Conversamos sobre o estado de confusão dos homens, autoestima e autocompaixão
Luciano Ribeiro
Papo de Homem
Às vezes caímos em terrenos bem difíceis. Um deles é o de achar que soluções fast food realmente podem gerar resultados duradouros e efetivos. Em muitas áreas, esse é um risco que as pessoas acabam correndo por falta de interesse, ingenuidade ou por cair nas mãos de picaretas. Mesmo na meditação é preciso ter paciência e prestar atenção aos detalhes para encontrar bons professores.
Stephen Little é um dos pioneiros no treinamento de mindfulness no Brasil, Irlandês, físico e budista ordenado, formado no método “Breathworks”, Inglaterra, e aluno do Michael Chaskalson, especialista em Atenção Plena, Cambridge, Inglaterra.
Palestrante experiente do ensino da prática de Atenção Plena (Mindfulness) no Brasil e na Europa. É uma das pessoas responsáveis pela introdução do método no Brasil e tem se dedicado a alguns trabalhos de pesquisa (Perceptual and Motor Skills, 2010 / Current Pain and Headache Report, 2012) e consultoria na área, há mais de 21 anos.
1. Comente um pouco sobre a crítica ao McMindfulness, Stephen. Qual o limite da meditação quando ensinada como uma técnica isolada, sem um contexto bem maior que vai de cultura de paz e ética até compaixão e sabedoria?
O termo “McMindfulness” veio do Dr. Miles Neale, psicoterapeuta em Nove Iorque. Há críticos parecidos também do Ron Purser, Ph.D., professor de “management” na Universidade de São Francisco e de Zen Budismo. Resumindo, Neale e Purser estão criticando a tendência crescente de tentar integrar uma prática espiritual milenar de Mindfulness dentro da cultura occidental moderna. Mindfulness (ou Sati Sampajanna em Pali, a língua original da época do Buda) é principalmente uma capacidade humana de percepção. Quando estamos “mindful” estamos conscientes de que estamos vivos naquele momento. Na prática tradicional, o valor do Mindfulness reside na qualidade da sua mente diante as suas ações e suas prováveis consequências. E a habilidade básica desta qualidade mental baseia-se no treino da sua própria presença no momento presente.
Mindfulness ganhou muita atenção na área de saúde uns anos atrás. Inserido em muitos hospitais no mundo, um programa educativo chamado de “Redução de Estresse Baseada em Mindfulness” foi onde toda essa história começou. Algo que nasceu na cabeça do Americano Jon Kabat Zinn, biólogo e pesquisador, na década 70 como uma ferramenta que oferece aos pacientes, famílias e profissionais de saúde. Uma orientação profunda de auto-cuidado, agora está virando uma febre no mercado internacional em outras áreas. O programa do Kabat Zinn, voltado para saúde, merece todo o respeito que ganhou pelo mundo médico (e pela pesquisa científica). Já estabelecido até no sistema equivalente ao SUS no Reino Unido como um programa aprovado deles, agora está chegando na medicina no Brasil. Acho um passo muito positivo para frente.
Mas, Neale e Purser não estão criticando esse trabalho benéfico. Estão destacando uma nova tendência – quase fundamentalista – de umas pessoas que exploram de forma superficial o valor do Mindfulness e, por consequencia, distanciam ela do contexto original. Uma prática que, originalmente no mundo budista, era ensinado para pessoas corajosas que quiserem aprofundar a sua vida ética e espiritual, agora está sendo reduzida em uma técnica superficial que promete muitos benefícios em prazos curtos. Li uns artigos na mídia recentemente que descrevem as características de uma pessoa que pratica mindfulness. Nossa! Nas listas incríveis de habilidades, só faltou “conseguir andar na água”!
Na Europa e nos Estados Unidos há cursos de Mindfulness voltados a qualquer público que tem dinheiro para pagar. Inclusive, ouvi falar que há cursos de Mindfulness para provar vinho! Não estou contra o vinho. Simplesmente não acredito que existe alguém honesto que bebe vinho com o propósito de manter a sua presença e deixar a mente ainda mais lúcida.
