19/09/2014
Peça é baseada em texto de escritor libanês que virou filme em 2010.
Atriz também fala sobre fim de 'A grande família': 'Luto e saudade'.
Letícia Mendes
Do G1, em São Paulo
Após ficar nove meses em cartaz no Rio, Marieta Severo estreia "Incêndios" em São Paulo nesta sexta-feira (19), no Teatro Faap. A peça é baseada no texto do escritor libanês Wajdi Mouawad. O filme com a mesma trama, do canadense Denis Villeneuve, concorreu ao Oscar em 2011. Foi o ator Felipe de Carolis que comprou os direitos de "Incêndios" e convidou a atriz para o papel principal. Aderbal Freire-Filho topou dirigir.
Marieta interpreta Nawal Maruan, uma mulher que, ao morrer, deixa em seu testamento um pedido para que os filhos gêmeos Jeanne (Keli Freitas) e Simon (de Carolis) encontrem o pai e um irmão que desconhecem. A história é intercalada com o passado de Nawal: em meio de uma guerra civil, ela busca o filho de quem foi separada.
G1 - Em "Incêndios", sua personagem é uma mãe que é separada do filho e enfrenta prisão e tortura durante essa busca incessante por ele. Por isso que você dedica a peça a Zuzu Angel?
Marieta Severo - Com essa história passada no Oriente Médio, eu quero falar também da minha vivência, do meu país, da nossa história. Eu acompanhei de certa forma a Zuzu Angel, a conheci, e vi a saga dela atrás do filho. Como eu também sou de uma geração que conheceu muita gente que tomou conhecimento de tantas mulheres que passaram por situações não só iguais a da Zuzu, de filhos desaparecidos e de não ter o corpo do filho para enterrar, mas como mulheres que foram torturadas, estupradas em prisão. Adoro contar essa história do Oriente Médio, mas quero através dela falar do que é pertinente a nossa história. Dedico a ela porque tem falas que eu digo na peça que é impossível não lembrar dela.
G1 - Você ficou em cartaz por quatro anos com a peça "As centenárias", ao lado de Andréa Beltrão. Quando você decidiu encarar um projeto tão diferente como "Incêndios"?
Marieta - Eu faço sempre questão de ir para um universo diferente do anterior. Não que isso seja programado, mas não consigo ter vontade de fazer o que remete ao que eu acabei de fazer. Quando o Felipe de Carolis me veio com esse texto, que foi ele que descobriu e comprou o direito, eu fiquei tomada pela história.
G1 - Você viu o filme quando ele estreou no Brasil? Qual foi sua impressão?
Marieta - Eu assisti ao filme quatro anos atrás. Fiquei muito impactada. E é claro que, quando eu me deparei com uma peça com a qualidade teatral que ela tem, era impossível não fazer. Eu realmente fiquei apaixonada pelo texto e pela possibilidade de trabalhar com um elenco de oito pessoas. Eu tinha um monólogo para fazer e não fiz porque não quero um teatro de pequenas histórias. Aliás, "As centenárias" era brilhante nisso, mas eu tinha acabado de fazer. É muito bom ter uma bela história extremamente bem contada como é "Incêndios".
G1 - No Rio, a peça ficou mais do que o previsto em cartaz. Como era a reação do público?
Marieta - A gente só saiu do Rio porque tinha a temporada em São Paulo marcada. A reação imediata do público foi uma grande surpresa. Existe a máxima de que o público carioca quer ver musical ou comédia. Aí como você entra com uma tragédia? Então, entramos desconfiados de que iríamos ficar duas semanas e pronto. Mas logo na semana da estreia a gente viu que a peça tinha um poder inacreditável de chegar a plateia, que provocava uma catarse enorme. O Aderbal [Freire-Filho] foi muito feliz com o espetáculo dele.
G1 - A peça não faz referência explícita ao Líbano, ou a conflitos específicos. Isso mostra que a Guerra Civil do Líbano pode ser a nossa também?
