ARENA 629x420 Estados Unidos quase sozinhos contra a Convenção dos Direitos da Criança
Crianças em meio a uma tempestade de areia em Gao, no Mali. Foto: Marco Dormino/ONU

27/1/2015

por Thalif Deen, da IPS

Nações Unidas, 27/1/2015 – Quando a Somália, no passado considerado um “Estado sem lei”, ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança, no dia 23 deste mês, deixou dois países isolados do resto do mundo: Estados Unidos e Sudão do Sul. O caso do Sudão do Sul é compreensível, segundo os especialistas em direitos humanos, porque o país ficou independente e se incorporou à Organização das Nações Unidas (ONU) em julho de 2011. Desde então, deu os passos para iniciar o processo interno de ratificação do tratado, que provavelmente se concretize no final deste ano.
Mas os Estados Unidos?
O nepalês Kul Gautam, que foi secretário-geral adjunto da ONU e vice-diretor executivo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), explicou à IPS que os Estados Unidos assinaram a convenção em fevereiro de 1995, quando Madeleine Albright era a embaixadora de Washington junto às Nações Unidas.
Porém, o governo norte-americano nunca apresentou o tratado para sua ratificação no Senado, onde precisa de dois terços dos votos para ser aprovado. Entretanto, “com a atual composição do Congresso dos Estados Unidos, não há oportunidade para sua ratificação”, acrescentou Gautam, já que a direita conservadora do Partido Republicano tem maioria nas duas casas legislativas do país. No entanto, Gautam mantém a esperança e disse que “não se pode descartar a ratificação no futuro”.
A Somália se converteu no Estado número 195 a ratificar a Convenção, que representa “o tratado internacional de direitos humanos mais ratificado da história”. O diretor-executivo do Unicef, Anthony Lake, elogiou a Somália por essa atitude e declarou que espera apoiar o esforço nacional para transformar os direitos do tratado em medidas práticas para todos os meninos e meninas desse país africano. Com a ratificação, o governo somaliano investe no bem-estar de suas crianças e, portanto, no futuro de sua sociedade, destacou.
“A mensagem central da Convenção é que cada criança merece um começo justo na vida. O que pode ser mais importante do que isso?”, perguntou Lake. O tratado, aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 1989, entrou em vigor em 1990, tendo comemorado seu 25º aniversário em 2014.
A oposição dos Estados Unidos a ratificar esse instrumento se centra em grande parte em dois argumentos, apontou Meg Gardinier, a presidente da Campanha pela Ratificação Norte-Americana da Convenção dos Direitos da Criança. Em primeiro lugar, o instrumento interferirá no papel dos pais na criação de seus filhos e, em segundo lugar, a ratificação pelos Estados Unidos dos tratados internacionais de direitos humanos debilitará a soberania norte-americana.
“Temos a esperança de que Washington finalmente ratifique a Convenção, mas a questão é quando isso acontecerá”, pontuou Gardinier. “É uma vergonha os Estados Unidos estarem na companhia da Somália, um país sem lei. Se for eleito, revisarei este e outros tratados de direitos humanos”, prometeu o presidente Barack Obama em sua campanha eleitoral em 2008. Mas, até agora, não aconteceu tal revisão, primeiro passo importante antes de apresentá-lo ao Senado.
Gardinier indicou que sua organização liderou uma campanha pedindo que Obama enviasse o convênio ao Comitê de Relações Exteriores do Senado. Como resultado, os diretores de aproximadamente 125 organizações nacionais e mundiais assinaram uma carta com essa solicitação dirigida ao presidente. Entre essas organizações estão Academia Norte-Americana de Pediatria, Colégio Norte-Americano de Advogados, Liga de Bem-Estar Infantil dos Estados Unidos, Igreja Evangélica Luterana dos Estados Unidos e Igreja Metodista Unida.
Paradoxalmente, os Estados Unidos fizeram importantes contribuições à redação do tratado e deram forma a vários de seus artigos. No total, Washington apresentou sete artigos, incluídos o 10º (reagrupamento familiar), 13º (liberdade de expressão), 14º (liberdade de religião), 15º (liberdade de associação e reunião), 16º (direito à intimidade), 19º (proteção contra o abuso) e 25º (revisão da colocação).
As disposições contidas na Convenção são em grande parte compatíveis com a legislação dos Estados Unidos, enquanto as provisões adicionais seriam implantadas mediante leis federais e estaduais na forma e no prazo que o processo legislativo norte-americano determinar.
“Os Estados Unidos não podem fomentar de maneira crível que outros países apoiem os direitos humanos das crianças se não adotar essas normas. É a convicção da campanha que a Convenção protege as crianças, preserva e fortalece as famílias e está melhorando, sem dúvida, a vida das crianças”, enfatizou Gardinier à IPS.
Em contraste com o receio dos Estados Unidos, especialistas em direitos humanos asseguram que a Convenção defende firmemente a família e a importância dos pais. Esse instrumento enfatiza que uma família forte é fundamental para as crianças e as sociedades, e são muitos os exemplos de apoio a essas responsabilidades e aos direitos e deveres dos pais no texto do tratado. De fato, 19 de seus artigos reconhecem expressamente a importância dos pais e da família na vida das crianças.
Os direitos das crianças no convênio refletem tanto a Constituição quanto a Carta de Direitos dos Estados Unidos, devido à insistência dos governos de Ronald Reagan (1981-1989) e George W. Bush (1989-1993), que trabalharam nesse instrumento. “Seu propósito não é colocar os filhos contra os pais”, assegurou Gardinier.