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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Por um controle mais realista das drogas

Os especialistas aconselham a possibilitar o acesso legal a substâncias hoje proibidas


 27 SEP 2014


Há alguns dias, a Comissão Global sobre Política de Drogas divulgou seu relatório de 2014, com um importante número de avanços notáveis, até mesmo em relação à audácia que essa Comissão — e a da América Latina, que antes a acompanhava — tem demonstrado em anos recentes. A Comissão apresentou um texto assinado por seus 22 membros, entre eles Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU; Richard Branson, dono e fundador da Virgin Airlines; Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil; César Gaviria, ex-presidente da Colômbia; Ricardo Lagos ex-presidente do Chile; George Papandreu, ex-premiê da Grécia; Jorge Sampaio, ex-presidente de Portugal; George Shultz, ex-secretário de Estado dos Estados Unidos; Javier Solana, ex- ministro de relações exteriores da UE e da Espanha; Mario Vargas Llosa; Paul Volcker, ex-presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos; e Ernesto Zedillo, ex-presidente do México. Várias das recomendações do relatório chamam a atenção; limito-me a expor três, das quais a terceira é a mais reveladora.


O relatório começa afirmando: “A criminalização do uso e da posse de drogas tem pouco ou nenhum impacto sobre os níveis de consumo de drogas em uma sociedade aberta (…) Usar o sistema de justiça penal para obrigar uma pessoa detida por posse de drogas a entrar em ‘tratamento’ costuma ser mais prejudicial que benéfico”. Esta é uma tese essencial porque se refere, de maneira indireta, aos chamados “tribunais de drogas”. Em vários países, incluindo agora o México, tenta-se fazer desses tribunais uma etapa intermediária entre a criminalização e a legalização das drogas, entre o enfoque punitivo, de segurança, e o de saúde pública.


A ação militar contra os narcóticos 

quase nunca é eficaz


Em tese, o consumo de drogas continua sendo um crime, mas, em vez de ser preso por isso, o infrator vai para o tribunal de drogas e é encaminhado para o tratamento; se se recusar ou não seguir o tratamento, aí sim irá para a prisão. O fato de a Comissão Global recusar essa proposta conservadora e retrógrada, hoje infelizmente na moda, é um bom sinal.


A segunda tese do Relatório da Comissão, de especial pertinência para a América Latina, é a que se refere à necessidade de reenfocar as respostas jurídicas ao tráfico de drogas e ao crime organizado: “Os Governos devem ser bem mais estratégicos, prevendo que certas iniciativas de aplicação da lei, sobretudo os esforços militares, podem exacerbar a violência criminosa e a insegurança pública, sem realmente reduzir a produção, o tráfico, ou o consumo de drogas. Deslocar a produção ou o controle de uma rota de uma organização criminosa para outra é, com frequência, mais prejudicial que benéfico (…) A militarização do esforço antidrogas quase nunca é eficaz e chega até mesmo a ser contraproducente”.


A criminalização do uso e da posse de drogas 

tem um escasso impacto no consumo


Quem dera vários mandatários latino-americanos recentes tivessem lido essas recomendações antes de iniciar seus respectivos governos, ou suas guerras contra as drogas. Mas antes tarde do que nunca. No que só pode ser visto como uma resposta direta à postura de presidentes como Felipe Calderón no México, Álvaro Uribe na Colômbia e George Bush e Barack Obama nos Estados Unidos, a comissão é muito clara sobre as consequências da militarização, da guerra. A guerra produz a violência, não o contrário.


A mudança mais significativa entre esse relatório e os anteriores está na última seção, intitulada: “Regulamentar os mercados de drogas para transferir o controle aos Governos”. A chave aqui é a palavra “drogas”. Até agora a Comissão Global e a Latino-americana tinham focado seus esforços no tema da maconha, pensando que a despenalização do consumo dessa substância seria mais factível em curto prazo. Consideravam que uma política de pequenos passos viáveis e seguros era preferível, seguindo o caminho do Uruguai, dos Estados norte-americanos de Washington e Colorado, e da Holanda. Mas a maioria dos integrantes da Comissão, bem como vários presidentes da América Latina, sabem que a maior parte dos argumentos comumente usados em favor da despenalização da maconha são aplicáveis às demais drogas; são irrefutáveis quando estendidos a outros estupefacientes.


Mas até agora não quiseram se referir às drogas em geral, só à maconha. Por isso é tão interessante que a Comissão recomende “permitir e incentivar vários experimentos na regulamentação legal de mercados de drogas hoje em dia ilícitas, começando com, mas não se limitando a, cannabis, folha de coca e outras substâncias curativas novas, bem como outros produtos e atividades que representam riscos de saúde e de outro tipo para os indivíduos e as sociedades. São necessários novos experimentos para permitir o acesso legal, ainda que restrito, a drogas que hoje só estão disponíveis de maneira ilegal. Isto deve incluir a expansão do tratamento assistido de heroína para alguns dependentes, que se mostrou tão eficaz na Europa e no Canadá. A melhor maneira de reduzir o dano do regime proibitivo global de drogas e avançar em direção a metas de saúde e segurança pública é conseguir colocar as drogas sob controle através de uma regulamentação responsável”.


Trata-se de um grande avanço, pelo prestígio dos signatários e pela proximidade da Assembleia Geral Especial na ONU sobre Drogas em 2016. Pouco a pouco, a hipocrisia, primeiro da maconha médica, depois de falar só de maconha e de consumo, começa a ser substituída por um realismo pragmático mais audaz e muito mais eficaz. Essas metas não serão alcançadas da noite para o dia; as resistências, sobretudo nas burocracias das Nações Unidas dedicadas ao tema do crime organizado e as drogas, são poderosas. O avanço será por etapas: na semana passada, uma Assembleia especial da OEA na Guatemala sobre drogas; os referendos em novembro no Oregon e no Alasca; a possível vitória do Partido Liberal no Canadá em novembro, que poderia converter o país-continente no primeiro da OCDE a legalizar todas as drogas e os esforços da Jamaica para seguir por essa via. Todos aqueles que lutamos pela legalização devemos parabenizar a Comissão Global, e comemorar esse avanço.


Jorge G. Castañeda é analista político e membro da Academia de Ciências e Artes dos Estados Unidos.


El País

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