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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Irmãos que brincam e brigam

Conflitos fraternais não devem apagar da lembrança o brilho dos momentos de amizade

ISABEL CLEMENTE
21/09/2014

Existem perguntas retóricas sobre a vida em família. Aquelas que as pessoas fazem sem pensar, ou esperando uma resposta padrão. Não cabe aqui nenhuma crítica. Faço apenas uma constatação. Quando alguém pergunta "você dá muita bronca?", na verdade está atrás de um salvo-conduto para o próprio índice de broncas diárias.

É da natureza humana buscar identificação, porque a semelhança nos redime. Não leve a mal se alguém quiser saber se seu filho faz muita pirraça. Ela pode estar medindo o grau de chatice do seu herdeiro,mas, provavelmente, está apenas catalogando o número de anjos na Terra, porque está para nascer criança que venha sem esse defeito de fábrica. Há uma pergunta que eu mesma repito: "Suas filhas brigam muito?"

Um estudo da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, afirma que irmãos entre 3 e 7 anos entram em confronto pelo menos três vezes a cada hora passada juntos. Na faixa de 2 a 4, a intensidade aumenta para um conflito a cada dez minutos.

O taxímetro das brigas infantis lá em casa às vezes parece adulterado, tantos sãos os conflitos por hora. Roda na bandeira 2. Mas, em certas tardes de fim de semana, o clima é de tanta paz que, ressabiada, só me resta espiar o que as meninas estão fazendo. E elas estão brincando. 

Minhas filhas brigam como os filhos de todo mundo, mas eu diria que brigam principalmente porque brincam demais. Elas dividem experiências diárias, o quarto, os brinquedos, uma televisão para a família toda e a nossa atenção. Convenhamos: é coisa demais para administrar diplomaticamente.

Temos a firme convicção de que há muitas lições a serem aprendidas nesse convívio fraternal, forte candidata a ser a mais longa relação de afeto da vida delas. A proximidade leva a choques de temperamentos, opiniões, vontades, carências. Um pouco de cada e tudo junto.

Minhas filhas só começaram a brigar para valer quando a mais nova aprendeu técnicas avançadas de implicância, entre um ano e um ano e meio de vida, mais ou menos. Nesse tempo todo, adotamos estratégias variadas. Quando eram menores, tinha o abraço forçado, que descambava para a brincadeira de pique-cola ( "Agora vocês vão ter que andar coladas!") e gargalhadas. Não funciona mais. Em muitas ocasiões, deixamos que elas mesmas resolvessem, o que nem sempre aconteceu a contento. Em tantas outras, o jeito é ensinar como se faz uma boa negociação, sem aplicar prova depois para saber se a lição foi assimilada. Nada é tão imediato assim. Já tentamos também a proibição de proximidade.

"Vocês não podem mais brincar nem falar uma com a outra pelas próximas horas!" De vez em quando surte efeito. Elas são tomadas de urgência para trocar ideias. A intervenção radical me coloca do outro lado do balcão. Ficam elas contra a mamãe. "Deixa a gente brincar, vai!", dizem. Adoro. Pretendo mostrar com isso que elas têm mais a ganhar juntas do que separadas. Como pais, queremos que os filhos saibam que estão no mesmo barco e minha aposta pessoal é que poderão contar uma com a outra.

Já houve dias de tanta crise que eu e meu marido resolvemos cada um sair com uma a fim de dar um basta nas briguinhas irritantes. Voltamos os quatro em paz para casa, depois. Mansos e amigos. Atenção exclusiva de papai ou mamãe costuma ser uma boa saída também.

A verdade é que, na maioria das vezes, não temos solução mágica diante de uma briga deflagrada pelos motivos mais variados e absurdos. Chegar à cena do crime e instaurar um inquérito querendo saber "quem começou?", por exemplo, nunca dá certo. Você receberá como resposta uma criança apontando para a outra. Tente saber primeiro o que está acontecendo. Se um teve o demérito de começar, o outro fez questão de continuar. Erraram os dois, ou três, dependendo do número de filhos envolvidos no conflito.

Brigas rompem o clima de harmonia e costumam acontecer assim que pai e mãe botam o pé em casa. Desconfio que as crianças esperam a plateia principal chegar, do contrário, não tem graça. A campainha ou o barulho de chave na porta funciona como o aviso sonoro do teatro para o elenco se preparar: a peça está para começar. Daí tem início a dramatização.

Ninguém gosta de ver os filhos brigando. É irritante, frustrante e preocupante, mas é o tal negócio: estão aprendendo a lidar com disputas, competições e frustrações. Estará passando do razoável? Do sadio? Como pais temos a obrigação de nos manter vigilantes, porque, se a agressividade e a animosidade persistirem a ponto de desestabilizar a família toda, passou da hora de procurar ajuda. 

Do contrário, estamos falando dos altos e baixos da vida familiar, típicos de um caminho também conhecido como aprendizado.

Eu procuro olhar para essa relação repleta de implicâncias com o coração leve, porque vou me nutrindo das inúmeras cenas em que o amor falou mais alto. Como no dia em que a menina mais velha me pediu em nome das duas:

"Mamãe, você poderia deixar as duas irmãs sozinhas por um instante?"

Surpresa diante do pedido inesperado, retirei-me do quarto delas com um coração bobo quicando de alegria dentro do peito. Até a próxima briga.

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