Sou budista ordenado e professor de budismo aqui no Brasil. Ao mesmo tempo, ensino Mindfulness para pacientes sofrendo de todo tipo de sintoma e também estou ensinando esta prática no The School of Life (e em algumas instituições). Como Mindfulness está chegando somente agora no Brasil, temos o luxo de estudar as tendências na Europa e nos Estados Unidos. Na minha opinião, sempre há pessoas ambiciosas financeiramente que vão aproveitar dessa onda. Uns anos atrás veio um tipo de fundamentalismo voltado para “O Segredo”. Antes era PNL. E lembra da “Profecia Celestina”? Acredito que, em 5-10 anos, a febre de Mindfulness virará uma outra e essas pessoas ambiciosas acharão um outro negócio para ganhar a sua fortuna.
Ao mesmo tempo, acredito que há pessoas corajosas e emocionalmente inteligentes em toda parte da sociedade. Essas pessoas aprenderão Mindfulness para realmente virar pessoas melhores, para talvez até contribuir ao nosso país de forma ética. Mas espero que, em alguns anos, essas pessoas estejam sustentando a sua prática silenciosamente – sem fundamentalismo. Quantas, não sei.
2. Parecemos viver numa época de certo modo obcecada com a autoestima – é impressionante como essa noção se infiltrou na mídia, que tem aperfeiçoado cada vez mais a produção de conteúdos para nos fazer sentir bem, nos anestesiar. Por que temos tanta dificuldade em compreender, valorizar e praticar a autocompaixão?
Provavelmente há vários motivos para esta crise. Posso citar umas contemplações minhas.
Acho que, no mundo ocidental, aprendemos uma forma de autoconfiança que, no fundo, não traz de fato uma confiança verdadeira. Traz um buraco emocional.
Na superfície há uma impressão de confiança, mas por trás disso – insegurança. “Seja feliz!”, “Keep Calm and…”, “Amo tudo isso” – mensagens que prometem a possibilidade de manter para sempre um sonho e que tentam deixar sentimentos naturais como tristeza, ansiedade, e frustração em baixo do tapete ou longe demais.
Não acho que uma confiança falsa é sempre intencionalmente falsa. Claro, de vez em quando é. Mas acredito que a maioria simplesmente não sabe como cultivar uma confiança natural e profunda. Esse descompasso emocional interno deixa a gente muito vulnerável à falta de autocompaixão.
Outra contemplação: vejo que há pessoas que tendem a não se cuidar, e andam achando que “compaixão” é simplesmente uma postura sempre voltada aos outros. Não acho que isto é, de fato, compaixão e nem necessariamente saudável. Se negar as suas próprias necessidades por um bom tempo e agir sempre para cuidar só dos outros, há o grande perigo de cair na síndrome de autossacrifício.
Vejo que também há pessoas que são altamente autocentradas ao ponto de mostrar uns traços doentios.
Um dos antídotos é parar e se perguntar: quais são as minhas necessidades básicas e reais? Quando a gente sabe as nossas verdadeiras necessidades e age de forma alinhada com elas, é capaz que mais autocompaixão apareça naquele buraco.
Ao conhecer pessoas novas em eventos sociais, frequentemente recebo a mesma pergunta: “O que você faz?" Quando pergunto algo assim, muitas vezes, as pessoas acham que estou querendo iniciar uma conversa sobre a vida profissional. Percebo que, com frequência, há uma tendência de buscar “técnicas” de redução de estresse, não para autocuidado mas para render melhor no emprego. Enfim, resumindo, percebo a nossa tendência de esquecer que somos bem maior de que somente um “fazer” humano. Esse desequilíbrio é, na minha opinião, uma receita para uma falta de autocompaixão no longo prazo.
3. Há oito anos lidamos com anseios e dramas masculinos. Notamos uma tremenda carência em bons espaços para diálogo e cultivo de uma masculinidade lúcida – sejam digitais ou presenciais. Em nossa visão é notório que os homens estão em dificuldades e precisamos conversar mais sobre o masculino. Por que essa escassez de espaços e diálogos sobre e com os homens acontece, em sua visão?
Emocionalmente, no mundo de hoje, há muito investimento em relações românticas – especialmente entre homens e mulheres – e pouco espaços onde homens e mulheres podem separadamente falar e escutar de forma honesta sobre os seus próprios anseios, frustrações e vivências.
