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Talvez nunca antes eu tenha pensado tanto, tanto no meu sexo quanto essa semana - falo do sexo biológico, esse que se convencionou como dois, macho e fêmea, sabe? Esse que está impresso no meu corpo e no qual um monte de discurso se baseia pra repercutir regras, vontades, papéis, etc.
Se você transita pela internet deve ter visto a enorme repercussão do discurso da atriz Emma Watson no lançamento global da campanha "He For She", da ONU. A campanha propõe discutir e implementar (?) políticas de igualdade de gênero. As palavras da atriz não foram só inspiradoras e cheias de vontade, mas também despertaram a 'ira' (seria isso mesmo?) dos chamados 'trolls da internet', que estão por aí ameaçando vazar imagens nuas da atriz pela rede.
Imagens nuas. Do corpo exposto, vulnerável. Se isso me 'espantou'? Me diz você, isso te espantou? Bom, a exposição (violação) do corpo 'mulher' (porque as vezes a gente se sente 'corpo' mesmo) é um tipo de ameaça que vira e mexe aparece nos textos da minha pesquisa, que tem lá seus 800 anos. Estou sendo bastante leviana nessa comparação, mas leviandade por leviandade, como esse tipo de 'nudez' me afeta? Ela me machuca e me faz questionar se algumas coisas realmente podem mudar com o tempo...
Do que eu estou falando? Dos inúmeros comentários "mas também, foi fazer foto nua, dá nisso". É isso mesmo? 800 anos depois e a gente se depara com isso? Veja lá, não se trata de olhar a linha do tempo como evolutiva, mas como transformadora. E nessa história toda como fico eu, com meu sexo? Como lido com meu 'vestir-se', meu 'olhar-se', meu 'portar-se' com esse corpo aqui, tão milimetricamente avaliado por tantos padrões? Comentários como aquele, em tantas línguas (não vamos entrar no mérito da ameaça em si) afetam toda e qualquer forma do meu 'sentir-se mulher', essa expressão tão comum. A gente, sem perceber, se deixa fisgar nesse jeito automático de abstrair de tudo e só se pega 'sentindo' isso quando algo acontece diretamente com nosso corpo. Mas o mesmo comentário que foi feito sobre o corpo dela se aplica ao meu, afinal, dividimos o mesmo sexo. E agora? Expanda isso pra todas as coisinhas do cotidiano - o seu jeito de cortar o cabelo, o sapato que você usa, a calça, o modo de se expressar, de andar, tudo, TUDO passa pelo seu sexo. É assim que fazem da gente um corpo - e esse plural aí não é sexista, nele cabe mulheres também, infelizmente.
A repercussão do que Emma disse e do que está vindo depois, pra mim, não pode só ficar no 'que absurdo', etc. Ela tem que entrar no nosso jeito de se sentir se colocar - sendo a gente homem, mulher, ou o quiser ser. Se incomoda o fato da repercussão ser enorme por causa da fama global da atriz, tente passar por cima disso e 'sentir-se' como ela, naquele corpo que, assim como o meu, pode se virar contra mim, numa lógica ilógica e doida na qual nossa forma tão prazerosa de sentir o mundo - cheirar, tocar, ver, estar - pode acabar se tornando o reverso, um estigma.
PS: Apesar da ameaça de vazamento das fotos ter sido revelada há pouco como falsa, a natureza dela continua sendo válida e o tema desse texto também vale pra qualquer tipo de 'vazamento' ou exposição de fotos íntimas sem consentimento.
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