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domingo, 21 de setembro de 2014

Lei Maria da Penha demanda mudança cultural das instituições de Segurança e Justiça

leila linhares no informativo 7
06/08/2014

A plena efetivação da Lei 11.340/2006 enfrenta ainda hoje a persistência de discriminações contra as mulheres que a tornaram necessária num primeiro momento, uma vez que é justamente para superar a lacuna entre os direitos previstos e a vivência de determinados sujeitos que surgem leis protetivas, conforme contextualiza a advogada Leila Linhares Barsted, diretora-executiva da Cepia – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação, ONG que atuou no consórcio de formulação da Lei Maria da Penha. Confira a entrevista:


Segundo a Lei Maria da Penha, os casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres resultam da desigualdade de gênero existente no Brasil. Como a desigualdade de gênero incide no acesso das mulheres à Justiça hoje em dia?
Na realidade não é nem hoje em dia, incide no acesso das mulheres desde sempre. Até a década de 1960, por exemplo, as mulheres precisavam de autorização do marido para entrar com demandas na Justiça na área criminal. Então, a gente vê que essa dificuldade das mulheres terem acesso à Justiça já é uma coisa antiga, seja o acesso direto, como demandante numa determinada ação, seja o acesso aos seus direitos de um modo geral.
Com a Lei Maria da Penha ficou claro que era necessário um instrumento, que – obedecendo a Constituição e os tratados internacionais,  principalmente a Convenção de Belém do Pará – definisse a importância desse acesso ao Poder Judiciário e às instituições de segurança, justiça, trabalho e assistência social.
Qual o significado da inserção da perspectiva de gênero no direito por meio da Lei Maria da Penha?
O direito é um todo abstrato e genérico, na medida em que fala, a princípio, para um conjunto. A doutrina jurídica não fala em brancos e negros, homens e mulheres, porque pressupõe um cidadão – e a cidadania pressupõe exatamente a igualdade e ausência de exclusões. O que ocorre é que esse conjunto sempre foi pensado como um conjunto masculino.
Então, a teoria do Direito não se debruçou, pelo menos até a década de 1960 e 1970, sobre a existência de sujeitos específicos que, por não terem seus direitos reconhecidos, acabavam sendo tratados como cidadãos de segunda classe.
A partir da década de 1960, vão surgindo convenções específicas, contra o racismo, contra a discriminação à mulher, para as crianças. Ou seja, vão se maneando sujeitos reais, concretos, que aquela idéia abstrata do Direito vigente até então não dava conta.
A Lei Maria da Penha é um exemplo típico desse sujeito específico – as mulheres – que demandam por Justiça e Segurança. Não basta que exista um Código Penal que se refira a todos, é preciso legislações específicas, considerando que existem desigualdades e que há uma cidadania ainda não plenamente realizada para as mulheres.
Nesse contexto, é interessante lembrar que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher, fala muito claramente que não se considerará discriminação aquelas medidas necessárias para superar as desigualdades existentes entre homens e mulheres.
Logo, quando se fala que a Lei Maria da Penha discrimina os homens, isso não é verdade. A Lei Maria da Penha, na verdade, vai manear um sujeito que sofre uma discriminação específica, uma violência específica e que precisa, portanto, de respostas e mecanismos específicos para sanar essa ausência de direitos ou essas violências.

Garantir o direito material mesmo.


Exatamente, o direito real, o direito na vida.


E houve avanços nessa frente?


Houve um avanço fantástico em termos legislativos, que se concretiza na Constituição de 1988, onde se eliminam quaisquer formas de discriminação de raça, etnia e gênero, e que avança ainda mais com a Lei Maria da Penha.


E quais os desafios para a compreensão da desigualdade entre os gêneros no Sistema de Justiça?
Bem, primeiro houve uma resistência entre os próprios operadores do Direito, dizendo que a Lei Maria da Penha era inconstitucional e isso foi resolvido pela decisão do Supremo Tribunal Federal. Mas, apesar da decisão, sabemos que em muitos lugares os operadores do Direito, e particularmente os juízes e juízas, estão aplicando a Lei com distorções, utilizando, por exemplo, mecanismos de conciliação, ou de suspensão condicional do processo. Enfim, há uma dificuldade de aplicar a lei como ela está escrita e ainda se usa a Lei 9099/1995 dos crimes de menor potencial ofensivo.
Outra resistência grande é de se acreditar na palavra da mulher, a gente percebe que entre os operadores nos sistemas de Segurança e Justiça ainda há muito preconceito quando a mulher vai registrar a denúncia.
Outra questão é a dificuldade das mulheres de conhecerem seus direitos e de conhecerem os mecanismos institucionais existentes. Muitas mulheres não sabem que têm direitos, tem medo de denunciar, porque acham que podem perder a guarda dos filhos, por exemplo. E a mulher, muitas vezes, não tem nenhum conhecimento de como vai se dar o trâmite da delegacia ao Judiciário até que ela tenha uma decisão efetiva sobre aquela demanda por segurança que fez.
E há a necessidade das instituições de Justiça e Segurança colocarem a violência contra a mulher como uma questão de segurança humana séria. As Delegacias das Mulheres ainda são poucas, com poucos funcionários e com pouquíssimo poder na instituição comparada com outras delegacias. E a gente poderia dizer o mesmo em relação aos juizados, promotorias e defensorias especializados, eles ainda contam com poucos juízes, poucos promotores, poucos defensores e a questão dessa violência específica contra as mulheres ainda não tem um destaque na cúpula dessas instituições. Ou seja, as instituições criam os serviços, criam os atendimentos, mas não faz parte da ‘alma’ das instituições se preocuparem com os direitos das mulheres.
Assim, não basta um esforço legislativo, tem que ter uma mudança na cultura dessas instituições para que todos percebam a magnitude e a gravidade da violência contra as mulheres e percebam, como consequência, o alcance que a Lei Maria da Penha deve ter. E passem, a partir do reconhecimento de que existe de fato a discriminação contra as mulheres e que existe uma lei específica na área de segurança para responder a isso, dotar os juizados, promotorias, delegacias e defensorias de maior eficiência, maior número de funcionários, para que ele possa investir efetivamente na capacitação dos seus membros.

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