De namorados a curadores do Museu dos Relacionamentos Rompidos
por José Gabriel Navarro — publicado 22/05/2014
por José Gabriel Navarro — publicado 22/05/2014
Superação. Grubisic e Vistica ficaram juntos por quatro anos. Hoje coletam memórias de paixões frustradas, entre elas este bizarro machado / Ana Opalic |
A produtora de filmes Olinka Vištica conheceu o artista plástico Dražen Grubišić em uma noite em Zagreb no fim dos anos 1990. Ele nasceu e cresceu na capital da Croácia. Ela é de Split, a segunda maior cidade do país, localizada na costa dálmata. Começaram a namorar em 1999. Durou quatro anos. Ao se separarem, olharam para os objetos que os faziam lembrar um do outro e brincaram: “A gente deveria fazer um museu”.
Em 2006, a brincadeira virou uma exposição de sucesso. Quatro anos mais tarde, tornou-se realidade: nascia o Museu dos Relacionamentos Rompidos. Corações partidos de todo o mundo podem preencher um formulário no site www.brokenships.com e doar itens ligados ao fim de um namoro, casamento, relação casual ou amor platônico.
Os objetos e os respectivos relatos passam pela curadoria do ex-casal fundador do museu antes de serem expostos em uma galeria encravada a poucos passos da Praça São Marcos, sede dos Três Poderes croatas, na cidade alta, maior das porções medievais remanescentes – e, portanto, superturísticas – de Zagreb.
A variedade dos itens expostos só é superada pela diversidade das histórias a eles ligadas. Os protagonistas não são identificados, apenas o local e a duração do relacionamento. “Um presente da S.K. de 1987”, lê-se na placa ao lado de um combalido relógio. “Ela amava coisas antigas, até que elas envelhecessem e parassem de funcionar. Foi precisamente esse o motivo de não estarmos mais juntos”, conclui o zagrebino anônimo.
Um machado traz o seguinte relato enviado de Berlim sobre uma relação de 1995: “Ela foi a primeira mulher que deixei vir morar comigo. Meses depois de ela se mudar, me ofereceram uma viagem aos EUA. Ela não poderia vir junto. No aeroporto, nos despedimos chorando, e ela assegurou que não conseguiria sobreviver três semanas sem mim. Voltei e ela disse: ‘Me apaixonei por outra pessoa. Conheci essa mulher há só quatro dias, mas sei que ela pode me dar tudo o que você não pode’. Perguntei-lhe quais eram seus planos para nossa vida juntas. No dia seguinte, ela ainda não tinha resposta, então a expulsei. Ela imediatamente saiu de férias com a nova namorada enquanto os móveis dela continuaram comigo. Sem saber o que fazer com a minha raiva, finalmente comprei este machado para desestressar e causar nela ao menos um mínimo de sentimento de perda, que ela obviamente não havia sentido ao rompermos. Nos 14 dias das férias dela, a cada dia eu destroçava um móvel. O machado foi promovido a instrumento terapêutico”. O anonimato parece garantir a liberdade narrativa que surpreende os visitantes (62 mil no ano passado).
Além da galeria, Vištica e Grubišić, ambos com 44 anos, mantêm paralelamente uma exposição itinerante. Até meados de junho, ela permanece na Cidade do México. O plano original era levá-la a São Paulo, mas a Copa do Mundo atrapalhou os planos dos curadores. A intenção, diz Grubišić, é levar a mostra à capital paulista em 2015. Dois meses antes de uma exposição, o casal promove uma campanha de arrecadação de objetos no país escolhido para que metade do material exposto pertença a nativos.
Existem regras para a seleção dos objetos. “Não aceitamos nada que implique vingança, contenha xingamentos ou informações pessoais, como número de celular, nem nada que soe ofensivo, racista”, explica Grubišić. Não tem sido necessário aplicá-las, porém. “Os indivíduos repassam as coisas quando superam o fim da relação. Não é o mesmo sentimento de quando querem jogar o objeto fora nem o mesmo de quando o querem manter em casa, por qualquer motivo.”
Essa crença faz Grubišić e Vištica sentirem-se promotores de uma boa ação coletiva por meio do museu e da mostra itinerante. Autoajuda palpável: dá-se um pedaço físico do passado para inspirar a si mesmo e aos demais a vencerem os fantasmas do desamor.
A tese explicaria a doação de pílulas de ecstasy por um policial que havia sido traficante em Amsterdã com um namorado no tempo da faculdade? Permitiria entender a exposição da intimação da Justiça francesa contra um suposto molestador de crianças, feita décadas após o crime, depois de uma vítima se reconhecer apaixonada pelo algoz e finalmente procurar as autoridades? Ou consolar a septuagenária armênia que enviou ao museu um cartão-postal passado por debaixo de sua porta quando ela era jovem por um adolescente apaixonado? “Os pais dele vieram à minha casa pedir a minha mão. Meus pais negaram, dizendo que o filho deles não me merecia. Eles foram embora bravos e muito decepcionados. Naquela mesma noite, o filho deles entrou com o carro num precipício”, conta a senhora. No Japão ou na Armênia, o amor impossível dói do mesmo jeito.
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