Falando sobre a minha impressão de homem neste momento: em geral, não sabemos, de fato, o que queremos. A minha impressão é que as mulheres sabem o que elas querem muito mais de que nós. O homem, acho, está atualmente bem perdido porque – apesar de conseguir ficar racionalmente claro – no fundo ou está com vários desejos em conflito rolando ao mesmo tempo ou não tem sonho nenhum. E nada está claro! Acho que fazemos tudo para este fato não aparecer – especialmente para as mulheres!
Muitas vezes, no homem, a aparência de coerência é um disfarce para um mundo emocional interno confuso. Ou queremos um pouco de tudo – e achamos que isto é possível, coerente e sustentável – ou, talvez pior ainda, não temos a menor consciência das nossas emoções e daquilo que queremos na vida.
Problemas masculinos desse tipo precisam de um espaço onde possam ser trazidos para dentro da consciência. Mas precisam da companhia de outros que consigam escutá-los de forma segura e entendê-los de forma profunda. Acredito que a carência por espaços masculinos vem dessa necessidade.
4. Seguindo o tema dos homens. Temos visto uma série de movimentações bastante significativas das mulheres ao longo do último século e em anos recentes, como o feminismo. Em sua visão, o que os homens estão fazendo para avançar? Como enxerga hoje a situação mais ampla do masculino?
Sim. A minha amiga, Sukie Miller, que infelizmente faleceu no fim de 2013, morava aqui em São Paulo por uns anos oferecendo grupos para mulheres. Foram sempre bem frequentados. Não eram grupos para formar feministas! Eram encontros para cada participante beber da mesma fonte – da fonte feminina. Eram grupos para uma mulher investigar o que é ser mulher, na companhia de outras mulheres.
Da mesma forma, fico muito contente que há grupos surgindo para homens aqui no Brasil – homens bebendo da fonte masculina – ao invés de se reunir para só criticar mulheres ou para falar besteira. Temos muito para aprender juntos.
Participei em grupos assim com outros homens na Irlanda e Inglaterra durante uns 10 anos. Tenho velhos amigos desses encontros e mantemos contato até hoje. É engraçado. Naquela época, quando comecei nesses grupos – era 1993 – eu era muito mais jovem. Pensava que ia aprender a entrar em contato com o meu “guerreiro interno”! Mas hoje, olhando para trás, posso dizer que aprendi a ser um cavalheiro. Ainda estou aprendendo.
E acho que, neste momento no Brasil e no mundo todo, os homens estão precisando um caminho para se tornar mais cavalheiro.
Quando digo cavalheiro quero dizer um homem de verdade. Ele não é nem fraco (somente agradando as mulheres e sem noção daquilo que ele realmente quer da vida) e nem um macho alfa. Cavalheiros, quando dançam, sabem como conduzir a dança. Ao mesmo tempo, não são estúpidos. Escutam o corpo e o jeito da parceira na dança. Sempre há parceria. Mas, a dança sem cavalheiro para conduzir é uma piada triste.
5. O que você demorou anos para aprender sobre seu trabalho e agora pode resumir em poucas palavras?
Aprendi que, no trabalho, a pior coisa que pode acontecer com você é ficar cercado por pessoas que acham que você é o máximo e começar a acreditar nessa história. A melhor coisa no trabalho que pode acontecer é ver que você tem um potencial, e que há trabalho ainda, e que passo a passo você vai chegar lá.
Estou aprendendo a aproveitar o caminho (mesmo não sendo perfeito!).
6. O que você demorou anos para aprender sobre a vida e gostaria que alguém tivesse te contado décadas atrás?
Que a maioria das pessoas nos últimos dias da vida relatam que se arrependem de não ter feito exatamente o que elas de fato queriam ter feito na vida e, ao contrário, seguiram o roteiro dos outros.
7. Em sua visão, qual tema específico temos negligenciado e deveríamos dedicar mais de nossas conversas e atenção, como sociedade?
Empatia.
8. Se pudesse recomendar uma só produção cultural (livro, filme, site…) para que a comunidade do PapodeHomem conheça em 2015, qual seria?