Marieta - Acho que qualquer grande texto pode ser de todo mundo. Porque quando você monta um Shakespeare, não temos monarquia e falamos do rei e da rainha. Os personagens são completamente distantes de nós. E, no entanto, fala da gente o tempo todo. Você quer falar de briga política, briga por poder, de questões do ser humano da maior profundidade, está tudo ali no Shakespeare. É bacana quando você fala através de uma fábula que não é do teu país. Eu acho que fica mais potente ainda. Então não tem importância se é passado no Oriente Médio, na China, na Inglaterra...
G1 - Você interpretou mães bem marcantes na TV, com 'A grande família', e no cinema, com a mãe do cantor Cazuza. Em quem você se inspira para criar mulheres fortes?
Marieta - Acho que é muito difícil tirar um elemento de inspiração no trabalho porque é um caldeirão onde você coloca tudo que passa pela frente, todas as fantasias, os sentimentos. É muito complicado você criar um personagem e não dá para dizer que me inspiro em fulana. Posso até ter uma associação imediata como tive com a Zuzu Angel, mas eu nem conheci a Zuzu o suficiente para chegar e dizer como ela era. A não ser que eu estivesse fazendo a própria Zuzu. São muitos elementos. Às vezes é uma música que te coloca naquele estado do personagem.
G1 - Por 14 anos você viveu a Dona Nenê. Qual é o sentimento ao ter que se despedir da personagem?
Marieta - É um sentimento de luto, perda, saudade, susto, porque não vou mais estar com aquelas pessoas. Não vou mais falar: "Ah, Bebel. Espera aí, Agostinho". Isso fez parte da minha vida por 14 anos e eu ainda estou em estado de choque. Apesar de achar que o programa tinha que terminar sim, e queria que ele terminasse da maneira excelente que ele terminou. No auge da criatividade, da relação com o público, sentindo saudade da gente. Terminou do jeito que eu queria, mas é claro que por outro lado, é uma perda grande, real, concreta da minha vida porque durante 14 anos ela foi pautada pela "Grande família". E se alimentava dos nossos encontros, de estar com os meus colegas. Eu tenho muitas saudades da gente junto. A gente se divertia muito.
G1 - Você também fez Carlota Joaquina no filme considerado marco na retomada do cinema brasileiro. Como você avalia nossa produção atual?
Marieta - Acho que estamos com uma produção bem interessante, muitas coisas muito diferentes. Muitos caminhos, muitos diretores novos. E uma quantidade de filmes muito boa. A gente retomou. A retomada foi real. A gente estava produzindo um filme por ano e agora produzimos mais de cem. Eu sempre fui muito entusiasmada com o cinema nacional. Eu sou da geração que foi impactada pelo cinema novo, do qual eu era uma fã absoluta. Eu sempre tive uma adesão ao cinema nacional muito grande.
G1 - O Teatro Poeira vai completar 10 anos de existência em 2015. Qual balanço você faz dessa parceria com a Andréa Beltrão? Haverá algo para comemorar a data?Marieta - Estamos pensando em algumas coisas sim para marcar essa data. Porque a gente nunca imaginou que ele fosse ter a dimensão que tem. A gente queria um espaço para fazer as nossas coisas, para poder ter liberdade de inventar o que quisesse e um espaço que tivesse utilidade para a cultura teatral do Rio. Acho que ele vem cumprindo isso de uma forma que a gente nem imaginava. Hoje o público fala "nem sei o que vim ver, venho aqui porque sei que vou ver coisa boa". Isso é a melhor coisa do mundo, era isso que a gente queria.
'Incêndios'
Onde: Teatro Faap - Rua Alagoas, 903, Higienópolis, São Paulo
Quando: Até 14 de dezembro. Sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 17h
Quanto: R$ 60 e R$ 90
G1
Após ficar nove meses em cartaz no Rio, Marieta Severo estreia "Incêndios" em São Paulo nesta sexta-feira (19), no Teatro Faap. A peça é baseada no texto do escritor libanês Wajdi Mouawad. O filme com a mesma trama, do canadense Denis Villeneuve, concorreu ao Oscar em 2011. Foi o ator Felipe de Carolis que comprou os direitos de "Incêndios" e convidou a atriz para o papel principal. Aderbal Freire-Filho topou dirigir.
