Uma lei importante para o desenvolvimento do capital humano do Brasil corre o risco de ser adiada indefinidamente. O Marco Legal da Primeira Infância foi aprovado pela comissão especial da Câmara no final de 2014.
A partir daí, seguiria para o Senado e depois para sanção presidencial. Seguiria.
No apagar das luzes da atual legislatura (o novo Congresso toma posse em fevereiro), o deputado federal Guilherme Campos, do PSD de São Paulo, fez requerimento para que o projeto voltasse ao plenário da Câmara dos Deputados.
Ele contou com a assinatura de outros 66 deputados – a maioria deles não terá um novo mandato, seja porque não foram reeleitos, seja porque assumirão outros cargos. O próprio Campos não conseguiu se reeleger e aguarda como suplente.
Agora, a lei não irá mais seguir direto para o Senado. A freada na tramitação do projeto de lei 6.998/2013, de autoria de Osmar Terra, do PMDB-RS, pode atrasar a sua aprovação por meses e talvez até anos.
Uma saída seria que 34 dos 66 deputados retirassem a assinatura. Mas apenas 9 deles já o fizeram. O atraso pode custar caro para o Brasil.
O Marco Legal obrigará todos os municípios brasileiros a participar de algum programa municipal, estadual ou federal, de visitação e cuidado com mães e bebês de 0 a 6 anos. Estados como Rio Grande do Sul e Pernambuco já têm políticas públicas bem-sucedidas nessa área.
O governo federal está fazendo pilotos em cidades como Fortaleza e São Paulo para servir de base para um programa nacional – outra obrigação inclusa na lei.
Desenvolvimento do cérebro
Pesquisa feita por antropólogos brasileiros contratados por um instituto de pesquisa americano chamado Frameworks, que trabalha traduzindo ciência em linguagem acessível ao público, revelou um grave mito do senso comum brasileiro: as pessoas pensam que o cérebro da criança só começa a se desenvolver de forma permanente quando ela tem memória, portanto a partir dos 2 anos.
No entanto, são abundantes as pesquisas de neurocientistas que mostram justamente o contrário.
O período de 0 a 3 anos é o mais crítico para o desenvolvimento do cérebro humano porque é quando se formam sistemas neurais que influenciam a personalidade e as habilidades com língua e raciocínio lógico para o resto da vida.
Estudos mostram que é a partir de 14 meses de idade que as diferenças de habilidades entre crianças pobres e ricas começam a crescer. E geralmente um abismo se forma já aos 3 anos e meio, antes mesmo da pré-escola.
O debate público faz crer que, em se tratando de qualificação do capital humano, o que mais importa é ensino técnico e superior. Mas a ciência aponta em outra direção.
Manobra
O argumento do deputado Guilherme Campos é de que um importante setor econômico solicitou que o projeto fosse mais discutido no plenário. Campos, porém, se nega a dizer que setor fez o pedido.
“A manobra é perfeitamente regimental e por isso me sinto confortável em pedir que o projeto seja discutido em plenário”, diz ele. O deputado, porém, não responde quando perguntado o que acha sobre o Marco Legal da Primeira Infância.
O deputado Guilherme Campos e seu grupo alegam genericamente que o texto necessita de ajustes, sem especificar um item sequer que careça de revisão.
Mas a Rede Nacional da Primeira Infância, que reúne 120 organizações que trabalham em prol de programas que ajudem no desenvolvimento infantil, reconhece qual é o ponto mais polêmico do Marco Legal. É o que trata da licença paternidade, que poderia ser ampliada de 5 dias para até 20 dias.
O ponto pode ser discutido no Senado ou na regulamentação da lei, após a sua aprovação. Mas a discussão em plenário pode ser pesadamente influenciada pelo poder econômico de indústrias que se opõem ao pleito e isso pode comprometer o Marco Legal inteiro.
Ao longo de dois anos, o Marco Legal da Primeira infância foi discutido em Comissão Especial da Câmara, em Comitê Técnico formado por membros de nove ministérios e em audiências públicas e seminários regionais.
Na última edição de EXAME, uma reportagem esmiuçou as descobertas dos cientistas a respeito dos efeitos duradouros que o desenvolvimento cerebral dos pequenos têm. O tema não deveria ser encarado com a irresponsabilidade de deputados que apenas parecem atender pleitos de seus financiadores de campanha, sem discussão específica do mérito de suas ações. 
Para ler a reportagem de EXAME, clique aqui. A lista de deputados que assinaram o requerimento segue abaixo:
DeputadoPartido/Estado
ABELARDO CAMARINHAPSB-SP
ACELINO POPÓPRB-BA
ADEMIR CAMILOPROS-MG
ALEXANDRE ROSOPSB-RS
ANTÔNIO ANDRADEPMDB-MG
ARMANDO VERGÍLIOSD-GO
ARTHUR OLIVEIRA MAIASD-BA
AUGUSTO COUTINHOSD-PE
AUREOSD-RJ
CARLOS ALBERTO LERÉIAPSDB-GO
CÉSAR HALUMPRB-TO
CHICO DAS VERDURASPRP-RR
EDINHO BEZPMDB-SC
EDSON SILVAPROS-CE
EDUARDO GOMESSD-TO
EDUARDO SCIARRAPSD-PR
ELIENE LIMAPSD-MT
ELISEU PADILHAPMDB-RS
ERIVELTON SANTANAPSC-BA
EURICO JÚNIORPV-RJ
FILIPE PEREIRAPSC-RJ
FRANCISCO TENÓRIOPMN-AL
GASTÃO VIEIRAPMDB-MA
GUILHERME CAMPOSPSD-SP
GUILHERME MUSSIPP-SP
HÉLIO SANTOSPSDB-MA
HENRIQUE OLIVEIRASD-AM
JOÃO DADOSD-SP
JOÃO MAGALHÃESPMDB-MG
JORGINHO MELLOPR-SC
JOSÉ CARLOS ARAÚJOPSD-BA
JOSÉ CHAVESPTB-PE
LAEL VARELLADEM-MG
LAERCIO OLIVEIRASD-SE
LÁZARO BOTELHOPP-TO
LEANDRO VILELAPMDB-GO
LEONARDO QUINTÃOPMDB-MG
LOURIVAL MENDESPTdoB-MA
LUCIO VIEIRA LIMAPMDB-BA
LUIZ DE DEUSDEM-BA
MAJOR FÁBIOPROS-PB
MANUEL ROSA NECAPR-RJ
MARCELO AGUIARDEM-SP
MAURÍCIO TRINDADEPROS-BA
ONOFRE SANTO AGOSTINIPSD-SC
OSVALDO REISPMDB-TO
OTONIEL LIMAPRB-SP
OZIEL OLIVEIRAPDT-BA
PAULO BORNHAUSENPSB-SC
PEDRO CHAVESPMDB-GO
PENNAPV-SP
RENAN FILHOPMDB-AL
SABINO CASTELO BRANCOPTB-AM
SALVADOR ZIMBALDIPROS-SP
SANDRO MABELPMDB-GO
SARAIVA FELIPEPMDB-MG
SEBASTIÃO BALA ROCHASD-AP
SILVIO COSTAPSC-PE
SIMPLÍCIO ARAÚJOSD-MA
VILALBAPP-PE
VITOR PENIDODEM-MG
WALNEY ROCHAPTB-RJ
WELLINGTON FAGUNDESPR-MT
WILLIAM DIBPSDB-SP
ZEQUINHA MARINHOPSC-PA