Falamos com a escritora sobre publicidade, felicidade e amor
Luciano Ribeiro
Mente e atitude, Entrevistas e perfis
Um dos assuntos que mais permeiam o nosso imaginário é o amor e as relações. Nós nos movemos o tempo inteiro tateando por aí sem saber exatamente como agir, tentando descobrir formas de diminuir a confusão e o sofrimento que causamos e aos quais somos submetidos.
Martha Medeiros é jornalista e escritora. É autora de livros como Feliz por Nada, de 2011. Começou a carreira na área de publicidade, trabalhando em diversas agências, até que o gosto pela literatura tomou conta de vez de sua vida. Atualmente é colunista do jornal O Globo e Zero Hora.
Aqui embaixo segue o papo com a Martha Medeiros.
1. Amor parece ser um dos termos mais abusados de nosso tempo, cremos. Parece aceitar uma infinidade de visões e interpretações, facilmente exploráveis. Ainda assim, quase sempre damos de cara com uma visão romantizada do que é amor.
Gravamos esse vídeo com Jetsunma Tenzin Palmo sobre como o romantismo nos faz confundir amor genuíno com apego — e como isso causa sofrimento nas relações.
Por que seguimos tão obcecados com essa ideia de amor romântico? Como nos desprender e ir além dessa noção?
É uma questão complexa. Amor e autoestima estão muito interligados. Acreditamos que só amando é que nossa existência será plenamente justificada, e não nos basta o amor familiar, precisamos do amor romântico. É este amor que comprova que um “estrangeiro” entrou no nosso universo e nos escolheu à revelia de todas as diferenças. E esse amor romântico precisa despertar não apenas nossa emoção, mas também nossa sexualidade, que é o que tornará a relação carnal e instintiva, confirmando a fêmea ou o macho que somos.
Claro que podemos ter sexo sem amor e também amor sem sexo, mas ambos juntos é um combo poderoso, é o que nos conecta com nossa natureza mais íntima e minimiza nossa solidão. Profissão, hábitos, gostos, hobbies, tudo isso nos identifica, são cartões de visita, são conquistas que revelam nossa maturidade e capacidade de ter uma vida produtiva, demonstra que somos seres respeitáveis e confiáveis, mas o amor nos salva de ser apenas isso, uma máquina a serviço do bem viver.
O amor é o que permite que sejamos também ineficientes, falhos, frágeis, dependentes – humanos. Amar e ser amado por outro nos ajuda a ter compaixão por nós mesmos, a amar a nós mesmos, e essa é a relação mais importante de todas. Para nos livrarmos desse apego, temos que aprender a nos amar sem necessitar do olhar do outro.
2. De modo similar, notamos que facilmente nos aprisionamos pela busca da felicidade, incapazes então de alcançá-la. Publicamos o texto "Prisão Felicidade", sobre o tema. Qual a sua definição de felicidade e como podemos nos relacionar com a nossa própria busca de maneira mais saudável e lúcida?
Felicidade é uma palavra muito desgastada e que sugere um conto de fadas que absolutamente não existe. Cada pessoa conceitua essa palavra a seu modo, de acordo com suas ilusões. Para mim, felicidade é estar em movimento. Enquanto eu tiver curiosidade e desejos, enquanto eu me sentir desafiada pela vida, está tudo certo, mesmo as coisas dando errado. A infelicidade está incluída no pacote.
Ninguém está livre de frustrações, ninguém. Quem não as aceita está condenado a passar a vida se queixando e se vitimizando. Felicidade não é algo que se busca fora, ela é construída internamente, é regida pelo estado de espírito. Envolve resiliência, humor e uma visão desestressada para o que acontece em volta. A maneira como se administra os prazeres e os revezes é que vai determinar se a pessoa viverá dramaticamente ou com leveza.
3. Buscando um pouco em seu início de carreira na publicidade e seguindo a linha das duas perguntas anteriores. Em sua visão, por que a publicidade insiste em nos vender visões idealizadas de amor e felicidade, se mantendo alheia ao mundo real (mais vasto, múltiplo e imperfeito), e perdendo uma enorme chance de estabelecer diálogos mais autênticos e se transformar em uma influência benéfica para as pessoas?
A propaganda é a arte da sedução. Ela faz exatamente o que fazemos num primeiro encontro. Ninguém se apresenta para alguém elencando seus principais defeitos ou discursando rabugentamente contra o mundo. É só olhar os perfis do Facebook para ver que todos nós somos meio publicitários, craques em selecionar as melhores fotos e em compartilhar os textos mais sublimes. Cada um de nós virou produto de si mesmo.
Ainda assim, creio que a publicidade progrediu, não acho que ela anda tão alheia à realidade, mesmo ainda havendo muitos comerciais que induzem a pensar que um simples perfume transformará você na mulher mais desejada do planeta, ou que tendo o carro do ano você é um vencedor. Será assim enquanto o ser humano precisar de ilusões.
Nenhuma mulher conseguirá ser a Gisele Bündchen, mas pode usar o mesmo chinelo que ela usa. Nenhum homem conseguirá ser o George Clooney, mas o Nespresso pode ajudar a encurtar a distância entre eles. Esse tipo de transferência é clássico e os consumidores embarcam conscientes. Acho que a propaganda não logra ninguém, ela faz as promessas que todos precisam para alimentar o próprio imaginário. É o legítimo “me engana que eu gosto”.
4. O que você demorou anos para aprender sobre seu trabalho e agora pode resumir em poucas palavras?
Não levei anos, logo aprendi que é impossível agradar a todos e que mais vale ser honesto no que você faz, independentemente das reações que vai causar.
5. O que você demorou anos para aprender sobre a vida e gostaria que alguém tivesse te contado décadas atrás?
Que o “pra sempre” é uma falácia, tudo é provisório, mas isso não deve desestimular nossas escolhas. Há várias mortes em meio a uma única vida, e esse constante renascer formata nosso caráter e nos dá o espírito de aventura e o dinamismo que a permanência não dá.
6. Em sua visão, qual tema específico temos negligenciado e deveríamos dedicar mais de nossas conversas e atenção, como sociedade?
Deveríamos falar mais sobre empatia. É um papo que parece chato, pseudofilosófico, mas é necessário. Queremos ter nossas ideias aceitas por todos, mas raramente nos colocamos no lugar do outro. Não exercitamos essa inversão de perspectiva e acabamos nos tornando seres pouco tolerantes e com um ponto de vista muito estreito. Sem empatia, não passamos de ególatras. As melhores ações comunitárias são realizadas por quem se atreveu a desviar o olhar do próprio umbigo.
7. Se pudesse recomendar uma só produção cultural (livro, filme, site…) para que a comunidade do PapodeHomem conheça em 2015, qual seria?
Sugiro algo bem trivial, nada erudito: o livro “Pequenas Delicadezas” de Cheryl Strayed (ela é autora também de “Livre”, livro que deu origem ao filme homônimo que está em cartaz). “Pequenas Delicadezas” é um livro de correspondência no melhor estilo conselheiro (o remetente conta seu problema e Cheryl vem com a lição de vida), só que ao contrário do blablabla açucarado que costuma rechear esse tipo de atendimento epistolar, Cheryl consegue produzir respostas surpreendentes, verdadeiras, impactantes. São dezenas de cartas de homens e mulheres abordando os mais variados temas e não há como não se sentir gratificado pela lucidez com que esses pequenos dramas são manejados pela autora.
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