Marieta interpreta Nawal Maruan, uma mulher que, ao morrer, deixa em seu testamento um pedido para que os filhos gêmeos Jeanne (Keli Freitas) e Simon (de Carolis) encontrem o pai e um irmão que desconhecem. A história é intercalada com o passado de Nawal: em meio de uma guerra civil, ela busca o filho de quem foi separada.
Marieta Severo em 'Incêndios' (Foto: Divulgação) |
G1 - Em "Incêndios", sua personagem é uma mãe que é separada do filho e enfrenta prisão e tortura durante essa busca incessante por ele. Por isso que você dedica a peça a Zuzu Angel?
Marieta Severo - Com essa história passada no Oriente Médio, eu quero falar também da minha vivência, do meu país, da nossa história. Eu acompanhei de certa forma a Zuzu Angel, a conheci, e vi a saga dela atrás do filho. Como eu também sou de uma geração que conheceu muita gente que tomou conhecimento de tantas mulheres que passaram por situações não só iguais a da Zuzu, de filhos desaparecidos e de não ter o corpo do filho para enterrar, mas como mulheres que foram torturadas, estupradas em prisão. Adoro contar essa história do Oriente Médio, mas quero através dela falar do que é pertinente a nossa história. Dedico a ela porque tem falas que eu digo na peça que é impossível não lembrar dela.
G1 - Você ficou em cartaz por quatro anos com a peça "As centenárias", ao lado de Andréa Beltrão. Quando você decidiu encarar um projeto tão diferente como "Incêndios"?
Marieta - Eu faço sempre questão de ir para um universo diferente do anterior. Não que isso seja programado, mas não consigo ter vontade de fazer o que remete ao que eu acabei de fazer. Quando o Felipe de Carolis me veio com esse texto, que foi ele que descobriu e comprou o direito, eu fiquei tomada pela história.
Pôster do filme 'Incêndios', de 2010
(Foto: Divulgação) |
G1 - Você viu o filme quando ele estreou no Brasil? Qual foi sua impressão?
Marieta - Eu assisti ao filme quatro anos atrás. Fiquei muito impactada. E é claro que, quando eu me deparei com uma peça com a qualidade teatral que ela tem, era impossível não fazer. Eu realmente fiquei apaixonada pelo texto e pela possibilidade de trabalhar com um elenco de oito pessoas. Eu tinha um monólogo para fazer e não fiz porque não quero um teatro de pequenas histórias. Aliás, "As centenárias" era brilhante nisso, mas eu tinha acabado de fazer. É muito bom ter uma bela história extremamente bem contada como é "Incêndios".
G1 - No Rio, a peça ficou mais do que o previsto em cartaz. Como era a reação do público?
Marieta - A gente só saiu do Rio porque tinha a temporada em São Paulo marcada. A reação imediata do público foi uma grande surpresa. Existe a máxima de que o público carioca quer ver musical ou comédia. Aí como você entra com uma tragédia? Então, entramos desconfiados de que iríamos ficar duas semanas e pronto. Mas logo na semana da estreia a gente viu que a peça tinha um poder inacreditável de chegar a plateia, que provocava uma catarse enorme. O Aderbal [Freire-Filho] foi muito feliz com o espetáculo dele.
G1 - A peça não faz referência explícita ao Líbano, ou a conflitos específicos. Isso mostra que a Guerra Civil do Líbano pode ser a nossa também?
