Luciano Ribeiro
Cultura e arte, Mente e atitude
Durante a década de 1960, tivemos no mundo ocidental o surgimento de uma grande efervescência intelectual, musical, artística. Tudo foi tomando proporções maiores, as pessoas queriam pensar a respeito daquilo que as circundava e também sobre os mecanismos que poderiam levá-las a se destacarem naquela nova cultura, onde de repente, você poderia se tornar um novo Beatle, repleto de fãs correndo pelas ruas atrás de você.
Era o sonho da época (e há quem diga que ainda é). E foi nesse tempo que surgiram pessoas como Jimi Hendrix e Eric Clapton (sendo alçados ao status de deuses), que o homem foi à lua, que a moda, as artes e o cinema se tornaram muito mais coloridos, criativos, brilhantes.
No meio dessa panela de pressão do sucesso iminente, começou a surgir a ideia da autoestima como um importante ingrediente para você se destacar na multidão.
Claro, receber um elogio pode ser muito satisfatório. A gente se sente feliz, contemplado, admirado. Ouvir que somos bonitos, que estamos bem vestidos, que nossa casa nova está linda, que tocamos bem, que nosso último texto foi maravilhoso ou que somos bons na cama é delicioso.
Além disso, há todo um reforço cultural à ideia de que grandes gênios são extremamente autoconfiantes (outros usariam a palavra “arrogantes”) e nunca se fartam de receber elogios como uma prova dessa condição especial à qual pertencem.
Mas, para nós, mortais-de-ego-não-tão-inflado, o elogio feito de forma errada pode, na verdade, ser danoso.
Vamos assumir aqui que há duas formas básicas de elogio. Um mais pessoal, como “Nossa, você é inteligente”, que foca em qualidades inatas. E um outro, chamado de elogio de “processo”, que é direcionado a esforços.
Um estudo da Utrecht University e da The Ohio State University colocou 313 crianças de escolas públicas para participarem de um jogo contra oponentes de outras escolas. Ao final de cada partida, recebiam elogios como “Uou, você é ótimo!”, “Nossa, você fez um
bom trabalho!” ou não tinham feedback nenhum.
Com isso, buscava-se entender como as crianças se sentiriam diante da vitória ou derrota quando estimuladas utilizando uma das duas formas de elogio.
O que acontece quando você elogia a inteligência de uma criança?
Os resultados mostram que elogiar crianças pelas suas qualidades pessoais pode, na verdade, piorar a sensação de vergonha em uma situação de derrota.
Além disso, as crianças estimuladas pelo esforço, ou seja, com o elogio de processo, não experimentavam um abalo na autoestima quando derrotadas.
Mas há pessoas que se destacam seguindo pela via oposta à busca incessante por elogios.
Jimi Hendrix, por exemplo, é famoso por uma entrevista na qual foi perguntado sobre qual elogio gostava de receber ao sair de um show. Sua resposta exemplifica bem como elogios podem se tornar uma distração.
“Pergunta: O que você gosta de ouvir quando as pessoas vêm depois de um concerto? Que tipo de elogios você gosta de ouvir?
Jimi Hendrix: Eu não vivo realmente nos elogios. Na verdade, eles são uma forma de me distrair. Eu conheço um monte de músicos, artistas por aí que ouvem elogios e pensam ‘uau, eu devo estar fazendo algo realmente grande’ e então eles ficam gordos e satisfeitos e se perdem e esquecem sobre seus talentos e começam a viver em outro mundo.”
Pergunta: Você se sente orgulhoso quando ouve [Seven Nation Army sendo cantada nos estádios]?
Jack White: Sim, mas, sabe… isso é parte do processo, a música já está lá no ar ou qualquer coisa assim. Você apenas… meio que a ajuda a existir. Você a administra ou a direciona ou aponta para onde ela supostamente deve ir ou algo assim. Você realmente não pega egocentricamente a glória interna ou crédito por qualquer das canções que vêm pelo estúdio ou pela sua presença. Você apenas está lá para ajudá-las a existir.
Pergunta: Você apenas está lá para fazê-las existir? Como assim?
Jack White: De certa forma as canções já estão lá. Quando alguém diz “eu escrevi essa canção”, isso não é totalmente verdade. O melhor que eu acho que posso fazer quando estou escrevendo uma canção é me posicionar fora do caminho. Não dizer tanto o que ela deve fazer. Não dizer “ela deve mudar aqui”, “vou fazer isso”, “esta vai ser uma canção country”, “esta vai ser um rock’n roll”. Ela já existe, ela já aconteceu, apenas afaste-se. Quanto mais você se afasta, mais ela existe e melhor a canção é. E é difícil tomar crédito por isso.
Woody Allen nunca ficou satisfeito com seus filmes, por mais elogiados que fossem.
“Quando você faz um filme é como um chef que trabalha em um prato. Depois de passar o dia na cozinha cortando, picando e adicionando molhos, você não quer mais comê-lo. Isso é o que sinto em relação a um filme (…) É por isso que eu sou eternamente grato ao público por amar alguns, apesar do meu próprio desapontamento. Para mim, sempre está longe de ser a obra-prima que eu tinha certeza que ia realizar.”
Link YouTube | “Desculpa. Você não viu o (seu) filme?”. “Não, até agora”
“Fico o mais longe possível depois que as gravações estão concluídas. Se puder, prefiro me manter no mais profundo estado de ignorância a respeito do que está acontecendo”.
Com esses exemplos, não quero dizer que os elogios devam ser banidos. Não acho que em todas as ocasiões eles seriam um desserviço.
O veneno reside mais na busca desmedida por elogios, que os transformam em moeda, “fiz um jantar delicioso e ela não falou nada!”, como se recebê-los fosse uma medida do nosso valor. Eles acabam se tornando tijolos na busca por uma autoestima elevada – o que também traz problemas próprios.
Claro, há aquelas situações quando uma pessoa realmente precisa de uma palavra de apoio, de algo que a ajude a sair de uma condição de autoflagelo. E, mesmo, há também o fluir do cotidiano que pode ser premiado com bons e sinceros afagos verbais, ajudando as pessoas a perceberem que você está observando e envolvido com suas vidas (o Eduardo Amuri adora ter suas camisas elogiadas, por exemplo).
Ao invés de usar elogios como uma ferramenta do narcisismo, bem que podíamos aplicá-los para tornar nossos dias mais leves.
publicado em 07 de Maio de 2014
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