Às vezes é preciso uma bofetada que – pleft! – nos devolva de volta à vida
IVAN MARTINS
27/08/2014
Desilusão é uma experiência terrível. Num momento qualquer, você está cheio de esperança. No outro, seu mundo veio abaixo. Como uma repentina bofetada, a desilusão machuca, desnorteia e humilha. É o evento dramático que, na vida amorosa, separa a realidade do sonho, os homens dos meninos e os tolos dos sábios. A desilusão é nosso diploma. Quem não passou por ela é um inocente. Ainda não sabe de nada.
Você, apaixonado, sugere à namorada que talvez seja hora de fazer planos e morar juntos. Ela responde, cheia de dedos, que talvez não esteja assim tão envolvida com você. Pleft!
Encantada com o sujeito, você pergunta, toda bonitinha, se o que rola entre vocês é um namoro – e ele diz, sem hesitar, que também sai com outra garota e não quer compromisso. Pleft!
Depois de cinco anos de casamento, as coisas esfriaram ao ponto de congelamento. Você tem esperança e propõe uma segunda lua de mel – então seu marido conta que tem saído com uma colega, que está apaixonado e vinha se preparando para contar que pretende morar com ela. Pleft!
Com essas histórias, quero dizer, ao contrário das lamúrias frequentes, que desilusão é bom. Quem nos desilude nos abre os olhos e nos descortina o mundo verdadeiro. Por isso, nos presta um grande serviço.
O iludido acredita, essencialmente, que o outro sente por ele o mesmo que ele sente pelo outro. Vive a fantasia de ser amado ou, pelo menos, tem esperança de um dia ser correspondido. É um sonhador que pode passar anos caminhando no interior do seu sonho, vendo apenas o que deseja ver. A desilusão é o despertar. Deveria ser saudada como libertação, mas costuma ser recebida com ressentimento. A pena de si mesmo é maior que a gratidão.
Na verdade, o inimigo é quem nos ilude. Faz mal aquele que, por fraqueza ou piedade – muitas vezes por vaidade – alimenta nossos sentimentos infundados. Quem nos olha nos olhos e diz a verdade merece nosso respeito. Demonstra respeito por nós, ainda que nos magoe.
A verdade, é importante que se diga, nem sempre é nítida. Quando se trata de afeto, somos criaturas confusas, habitadas por dúvidas e contradições. Por isso, mais importante que aquilo que ouvimos é o que vemos. Mais importante que sentimentos, são ações. Se o sujeito parece ter por você o maior carinho, mas é sua amiga que ele chama para sair, parece que é da amiga que ele gosta – embora talvez nem saiba. As decisões dele contam tudo que você precisa saber, desde que você as conheça. Quem diz o que sente, mas esconde o que faz, ilude.
Eis uma boa máxima: não me diga o que você sente, me conte o que você faz.
Da minha parte, tendo vivido ilusões e desilusões, prefiro as últimas. Elas me salvaram de vexames profundos, me tiraram de enganos demorados, me abriram portas que eu desconhecia e me puseram no caminho certo. Tem sido assim com todos que eu conheço. Os mais tristes, os mais dignos de piedade, são os que se agarram a ilusões que todos em volta reconhecem, menos eles. A esses faz falta uma desilusão. Uma boa bofetada – pleft! – que os devolva de volta à vida.
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