Marieta - Acho que qualquer grande texto pode ser de todo mundo. Porque quando você monta um Shakespeare, não temos monarquia e falamos do rei e da rainha. Os personagens são completamente distantes de nós. E, no entanto, fala da gente o tempo todo. Você quer falar de briga política, briga por poder, de questões do ser humano da maior profundidade, está tudo ali no Shakespeare. É bacana quando você fala através de uma fábula que não é do teu país. Eu acho que fica mais potente ainda. Então não tem importância se é passado no Oriente Médio, na China, na Inglaterra...
Andréa Beltrão, Marieta Severo e Guta Stresser, de'A grande família', em 2004. (Foto: Cedoc/TV Globo) |
G1 - Você interpretou mães bem marcantes na TV, com 'A grande família', e no cinema, com a mãe do cantor Cazuza. Em quem você se inspira para criar mulheres fortes?
Marieta - Acho que é muito difícil tirar um elemento de inspiração no trabalho porque é um caldeirão onde você coloca tudo que passa pela frente, todas as fantasias, os sentimentos. É muito complicado você criar um personagem e não dá para dizer que me inspiro em fulana. Posso até ter uma associação imediata como tive com a Zuzu Angel, mas eu nem conheci a Zuzu o suficiente para chegar e dizer como ela era. A não ser que eu estivesse fazendo a própria Zuzu. São muitos elementos. Às vezes é uma música que te coloca naquele estado do personagem.
G1 - Por 14 anos você viveu a Dona Nenê. Qual é o sentimento ao ter que se despedir da personagem?
Marieta - É um sentimento de luto, perda, saudade, susto, porque não vou mais estar com aquelas pessoas. Não vou mais falar: "Ah, Bebel. Espera aí, Agostinho". Isso fez parte da minha vida por 14 anos e eu ainda estou em estado de choque. Apesar de achar que o programa tinha que terminar sim, e queria que ele terminasse da maneira excelente que ele terminou. No auge da criatividade, da relação com o público, sentindo saudade da gente. Terminou do jeito que eu queria, mas é claro que por outro lado, é uma perda grande, real, concreta da minha vida porque durante 14 anos ela foi pautada pela "Grande família". E se alimentava dos nossos encontros, de estar com os meus colegas. Eu tenho muitas saudades da gente junto. A gente se divertia muito.
Marieta Severo como Carlota Joaquina(Foto: Divulgação) |
G1 - Você também fez Carlota Joaquina no filme considerado marco na retomada do cinema brasileiro. Como você avalia nossa produção atual?
Marieta - Acho que estamos com uma produção bem interessante, muitas coisas muito diferentes. Muitos caminhos, muitos diretores novos. E uma quantidade de filmes muito boa. A gente retomou. A retomada foi real. A gente estava produzindo um filme por ano e agora produzimos mais de cem. Eu sempre fui muito entusiasmada com o cinema nacional. Eu sou da geração que foi impactada pelo cinema novo, do qual eu era uma fã absoluta. Eu sempre tive uma adesão ao cinema nacional muito grande.
G1 - O Teatro Poeira vai completar 10 anos de existência em 2015. Qual balanço você faz dessa parceria com a Andréa Beltrão? Haverá algo para comemorar a data?Marieta - Estamos pensando em algumas coisas sim para marcar essa data. Porque a gente nunca imaginou que ele fosse ter a dimensão que tem. A gente queria um espaço para fazer as nossas coisas, para poder ter liberdade de inventar o que quisesse e um espaço que tivesse utilidade para a cultura teatral do Rio. Acho que ele vem cumprindo isso de uma forma que a gente nem imaginava. Hoje o público fala "nem sei o que vim ver, venho aqui porque sei que vou ver coisa boa". Isso é a melhor coisa do mundo, era isso que a gente queria.
Marieta Severo em 'Incêndios' (Foto: Divulgação) |
Marieta Severo em 'Incêndios' (Foto: Divulgação) |
'Incêndios'
Onde: Teatro Faap - Rua Alagoas, 903, Higienópolis, São Paulo
Quando: Até 14 de dezembro. Sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 17h
Quanto: R$ 60 e R$ 90
G1
Nenhum comentário:
Postar um comentário