direitos de personalidade desde a sentençaLandsgerichts Münster de 21 de fevereiro de 1990, onde na Alemanha se reconheceu o direito de uma filha em ter revelado a identidade de seu pai biológico, embora a mãe se recusasse a informar tendo em vista que o direito da criança deve se sobressair ao direito de recusa dos genitores. As responsabilidades oriundas da relação de filiação não foram reconhecidas, uma vez que a autora da ação já possuía uma família, consagrando, para tanto, a filiação socioafetiva (MADALENO, 2011, p. 485).
De acordo com Chavenco; Oliveira (2012, p. 660),
“Ter o direito de nascer, significa que a mulher deve completar o ciclo de gestação do ser humano, que se inicia com a concepção e prossegue em todo o desenvolver da gravidez, até que ocorre o completo nascimento do novo ser, com vida, e venha a ser sujeito de direitos e obrigações perante a ordem jurídica.”
Embora a gravidez seja algo natural dos seres vivos, incluindo os seres humanos, na Europa e nos Estados Unidos já existem ações de wrongful life, ou seja, reivindicando a responsabilização de profissionais da saúde pela não notificação aos pais de problemas com o embrião já implantado ou em vias de o ser, ou mesmo problemas que deveriam ter sido diagnosticados, mas não o foram, que caso tivesse sido informado, teria evitado o nascimento de pessoas com algum problema sério de saúde, de acordo com Raposo (2010, p. 62),
“Neste caso poderão os pais da criança apresentar dois pedidos de indemnização: um em seu nome próprio, pelo danos que advêm da circunstância de ter um filho com animalidade tão gravosas (mas nesse caso estaremos perante um processo de wrongful birth); outro em nome da própria criança, pelo facto de esta ter nascido com semelhante doença ou anomalia (a wrongful live propriamente dita).”
No Brasil, conforme dito tais medidas ainda não podem ser realizadas uma vez que a interrupção de gestação pode ser realizada apenas nos casos descritos no artigo 128 do Código Penal ou em virtude de anencefalia, conforme decisão em 2012 pela Suprema Corte.
Atualmente tramita no Congresso o Projeto de Lei 1184/03 que prevê que todos os embriões produzidos (que serão limitados em 2) deverão ser implantados no útero materno, mesmo que sejam inviáveis.
Pela teoria da vida injusta há ainda, segundo Raposo (2010, p. 62) outra discussão referente aos pais que optarem por continuar a gestação de fetos com deficiência ou malformados, uma vez que os genitores teriam o dever de interromper a gestação, sob pena de responderem por negligência perante o futuro filho que tenha nascido com limitações diagnosticadas durante o seu desenvolvimento embrionário,
Tanto na Alemanha quanto na Inglaterra não é reconhecido o direito de ser indenizado por ter nascido (COSTA, 2012, p. 15).
Após a análise já realizada, o direito de não nascer pode ser resumido na possibilidade de ser praticado o aborto evitando o nascimento de um indivíduo com problemas graves de saúde, o que o tornaria dependente de seus pais e irmãos, colocando em prejuízo, além da qualidade de vida do indivíduo, a de seus parentes também. Nesse caso uma vida com sofrimentos contínuos não poderia ser considerada digna de ser vivida.
De acordo com Raposo (2010, p. 61-62), a questão relacionada ao direito de não nascer pode ser traduzida da seguinte forma:
“As wrongful life actions surgem quando uma criança nasce mal-formada e pretende reagir contra quem deu azo ao nascimento, ainda que não tenha provocado directamente a malformação. As acções de wrongful life são sempre interpostas pela criança (ou por outrem em seu nome, dado que muitas vezes falamos de um menor e/ou incapaz) nascida nestas condições, e podem dirigir-se contra os médicos e instituição hospitalar e mesmo – sendo esta a hipótese mais controvertida – contra os pais.”
É relevante que haja o diagnóstico e o tratamento de doenças antes ou depois do nascimento, e, caso não seja viável a gestação, que a mesma seja interrompida, porém a vida e a dignidade devem estar acima de qualquer procedimento e intervenção humana, que caso exceda ou cause ainda mais dado ao nascituro ou indivíduo, o profissional ou mesmo os pais devem ser responsabilizados.
