Luiz Silveira/Agência CNJ |
26/09/2014
Um jovem cumpre pena de quatro anos em regime fechado por um crime que não cometeu. Outro, há anos, teria direito à progressão de regime e, no entanto, continua atrás das grades. Dezenas de casos como esses são retratados no documentário “Sem Pena”, coprodução entre o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e a Heco Produções, que ganhou o prêmio de melhor filme eleito pelo júri popular no Festival de Cinema de Brasília 2014.
Um jovem cumpre pena de quatro anos em regime fechado por um crime que não cometeu. Outro, há anos, teria direito à progressão de regime e, no entanto, continua atrás das grades. Dezenas de casos como esses são retratados no documentário “Sem Pena”, coprodução entre o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e a Heco Produções, que ganhou o prêmio de melhor filme eleito pelo júri popular no Festival de Cinema de Brasília 2014.
O documentário vai muito além da situação dramática das penitenciárias brasileiras e retrata a realidade do sistema de justiça criminal e a dificuldade de obtenção de direitos pelos presidiários – situação constantemente mostrada nos mutirões carcerários realizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que desde 2008 proporcionaram a liberdade a 50.610 detentos que já possuíam esse direito e, no entanto, continuavam presos.
O documentário, que levou cinco anos para ser concluído, mostra o que está por trás dos crimes, como a falta de oportunidades de estudo e trabalho e a disparidade social, o que faz que a maior parte da população carcerária seja jovem, negra e pobre, ou, como define um dos entrevistados do filme, trata-se do “encarceramento da pobreza”.
Para Augusto de Arruda Botelho, presidente do IDDD, a pessoa sem recursos não consegue se defender e, até sair o benefício, já cumpriu a pena toda. “A política do Estado é a do encarceramento em massa. Não são respeitadas, em primeira instância, súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinam requisitos para a prisão preventiva, ou que tratam de penas alternativas, por exemplo”, diz Augusto.
Outro aspecto levantado no documentário é que o desrespeito aos direitos humanos no cárcere – como a falta de oportunidades de trabalho para remissão da pena – tem como consequência a vinculação de réus primários a facções criminosas. Augusto chama a atenção para dados da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), no estado de São Paulo, onde o índice de reincidência no crime de presos que cumprem penas alternativas é de 7%, enquanto o mesmo índice para os que cumprem penas no regime fechado é de 60%.
A fala de um dos entrevistados no documentário resume o espírito do filme: “Não existe crime individual, todo crime é social”. Na opinião de Augusto, o documentário contesta alguns lugares comuns como de que “as leis são ruins” ou “no Brasil o preso só cumpre um sexto da pena e vai embora”, o que não acontece na realidade, e que o processo é muito lento, a estrutura é falha e há poucos juízes que atendem a um número desumano de processos.
Mutirões carcerários – Desde 2008, os mutirões carcerários realizados pelo CNJ já concederam 95.454 de benefícios, como direito a trabalho externo, progressão de regime, entre outros. Por meio dos mutirões, foram analisados 503.829 casos e concedida a liberdade a 50.610 presidiários, como a extinção de pena – com soltura, livramento condicional e indulto –, relaxamento do flagrante, medidas cautelares alternativas à prisão ou revogação do decreto de prisão preventiva.
Nos mutirões realizados por todo o país foram descobertos casos gritantes como o de um homem no Ceará de aproximadamente 80 anos que foi preso na década de 1960, recebeu alvará de soltura em 1989, após ter sua punibilidade extinta pela Justiça, mas permanecia, mesmo assim, em uma unidade destinada a abrigar acusados de cometer crimes, o Instituto Psiquiátrico Governador Stenio Gomes (IPGSG).
Começar de Novo – O documentário “Sem Pena” ressalta a falta de oportunidades de trabalho no sistema carcerário – muitas vezes, como mostra o filme, encarcerados têm como única alternativa atividades como a confecção de bolas de couro dentro das celas, o que não é considerado para a remissão da pena. De acordo com o filme, trata-se de verdadeira “loteria”, já que uma pessoa acusada por tráfico de drogas, por exemplo, pode ser tanto condenada a oito anos de reclusão ou a um ano e meio no regime aberto com prestação de serviços.
O direito ao trabalho dos presidiários é a principal bandeira do Programa Começar de Novo, do CNJ, que visa à sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil para que forneçam postos de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário.
IDDD – Fundado no ano 2000, o IDDD é formado atualmente por 260 advogados criminalistas que trabalham na proteção dos direitos dos presidiários em diversas frentes, desde a atuação de assistência jurídica aos presidiários, participação em tribunais do júri, até a conscientização da sociedade dos direitos fundamentais, com aulas em escolas e nos presídios, por exemplo. Desde que foi criado, o IDDD já realizou 15 mutirões em delegacias de polícia, fóruns e centros de detenção. Em 2012, o IDDD participou dos mutirões carcerários realizados pelo CNJ em São Paulo.
O mutirão SOS liberdade, que ocorreu de novembro de 2011 a julho de 2012, no Centro de Detenção Provisória I de Pinheiros, por exemplo, teve como finalidade verificar o impacto da Lei n. 12.403/2011 (Lei das Cautelares) no Judiciário paulista, em especial no uso abusivo da prisão preventiva na capital do estado de São Paulo. Foram atendidos 537 presos provisórios, sendo que 344 não tinham advogado constituído. Nesse mutirão, constatou-se que 84% foram presos pela Polícia Militar, 3% pela Polícia Civil e 5% pela Guarda Civil Metropolitana. Para Augusto, isso demonstra que se privilegia pouco a Polícia Civil, que atua de forma investigativa, ou seja, na raiz do crime.
Luiza de Carvalho
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