Luciano Ribeiro
Papo de Homem
Às vezes caímos em terrenos bem difíceis. Um deles é o de achar que soluções fast food realmente podem gerar resultados duradouros e efetivos. Em muitas áreas, esse é um risco que as pessoas acabam correndo por falta de interesse, ingenuidade ou por cair nas mãos de picaretas. Mesmo na meditação é preciso ter paciência e prestar atenção aos detalhes para encontrar bons professores.
Stephen Little é um dos pioneiros no treinamento de mindfulness no Brasil, Irlandês, físico e budista ordenado, formado no método “Breathworks”, Inglaterra, e aluno do Michael Chaskalson, especialista em Atenção Plena, Cambridge, Inglaterra.
Palestrante experiente do ensino da prática de Atenção Plena (Mindfulness) no Brasil e na Europa. É uma das pessoas responsáveis pela introdução do método no Brasil e tem se dedicado a alguns trabalhos de pesquisa (Perceptual and Motor Skills, 2010 / Current Pain and Headache Report, 2012) e consultoria na área, há mais de 21 anos.
1. Comente um pouco sobre a crítica ao McMindfulness, Stephen. Qual o limite da meditação quando ensinada como uma técnica isolada, sem um contexto bem maior que vai de cultura de paz e ética até compaixão e sabedoria?
O termo “McMindfulness” veio do Dr. Miles Neale, psicoterapeuta em Nove Iorque. Há críticos parecidos também do Ron Purser, Ph.D., professor de “management” na Universidade de São Francisco e de Zen Budismo. Resumindo, Neale e Purser estão criticando a tendência crescente de tentar integrar uma prática espiritual milenar de Mindfulness dentro da cultura occidental moderna. Mindfulness (ou Sati Sampajanna em Pali, a língua original da época do Buda) é principalmente uma capacidade humana de percepção. Quando estamos “mindful” estamos conscientes de que estamos vivos naquele momento. Na prática tradicional, o valor do Mindfulness reside na qualidade da sua mente diante as suas ações e suas prováveis consequências. E a habilidade básica desta qualidade mental baseia-se no treino da sua própria presença no momento presente.
Mindfulness ganhou muita atenção na área de saúde uns anos atrás. Inserido em muitos hospitais no mundo, um programa educativo chamado de “Redução de Estresse Baseada em Mindfulness” foi onde toda essa história começou. Algo que nasceu na cabeça do Americano Jon Kabat Zinn, biólogo e pesquisador, na década 70 como uma ferramenta que oferece aos pacientes, famílias e profissionais de saúde. Uma orientação profunda de auto-cuidado, agora está virando uma febre no mercado internacional em outras áreas. O programa do Kabat Zinn, voltado para saúde, merece todo o respeito que ganhou pelo mundo médico (e pela pesquisa científica). Já estabelecido até no sistema equivalente ao SUS no Reino Unido como um programa aprovado deles, agora está chegando na medicina no Brasil. Acho um passo muito positivo para frente.
Mas, Neale e Purser não estão criticando esse trabalho benéfico. Estão destacando uma nova tendência – quase fundamentalista – de umas pessoas que exploram de forma superficial o valor do Mindfulness e, por consequencia, distanciam ela do contexto original. Uma prática que, originalmente no mundo budista, era ensinado para pessoas corajosas que quiserem aprofundar a sua vida ética e espiritual, agora está sendo reduzida em uma técnica superficial que promete muitos benefícios em prazos curtos. Li uns artigos na mídia recentemente que descrevem as características de uma pessoa que pratica mindfulness. Nossa! Nas listas incríveis de habilidades, só faltou “conseguir andar na água”!
Na Europa e nos Estados Unidos há cursos de Mindfulness voltados a qualquer público que tem dinheiro para pagar. Inclusive, ouvi falar que há cursos de Mindfulness para provar vinho! Não estou contra o vinho. Simplesmente não acredito que existe alguém honesto que bebe vinho com o propósito de manter a sua presença e deixar a mente ainda mais lúcida.