Wrongful birth actions ou nascimento injusto é um tipo de ação que deve ser proposta pelos pais em virtude de não terem sido informados acerca de doenças graves que o feto possuía, sendo privados do direito de abortar ou mesmo de terem uma criança saudável, enquanto que a wrongful life é proposta no nome do menor, privado de uma vida saudável, fadado a conviver com doenças e limitações (RAPOSO, 2010, p. 63-64).
Assim, por tal medida é possível que os pais possam requerer direito a uma indenização, seja por danos materiais e/ou morais em virtude do nascimento de um filho com problemas graves de saúde, que deveriam ter sido diagnosticados ou mesmo informados durante o período de gestação para que, caso entendessem necessário, que houvesse a decisão dos pais pela interrupção da gravidez.
Costa (2012, p. 23) lista quatro requisitos para que a ação possa ser proposta: deficiência desde o nascimento, deficiência ocasionada por fatos da natureza, presunção de interrupção da gestação caso os pais tivessem conhecimento da moléstia e a existência de erro do médico, hospital ou laboratórios.
Mesmo que houvesse um diagnóstico correto, caberia aos pais decidirem pelo aborto, não se pode afirmar com veemência que o teriam realizado, uma vez que se trata de faculdade e não obrigação, até mesmo porque questões relacionadas com o aborto são polêmicas, cheias de prós e contras e é preciso tomar cuidado para que a prática não seja banalizada, ocasionando aborto de fetos saudáveis devido à futilidade dos pais.
O direito a receber uma indenização pode ser baseado na teoria francesa que aponta “a perda de uma chance”, onde o valor a ser recebido pela vítima deve ser proporcionado a atitudes contrárias caso houvesse conhecimento da real situação da saúde e do desenvolvimento do feto.
Para Siano (2009, p. 815), é possível a responsabilização de médicos e hospital em virtude de prescrição de medicamento à mãe que conhecidamente pela comunidade médica causa danos ao feto, como o que ocorreu em Nápoles em 19.3.2004, no caso de n. 995, onde o Tribunal de Apelação confirmou a sentença do Tribunal de Nápole de 25.05.2001.
De acordo com Raposo (2010, p. 68),
“O primero processo a dar razão a uma wrongful life action foi Curlener v. Bio-Science Laboratories, no qual uma criança afectada pela doença de Tay-Sachs e os seus pais (estes num processo de wrongful birth) accionaram o laboratório que estes últimos tinham procurado para determinar se eram ou não portadores de Tay-Sachs, tendo o referido laboratório emitido um juízo negativo. O Supreme Court da Califórnia começou por distinguir este caso dos precedentes e afastou a sua rejeição com base na suposta dificuldade no cálculo do dano. Desconsiderou igualmente certas concepções morais sobre a vida que continuavam a dominar a apreciação jurídica destas questões. Segundo o Tribunal, pouco releva o facto de que a criança não houvera nascido sem a negligência dos arguidos. Mas já releva a circunstância de ela ter efectivamente nascido, e é no cenário concretamente existente que se deve avaliar se tem direito a ser ressarcida dos danos que sofre.”
Na jurisprudência francesa, aponta Raposo (2010, p. 70-71) temos um famoso caso denominado Perruche, onde,
“Nicolas Perruche nasceu com fortes deficiências (síndroma de Gregg: lesões auditivas e visuais, cardiopatias e neuropatias), em consequência da rubéola contraída pela mãe durante a gravidez (sendo que a mulher chegou a informar os médicos da história clínica da sua família que poderia colocar em risco a criança, e avisou que caso existisse a possibilidade de esta nascer com problemas preferiria abortar) mas que não foi detectada, pelo que os pais accionaram o médico e o laboratório. Depois de em primeira instância ter sido atribuída uma indemnização aos pais, mas não ao filho37, o Tribunal de Cassação conferiu aos pais uma indemnização pelo facto de terem sido privados da possibilidade de escolher entre abortar e prosseguir com a gravidez (autodeterminação reprodutiva)38, mas também à criança, em virtude dos danos por ela sofridos (que, sublinhe-se, foram provocados pela rubéola e não pelos médicos).”
