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segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Indenização por abandono afetivo: impossibilidade


É certa e incontroversa a possibilidade de prática de ato ilícito em uma relação familiar, gerando, por conseguinte, a incidência da Responsabilidade Civil no Direito das Famílias.

Seguramente, a obrigação de reparar danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes da prática de um ato ilícito também há de incidir no Direito das Famílias, por conta da possibilidade natural de condutas antijurídicas. Bem por isso, não se pode negar que as regras da responsabilidade civil invadem todos os domínios da ciência jurídica, ramificando-se pelas mais diversas relações jurídicas, inclusive nas latitudes e longitudes das relações familiares. Este é, inclusive, o histórico entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema (vide, a respeito, STJ, Ac.3ª T., REsp.37.051/SP, rel. Min. Nílson Naves, j.17.4.01, DJU 25.6.01).

Todavia, não parece justificável admitir a incidência dos elementos da Responsabilidade Civil nas relações familiares por conta do puro e simples abandono afetivo, por não parecer suficiente para gerar o dever de indenizar, em razão da ausência de prática ilícita. A rigor, parece que uma pessoa humana tem o direito, por motivações diversas e plurais, de desgostar de outra, mesmo que seja seu familiar.

Afeto, carinho, amor, atenção... são valores espirituais, dedicados a outrem por absoluta e exclusiva vontade pessoal, não por imposição jurídica. Reconhecer a indenizabilidade decorrente da simples negativa de afeto produziria uma verdadeira patrimonialização de algo que não possui tal característica econômica. Seria subverter a evolução natural da ciência jurídica, retrocedendo a um período em que o ter valia mais do que o ser.

O que um familiar não pode negar ao outro é a assistência material, consubstanciada em aspectos concretos, como, por exemplo, a prestação de alimentos ou a reparação de danos materialmente causados pela ausência psicológica (v.g., as despesas de um tratamento psicológico). Para além disso, em hipóteses de negativa de afeto entre membros de uma mesma família, há um arsenal de medidas jurídicas que podem se mostrar úteis, podendo ser ministradas para a solução do problema, como a destituição do poder familiar, sem afetar a obrigação de prestar alimentos pelo destituído. Até porque a indenização pecuniária em casos tais pode não resolver o problema central da controvérsia que seria obrigar o pai a dedicar amor ao seu filho – e, muito pelo contrário, por certo, agravaria a situação.

E, ademais, impor a obrigação de indenizar um dano moral pelo simples desafeto parece autorizar uma pessoa a comprar o desamor de outra...

Advirta-se, inclusive, que as peculiaridades próprias do vínculo familiar não admitem a incidência pura e simples das regras da responsabilidade civil, exigindo uma filtragem, sob pena de desvirtuar a natureza peculiar (e existencial) da relação familiar.

Do mesmo modo, a prática de um adultério, isoladamente, não é suficiente para gerar dano moral indenizável. Entrementes, um adultério praticado em local público, violando a honra do outro, pode gerar dano indenizável, no caso concreto. Outrossim, não implica dano moral a recusa ao ato sexual entre cônjuges e companheiros ou a tentativa de prática, entre eles, de atos sexuais pouco convencionais.

Nessa linha de intelecção, não se pode admitir que a pura e simples violação de afeto enseje uma indenização por dano moral. Somente quando uma determinada conduta caracterizar-se como ilícita é que será possível indenizar os danos morais e materiais dela decorrentes, inclusive nas relações familiares. O entendimento da jurisprudência superior, inclusive, foi cimentado nesse diapasão: STJ, Ac.4ª T., REsp.757.411/MG, rel. Min. Fernando Gonçalves, j.29.11.05, DJU 27.3.06.

Até porque o Judiciário não deve (e nem pode) querer obrigar alguém a amar ou manter um relacionamento afetivo com outrem, mesmo que sejam pais e filhos. As peculiaridades da vida humana são maiores do que os confins normativos do Direito... Por estar pautada em sentimentos, uma relação familiar pode sofrer as consequências das oscilações sentimentais, típicas da humanidade e, com isso, pessoas podem se sentir autorizadas a desgostar de outras.

E como percebia a fina sensibilidade de Guimarães Rosa (em seu inesquecível Grande Sertão: Veredas), “mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra montão.” 

Por tudo isso, entendemos não ser admissível o uso irrestrito e indiscriminado das regras atinentes à Responsabilidade Civil no âmbito do Direito das Famílias por importar o deletério efeito da patrimonialização de valores existenciais, desagregando o núcleo familiar de sua essência. Afasta-se, com isso, o cabimento da indenização por um puro e simples abandono afetivo, desatrelado da prova da prática de um ato ilícito.

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