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sábado, 20 de setembro de 2014

“Fui pôr fogo no mundo. Eram os livros que punham fogo no mundo”, Rose Marie Muraro




“Memórias de uma mulher impossível”, autobiografia de Rose Marie Muraro lançada em 1999, continua atual e registra os avanços e os caminhos do movimento feminista no Brasil
Foto: divulgação
Rose Marie Muraro Foto: divulgação
A trajetória de uma das líderes feministas mais importantes do Brasil está intimamente ligada à história do país. A autobiografia da intelectual brasileira Rose Marie Muraro, Memórias de uma mulher impossível, lançada em 1999 pela editora Rosa dos Tempos e transformada em documentário posteriormente por Márcia Derraik . “Além de mostrar um período da vida brasileira raramente descrito sob este ângulo, alguém ligado a Igreja mas não pertencente a sua hierarquia, mostra uma mulher que suplantou todas os espinhos que o destino foi colocando à sua frente”, descreveu Marta Suplicy na contracapa da obra.
Memórias de uma mulher impossível começou como um projeto, em junho de 1997, na Filadélfia, Estados Unidos, onde Rose Marie cumpria um período como pesquisadora e professora visitante na Universidade de Temple, por meio de uma bolsa da Fundação Fullbright. Consistia em responder a perguntas do Dr. Philip Evanson, co-autor do livro, sobre uma série de assuntos pré-selecionados que fossem representativos de seu trabalho, de sua vida e de sua militância.
Sua autobiografia mostra também os inúmeros reconhecimentos que a intelectual recebeu ao longo de sua existência, como ter sido eleita 9 vezes “Mulher do Ano” e escolhida por 2 vezes como uma das “Mulheres do Século”. Grande lutadora, Rose Marie teve uma vida sacrificada por dificuldades de saúde desde o nascimento – era praticamente cega, aprendeu a escrever aos 15 anos e só conseguiu melhorar a visão aos 66, quando finalmente pôde exergar seu próprio rosto.
Segundo uma de suas 5 filhas Tônia Gebara Muraro, Rose Marie foi poeta e mulher visionária, viveu do impossível, sempre guerreira e vencedora. Dedicou toda a sua vida à luta por uma sociedade mais justa e abriu caminho para as mulheres conquistarem seus direitos e cidadania. Costumava dizer que “entre homens e mulheres deve haver diferenças, mas não desigualdades”.
“Ela conviveu e trabalhou com Dom Helder Câmara na Igreja Católica, viveu e militou na ditadura, participou da construção da democracia, vivenciou as transformações tecnológicas do mundo, montou uma biblioteca de mais de 3 mil títulos, estudou e pesquisou ao longo de 83 anos, tendo produzido desde poesias às varias obras sobre a condição da mulher brasileira, a construção de um mundo mais humano e até sobre novas formas de economia, e sempre com seu olhar feminino. Foi palestrante e professora de varias universidades e instituições brasileiras e internacionais. Nos EUA conferenciou em 600 universidades e muitas delas adotaram alguns de seus livros para o Departamento de Estudos da Mulher Latino Americana”, conta Tônia.
Como escritora e editora, ao lado de Leonardo Boff, Rose criou os dois maiores movimentos sociais do Brasil na época: o Movimento das Mulheres e a Teologia da Libertação. Fundou a primeira editora de mulheres do Brasil em sociedade com Laura Civita, Ruth Escobar e a Editora Record. Também foi fundadora do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres e nomeada pelo governo federal como “Patrona do Feminismo Brasileiro.
“Foi uma mulher transgressora desde o dia em que nasceu lutando por sua própria sobrevivência. Foi condenada à morte, à cegueira, a não ter filhos, a não ler e nem trabalhar, mas transgredindo as leis físicas e as do homem, aprendeu a ler sozinha, começou a escrever aos 15 anos, trabalhou desde então, teve 5 filhos, foi militante ativa e escritora de mais de quarenta títulos. E ainda venceu duas vezes o câncer, mas na terceira partiu deste mundo” relata Tônia.
A intelectual polivalente nos deixou em junho deste ano. Faleceu em decorrência de um câncer na medula. Além do legado decorrente das muitas atividades de militância, livros e pesquisas, Rose deixou um instituto cultural, criado em 2009 e dirigido pela filha Tônia. A instituição, localizada no Rio de Janeiro, promove diversos eventos e oficinas culturais. Atualmente o Instituto Cultural Rose Marie Muraro (ICRM) tem a responsabilidade de compilar, conservar e difundir o acervo cultural da escritora. Em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulehres do Paraná, o ICRM está a caminho de realizar o último desejo de Rose: garantir que seu legado seja transmitido às gerações futuras. “Para tanto estamos criando, física e virtualmente, a partir do acervo da escritora e outras obras de grande relevância, a primeira biblioteca brasileira especializada nos estudos de gênero. Se nosso processo de convênio e busca de parcerias der certo, a Biblioteca Rose Marie Muraro deverá ser inaugurada no final de 2015. Estamos também captando recursos para homenagear seus 84 anos em novembro, com um curta sobre as varias facetas de sua”, explica Tônia.
rose_livro
Memórias de uma mulher impossível (1999)
Editora Rosa dos tempos
“Fiz o que pude para ampará-la e tentei absorver o máximo de seu final de vida, que não foi nada fácil”.Tônia destaca que a última transgressão da mãe foi em outubro de 2013 quando expôs sua frágil condição financeira publicamente para conscientizar a sociedade brasileira da situação de vida de suas mulheres, que conseguem ter uma velhice merecedoramente digna, mesmo depois de mais de 60 anos de dedicação ao país. Dessa ação, resultou a criação do prêmio Rose Marie Muraro, que a Secretaria de Políticas para as Mulheres do Paraná concretizou recentemente e que premia mulheres com mais de 75 anos que tenham dedicado suas vidas em prol da conquista dos direitos da mulher.




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