Embora a decisão do citado caso tenha vindo em 2000, o debate judicial teve início quase 10 anos antes, em 1992, onde o Tribunal Superior de Evry condenou médico e laboratório por erros na análise da gestação e a possível contaminação do feto pela rubéola adquirida pela mãe. Se o fato tivesse sido devidamente diagnosticado, a mãe teria a possibilidade de interromper a gestação, evitando que a criança nascesse com uma série de problemas, o então bebê Nicolas Perruche nasceu com problemas oculares, cardíacos, auditivos e neurológicos e necessitava de uma pessoa ao seu lado todo o tempo, o que geraria um gasto exorbitante para a família. Médico e a clínica que realizou a análise do material colhido e encaminhado pelo médico foram responsabilizados a pagarem pesadas indenizações.
Após uma série de julgamentos e recursos, os tribunais franceses, ao final do caso, haviam reconhecido por duas vezes o direito apenas dos pais de receberem indenizações em virtude de ter sido tirada a alternativa de interromper a gestação e evitar o nascimento de uma criança com muitos problemas e outros três tribunais reconheceram também o direito de a criança ser indenizada.
A jurisprudência final do caso segue abaixo:
“Profissões médicas e paramédicas - médico cirurgião - responsabilidade contratual - Falha - Causa - grávida - Concurso falhas de um laboratório e um médico - Crianças nascidas com deficiência - Direito a indemnização (tradução livre da autora).”[1].
De acordo com tal decisão, uma vez que por falha em diagnostico ou erro em resultados laboratoriais resultarem no nascimento de uma criança com problemas graves de saúde, e os problemas pudessem ser diagnosticados durante a gestação, podendo a mãe optar por ter ou não a criança, há o dever de indenização devido a perda da chance de interromper a gestação para a gestante e direito de indenização por ter nascido com problemas para a criança.
Uma vez que o jovem Nicolas recebeu uma indenização em pecúnia em decorrência de ter nascido, foi-lhe garantido pela jurisprudência francesa o direito de não nascer.
Questionando o caso Perruche, veio um pensamento bastante ousado de Axel Gosseries, que aponta que a única forma de se ter o direito de não viver seria o caso da vida não alcançar o mínimo de dignidade, sendo uma vida indigna de ser vivida, indigna de nascer e, então, digna de morrer (GODOY, 2007, p. 10).
No que cabe a Itália, o direito de não nascer não é aceito pela jurisprudência, que, entretanto, reconhece o direito dos pais reclamarem em juízo o direito de serem indenizados em caso de erro de diagnóstico ou na prescrição de medicamentos que ocasionem o nascimento de criança portadora de problemas físicos ou mentais, conforme esclarece Di Ciommo (2010, p. 146).
O aborto terapêutico, ou seja, aquele onde se evita o nascimento de fetos com problemas graves de saúde é aceito em diversos países da Europa, como a França e a Itália. No Brasil tal medida é aceita apenas em caso de anencefalia ou quando apresentar sérios riscos de vida para a gestante.
Embora o caso Perruche tenha ganhado repercussão mundial, nos Estados Unidos, na década de 60 houve um caso onde os médicos falharam ao diagnosticar uma deficiência do feto, o que ocasionou o seu nascimento, motivo pelo qual o caso Gleitman v. Cosgrove ocorreu mediante o pedido de wrongful life proposta pelos pais como representantes do menor, uma vez que nasceu deficiente. Se a deficiência tivesse sido diagnosticada durante a gestação, provavelmente o bebê teria sido abortado (GODOY, 2007, p. 17).
Quando se compara os dois casos, temos que,
“O caso Gleitman v. Cosgrove abarcou a propositura de duas ações: uma por nascimento injusto, proposta pelos pais, e outra por vida injusta, proposta em nome da criança. Mas, no caso Perruche, foi proposta apenas uma ação por wrongful life, uma ação por vida injusta” (GODOY, 2007, p. 33).
Mas, e os direitos dos portadores de necessidades especiais, tenham nascido com deficiências ou as adquirido ao longo da vida? Não devem ter acesso a direitos? Teria alguma vida que não seja digna de ser vivida? E se a culpa pela criança ter nascido com alguma limitação for alheia à atuação humana, não terá direito a nenhum auxílio financeiro capaz de garantir a manutenção de sua vida?
