Esquema teria estrutura de poder baseada na hierarquia, na qual a ponta superior teria a participação ou anuência de professores da instituição
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 07/01/2015
São Paulo – Em longo depoimento na CPI instalada na Assembleia Legislativa para apurar violações dos direitos humanos e outras ilegalidades nas universidades de São Paulo, alunos da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica (PUC)-Campinas denunciaram hoje (7) um esquema de intimidação, ameaças, violências física e moral e trotes humilhantes.
O esquema tem a participação de alunos veteranos e mesmo médicos formados. Segundo os alunos, a Associação Atlética Acadêmica Samuel Pessoa é um dos pilares do esquema, cuja estrutura de poder seria baseada na hierarquia na qual a ponta superior teria a participação ou anuência de professores da instituição. A entidade destina-se a promover e coordenar eventos esportivos e “integração” dos alunos da faculdade, organizando festas e outras atividades.
Os veteranos e alunos, de modo geral, são submetidos a um sistema de hierarquia e a todos são atribuídos apelidos, que são dados numa data específica, o "Dia do Apelido". “A pessoa ganha um apelido e perde a identidade”, disse um dos depoentes. O sistema de intimidações e trotes violentos envolve alguns veteranos conhecidos por alcunhas como Castor, Cebola, Xoxota e Boner, alguns dos citados na audiência. É comum que um veterano se especialize em um tipo de trote.
O apelidado Boner, por exemplo, é conhecido por ter preferência pela “esternada”: esse trote consiste simplesmente em um soco desferido no esterno, osso situado acima do estômago. De acordo com os alunos, o veterano conhecido como Castor tem o hábito de urinar nos calouros.
Um dos mais "respeitados" entre os veteranos – na verdade já formado – é o conhecido como Xoxota, que faz residência médica em pediatria, segundo os depoimentos. Embora já tenha terminado o curso, mesmo assim ele participa dos trotes. "Os trotes não são feitos só para humilhar, mas para a pessoa entrar na estrutura", contou um dos depoentes. Afinal, os calouros serão os futuros veteranos responsáveis por aplicar o "batismo" às novas turmas.
No alto da hierarquia, segundo a reportagem apurou, estariam os médicos Carlos Osvaldo Teixeira, o Caiá, chefe do departamento de Clínica Médica da PUC-Campinas e fundador da Associação Atlética Acadêmica Samuel Pessoa, e Maria Aparecida Barone Teixeira, a Cidinha, responsável por indicar o formando que vai entrar na clínica médica. Caiá seria adepto de ter sua mão beijada. Os alunos contaram que "todo mundo da família tem que adorar Cidinha e Caiá".
As violências não são fatos isolados. Os membros da “sociedade” formada a partir da Associação Atlética se autointitulam “a Família”. As meninas são submetidas a situações humilhantes, como ser obrigadas publicamente a simular sexo oral com bananas ou pedaços de pau. A “Família” obriga os alunos a decorarem hinos de teor misógino, machista e de estímulo à violência sexual. Eles são forçados a aprender esse hinário sob ameaças, como em exercícios militares.
Os alunos que se recusam a participar das atividades sofrem ameaças não apenas de violências física ou moral, mas de terem inclusive sua vida profissional prejudicada. O medo de retaliações faz com que os alunos evitem denunciar o esquema. Os alunos mais jovens costumam ouvir frases como: “se você não é da família, eu não vou poder te ajudar (quando o aluno se formar)”. “Isso assusta muito quem está no primeiro ano, começando uma vida na faculdade. O medo de ficar seis anos na faculdade e depois não conseguir trabalhar”, disse um dos depoentes.
Entre outras obrigações a que os “bixos” (calouros) são submetidos, está a de furtar lençóis do hospital (fornecidos pelo SUS) para serem usados em festas.
“Não posso acreditar que numa universidade possa acontecer isso. A igreja católica não pode respaldar, acolher coisas que acontecem na Faculdade de Medicina da PUC de Campinas. Eu sou um homem de esquerda e minha formação é católica. Estou totalmente agredido, isso é uma barbárie”, disse o deputado Adriano Diogo (PT), presidente da CPI da USP. A comissão vai convocar professores e membros da instituição da faculdade para depor. “Nosso objetivo aqui é formar médicos mais humanizados. Se as coisas não mudarem, daqui a dez anos vamos continuar ouvindo as mesmas histórias”, disse um dos alunos na CPI.
Por motivos de segurança, seus nomes não foram divulgados. As denúncias serão levadas ao Ministério Público.
Rede Brasil Atual
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