Sou budista ordenado e professor de budismo aqui no Brasil. Ao mesmo tempo, ensino Mindfulness para pacientes sofrendo de todo tipo de sintoma e também estou ensinando esta prática no The School of Life (e em algumas instituições). Como Mindfulness está chegando somente agora no Brasil, temos o luxo de estudar as tendências na Europa e nos Estados Unidos. Na minha opinião, sempre há pessoas ambiciosas financeiramente que vão aproveitar dessa onda. Uns anos atrás veio um tipo de fundamentalismo voltado para “O Segredo”. Antes era PNL. E lembra da “Profecia Celestina”? Acredito que, em 5-10 anos, a febre de Mindfulness virará uma outra e essas pessoas ambiciosas acharão um outro negócio para ganhar a sua fortuna.
Ao mesmo tempo, acredito que há pessoas corajosas e emocionalmente inteligentes em toda parte da sociedade. Essas pessoas aprenderão Mindfulness para realmente virar pessoas melhores, para talvez até contribuir ao nosso país de forma ética. Mas espero que, em alguns anos, essas pessoas estejam sustentando a sua prática silenciosamente – sem fundamentalismo. Quantas, não sei.
2. Parecemos viver numa época de certo modo obcecada com a autoestima – é impressionante como essa noção se infiltrou na mídia, que tem aperfeiçoado cada vez mais a produção de conteúdos para nos fazer sentir bem, nos anestesiar. Por que temos tanta dificuldade em compreender, valorizar e praticar a autocompaixão?
Provavelmente há vários motivos para esta crise. Posso citar umas contemplações minhas.
Acho que, no mundo ocidental, aprendemos uma forma de autoconfiança que, no fundo, não traz de fato uma confiança verdadeira. Traz um buraco emocional.
Na superfície há uma impressão de confiança, mas por trás disso – insegurança. “Seja feliz!”, “Keep Calm and…”, “Amo tudo isso” – mensagens que prometem a possibilidade de manter para sempre um sonho e que tentam deixar sentimentos naturais como tristeza, ansiedade, e frustração em baixo do tapete ou longe demais.
Não acho que uma confiança falsa é sempre intencionalmente falsa. Claro, de vez em quando é. Mas acredito que a maioria simplesmente não sabe como cultivar uma confiança natural e profunda. Esse descompasso emocional interno deixa a gente muito vulnerável à falta de autocompaixão.
Outra contemplação: vejo que há pessoas que tendem a não se cuidar, e andam achando que “compaixão” é simplesmente uma postura sempre voltada aos outros. Não acho que isto é, de fato, compaixão e nem necessariamente saudável. Se negar as suas próprias necessidades por um bom tempo e agir sempre para cuidar só dos outros, há o grande perigo de cair na síndrome de autossacrifício.
Vejo que também há pessoas que são altamente autocentradas ao ponto de mostrar uns traços doentios.
Um dos antídotos é parar e se perguntar: quais são as minhas necessidades básicas e reais? Quando a gente sabe as nossas verdadeiras necessidades e age de forma alinhada com elas, é capaz que mais autocompaixão apareça naquele buraco.
Ao conhecer pessoas novas em eventos sociais, frequentemente recebo a mesma pergunta: “O que você faz?" Quando pergunto algo assim, muitas vezes, as pessoas acham que estou querendo iniciar uma conversa sobre a vida profissional. Percebo que, com frequência, há uma tendência de buscar “técnicas” de redução de estresse, não para autocuidado mas para render melhor no emprego. Enfim, resumindo, percebo a nossa tendência de esquecer que somos bem maior de que somente um “fazer” humano. Esse desequilíbrio é, na minha opinião, uma receita para uma falta de autocompaixão no longo prazo.
3. Há oito anos lidamos com anseios e dramas masculinos. Notamos uma tremenda carência em bons espaços para diálogo e cultivo de uma masculinidade lúcida – sejam digitais ou presenciais. Em nossa visão é notório que os homens estão em dificuldades e precisamos conversar mais sobre o masculino. Por que essa escassez de espaços e diálogos sobre e com os homens acontece, em sua visão?
Emocionalmente, no mundo de hoje, há muito investimento em relações românticas – especialmente entre homens e mulheres – e pouco espaços onde homens e mulheres podem separadamente falar e escutar de forma honesta sobre os seus próprios anseios, frustrações e vivências.