As pessoas que possuem alguma deficiência devem ter a chance de nascer, caso já estejam se desenvolvendo no útero materno, tendo em vista que nenhuma doença poderá lhes tirar a humanidade que lhes pertence e as expectativas de direitos inerentes a tal qualidade.
A Lei anti-Peruche foi revogada em 2005, entretanto, foi aprovado o Código de Acção Social francês um art. L. 114-5, com conteúdo bastante parecido.
Ressalte-se que o aborto de fetos com graves problemas de saúde é aceito na Europa caso a medicina ainda não possua nenhuma forma de tratamento ou cura, propiciadas por intervenções realizadas ainda quando nascituro.
Difícil entender como pode haver um direito de não ter direitos, ou melhor, um direito de não nascer uma vez que muitas dúvidas teriam de ser sanadas e uma exceção constitucional deveria ser quebrada, tendo em vista o direito a vida ser inviolável, porém, tal entendimento pode ser cabível perfeitamente quando se fala em nascituro, mas e quando se está a analisar um embrião ainda não implantado, excedente ou inviável, o entendimento poderia ser outro, uma vez que não há vida, nem mesmo em potencial. Nesses casos poderia haver uma não implantação em útero de embrião que apresentasse algum problema genético ou mesmo não fosse a vontade de seus pais.
Poderia então a vida ser um dom na maioria dos casos e um dano em outros? Essa questão valeria apenas para os embriões e nascituros ou para os já nascidos também, como o caso da eutanásia?
Ressalte-se, novamente que, o direito de ter um filho saudável ou o direito ao planejamento familiar é totalmente possível de indenização por responsabilidade de médicos e clínicas, desde que tenha culpa do profissional que não tenha realizado uma esterilização com o devido cuidado, motivo que a tornou ineficaz ou mesmo não informou aos pais doenças totalmente diagnosticáveis no período pré-implantatório ou pré-natal, fatos totalmente aceitos pela jurisprudência portuguesa.
A questão é bastante divergente, principalmente pelo fato de que poderia ocorrer uma banalização do termo “vida injusta”, que poderia ser alegado, por exemplo, em casos de pobreza, entre outros e acarretar em constantes abortos, muitos pautados em futilidades.
CONCLUSÃO
Num país que possui a proteção da vida digna como um de seus fundamentos e princípios norteadores certamente terá sérios problemas internos caso decida acatar teorias como do nascimento injusto e da vida injusta uma vez que o pressuposto para se exercer direitos e deveres é a existência de vida, é ilógico imaginar que alguém possa exercer direitos antes mesmo de ter personalidade e é impossível saber antes que a criança atinja a maioridade de qual seria a sua vontade.
A evolução tecnológica tem trazido boas esperanças para as pessoas que sofrem algum tipo de doença séria e a cada dia a qualidade de vida de dezenas de pessoas tem ficado menos sofrida.
Como se demonstrou o Brasil é bastante receoso com relação a aplicação de teorias referentes ao direito de não nascer e embora as pessoas tenham seus direitos fundamentais elencados no Texto Maior é incoerente exercer um direito colocando em risco a própria vida.
Assim, acredita-se que em caso de erros médicos ou mesmo atitudes dos genitores que possam causar problemas de saúde ao feto podem ser indenizadas, entretanto questões relativas ao direito de não nascer são inaceitáveis diante dos atuais parâmetros legislativos nacionais posto que a vida deve prevalecer, e a morte, quando chegar a hora, deve vir de forma natural e o menos dolorida possível.

Referências
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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2005.
Nota:
[1] PROFESSIONS MEDICALES ET PARAMEDICALES – Médicin chirurgien – Responsabilité contractualle – faute – Lein de causalité – Femme enceinte – concours de fautes d’un laboratoire et d’un praticien – Enfant né handicapé – Droit à réparation. Disponível em: http://www.juricaf.org/arret/FRANCE-COURDECASSATION-20001117-9913701, acessado dia 12.02.2013.

Caroline Leite de Camargo
Mestre em direito pelo Univem-Marília. Bacharel em direito pela UFMS/CPTL. Professora no ITL Educação Profissional

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