Falando sobre a minha impressão de homem neste momento: em geral, não sabemos, de fato, o que queremos. A minha impressão é que as mulheres sabem o que elas querem muito mais de que nós. O homem, acho, está atualmente bem perdido porque – apesar de conseguir ficar racionalmente claro – no fundo ou está com vários desejos em conflito rolando ao mesmo tempo ou não tem sonho nenhum. E nada está claro! Acho que fazemos tudo para este fato não aparecer – especialmente para as mulheres!
Muitas vezes, no homem, a aparência de coerência é um disfarce para um mundo emocional interno confuso. Ou queremos um pouco de tudo – e achamos que isto é possível, coerente e sustentável – ou, talvez pior ainda, não temos a menor consciência das nossas emoções e daquilo que queremos na vida.
Problemas masculinos desse tipo precisam de um espaço onde possam ser trazidos para dentro da consciência. Mas precisam da companhia de outros que consigam escutá-los de forma segura e entendê-los de forma profunda. Acredito que a carência por espaços masculinos vem dessa necessidade.
4. Seguindo o tema dos homens. Temos visto uma série de movimentações bastante significativas das mulheres ao longo do último século e em anos recentes, como o feminismo. Em sua visão, o que os homens estão fazendo para avançar? Como enxerga hoje a situação mais ampla do masculino?
Sim. A minha amiga, Sukie Miller, que infelizmente faleceu no fim de 2013, morava aqui em São Paulo por uns anos oferecendo grupos para mulheres. Foram sempre bem frequentados. Não eram grupos para formar feministas! Eram encontros para cada participante beber da mesma fonte – da fonte feminina. Eram grupos para uma mulher investigar o que é ser mulher, na companhia de outras mulheres.
Da mesma forma, fico muito contente que há grupos surgindo para homens aqui no Brasil – homens bebendo da fonte masculina – ao invés de se reunir para só criticar mulheres ou para falar besteira. Temos muito para aprender juntos.
Participei em grupos assim com outros homens na Irlanda e Inglaterra durante uns 10 anos. Tenho velhos amigos desses encontros e mantemos contato até hoje. É engraçado. Naquela época, quando comecei nesses grupos – era 1993 – eu era muito mais jovem. Pensava que ia aprender a entrar em contato com o meu “guerreiro interno”! Mas hoje, olhando para trás, posso dizer que aprendi a ser um cavalheiro. Ainda estou aprendendo.
E acho que, neste momento no Brasil e no mundo todo, os homens estão precisando um caminho para se tornar mais cavalheiro.
Quando digo cavalheiro quero dizer um homem de verdade. Ele não é nem fraco (somente agradando as mulheres e sem noção daquilo que ele realmente quer da vida) e nem um macho alfa. Cavalheiros, quando dançam, sabem como conduzir a dança. Ao mesmo tempo, não são estúpidos. Escutam o corpo e o jeito da parceira na dança. Sempre há parceria. Mas, a dança sem cavalheiro para conduzir é uma piada triste.
5. O que você demorou anos para aprender sobre seu trabalho e agora pode resumir em poucas palavras?
Aprendi que, no trabalho, a pior coisa que pode acontecer com você é ficar cercado por pessoas que acham que você é o máximo e começar a acreditar nessa história. A melhor coisa no trabalho que pode acontecer é ver que você tem um potencial, e que há trabalho ainda, e que passo a passo você vai chegar lá.
Estou aprendendo a aproveitar o caminho (mesmo não sendo perfeito!).
6. O que você demorou anos para aprender sobre a vida e gostaria que alguém tivesse te contado décadas atrás?
Que a maioria das pessoas nos últimos dias da vida relatam que se arrependem de não ter feito exatamente o que elas de fato queriam ter feito na vida e, ao contrário, seguiram o roteiro dos outros.
7. Em sua visão, qual tema específico temos negligenciado e deveríamos dedicar mais de nossas conversas e atenção, como sociedade?
Empatia.
8. Se pudesse recomendar uma só produção cultural (livro, filme, site…) para que a comunidade do PapodeHomem conheça em 2015, qual seria?
Nenhum comentário:
Postar um comentário