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sábado, 11 de junho de 2016

Estupros coletivos são 12,3% do total de casos - Foram entrevistadas Lúcia Helena Octaviano e Cristiane Paulino da Costa, respectivamente advogada e psicóloga do SOS Ação Mulher e Família

 Publicado 11/06/2016 - Por Camila Ferreira

Serviço de Atenção Especial à Mulheres Vítimas de Violência Sexual, do Centro de Atendimento Integral à Saúde da Mulher (Caism), da Unicamp
Patrícia Domingos/Especial para a AANServiço de Atenção Especial à Mulheres Vítimas de Violência Sexual, do Centro de Atendimento Integral à Saúde da Mulher (Caism), da Unicamp
Em Campinas, uma em cada oito mulheres (12,3%) atendidas após sofrerem abuso sexual pelo Serviço de Atenção Especial à Mulheres Vítimas de Violência Sexual, do Centro de Atendimento Integral à Saúde da Mulher (Caism), da Unicamp, são vítimas de estupro coletivo, praticado por dois ou mais agressores.
Os dados revelam que casos como o da garota de 16 anos, que foi estuprada por diversos homens enquanto estava inconsciente, no Rio de Janeiro, podem estar acontecendo de forma rotineira e silenciosa em Campinas. Relatos de profissionais da área sobre atendimentos com mais de um agressor que não puderam ser divulgados por conta do sigilo dos pacientes confirmam essa triste realidade.

Jovem abusada por mais de 30 homens no Rio de Janeiro chega em delegacia para prestar depoimento: caso levantou debate em todo o País
Jovem abusada por mais de 30 homens no Rio de Janeiro chega em delegacia para prestar depoimento: caso levantou debate em todo o País / Foto: Wilton Junior/27mai2016/Estadão Conteúdo
É para o Caism que segue boa parte das vítimas de estupro na região. As informações do estudo foram coletadas com base nos prontuários de 687 mulheres que deram entrada para atendimento pós-agressão entre os anos de 2006 e 2010. Trata-se do último levantamento formal da instituição, que serviu como maneira de avaliar o serviço.
Segundo a pesquisa, finalizada em 2014, um terço das vítimas atendidas no local não registrou boletim de ocorrência, optando por manter o caso longe de investigações policiais. Outro dado alarmante é que 25% das pacientes tiveram o estupro como a primeira experiência sexual de suas vidas. Elas eram, em geral, jovens ou até crianças ou adolescentes, virgens.
O registro contribui para mapear o perfil das mulheres que foram abusadas sexualmente na cidade e região. A maioria delas tem vida ativa, sendo que 41,6% estavam empregadas e 39,4% eram estudantes. A média de idade é de 23 anos, sendo a maioria branca (74,6%), solteira (76,1%) e que nunca tinha sido atacada anteriormente (90%). Grande parte relatou relações com alguma religião (84,9%) ou prática religiosa (74,7%).
Vergonha
A professora Arlete Fernandes, coordenadora do Serviço no Caism e uma das autoras do estudo, diz que, ainda que esses dados tenham sido coletados entre 2006 e 2010, não há mudança no cenário atual e as vítimas de estupro sentem vergonha, culpa e muito medo de serem vistas como mulheres que foram abusadas.
“O que elas nos contam, na hora do atendimento, é que se sentem sujas e que querem esquecer o que aconteceu. Outro receio de grande parte é de serem obrigadas a procurar por uma delegacia, só porque estão buscando cuidados no hospital. Porém, essa prática não é necessária e elas só podem denunciar se quiserem.”
Arlete destacou ainda a importância dessas mulheres em procurar pelo serviço de saúde o mais depressa possível após o ataque, pois, assim, será possível a prescrição de medicação, assim como vacinação, se necessário, e anticoncepção de emergência. Esta preocupação se justifica com o fato de apenas dois terços das vítimas chegarem ao Caism nas primeiras 24 horas depois da violência sexual.
“O atendimento é importante não só para prevenir de doenças ou de uma gravidez indesejada, mas também, para que essas mulheres recebam acompanhamento psicológico”, afirmou. O atendimento nas primeiras 72 horas aconteceu em 87,6% das mulheres, o que é visto como ponto positivo pela ginecologista.
Ainda segundo a médica, das pacientes que aderem ao programa de acompanhamento por mais tempo, 80% delas se recuperam após seis meses de atendimento. Porém, grande parte não dá continuidade, muitas vezes, por medo ou porque querem esquecer o fato.
“Esse atendimento de saúde precisa acontecer até 72 horas após a violência. Caso contrário, a anticoncepção de emergência e prevenção de doenças não serão efetivas. Além disso, a adesão aos seis primeiros meses de acompanhamento é importante, pois a maioria dessas mulheres desenvolvem transtorno de estresse pós-traumático, como depressão e até tentativa de suicídio”, destacou.
Registros são mais comuns à noite e com uso da força
Outro fato levantado pela pesquisa do Caism é que a violência sexual ocorre, principalmente, no período da noite, entre meia-noite e sete horas da manhã, e acontece, em sua maioria, com intimidação por meio de força física.
Para se ter ideia do perigo, em 24,4% dos casos, o agressor carregava arma de fogo, o que amplia a violência do crime e a exposição da vítima.
Para Lurdes Simões, da coordenação estadual da Marcha Mundial das Mulheres em Campinas, organização que existe em todo mundo para mobilizar e organizar ações com pautas feministas, as mulheres estão aprendendo a se cuidar e proteger, pois passaram a ter acesso e a se informar sobre seus direitos.
“Ainda que o índice seja muito baixo em relação à realidade, acredito que as mulheres estão denunciando mais. Elas têm construído redes de solidariedade e acompanham grupos físicos e nas redes sociais sobre o assunto e estão cada vez mais unidas pela causa”, declarou. 
Onde e por quem
O levantamento do Caism indica ainda que, das mulheres atendidas pelo serviço, 41% foram violentadas em vias públicas e 69,2% foram vítimas de desconhecidos. A realidade do País, de acordo com mapeamento do Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA), é de que ao menos 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil, sendo que apenas 10% dos casos são notificados. Além disso, 89% das vítimas destes atos violentos são mulheres e 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou conhecidos da vítima.
Para a advogada voluntária da organização não-governamental (ONG) SOS Ação Mulher e Família, Lúcia Helena Octaviano, que também trabalha com vítimas de violência em Campinas, o estudo do Caism reflete apenas um recorte da imensa realidade dos casos de estupro na região.
Ela concorda com o dado nacional, e na maior parte das vezes, o agressor é conhecido ou está dentro da casa da vítima, que tendem a deixar de fazer a notificação para a polícia por medo.
“As mulheres abusadas sexualmente por pessoas conhecidas ou da própria família sentem medo de estragar a relação familiar. Elas não compartilham a informação e nem procuram a polícia. Além disso, as vítimas têm dificuldade de encontrar ajuda, pois, em muitos casos, o familiar pode repreender e até não acreditar no que ela está relatando”, destacou.
No caso do estupro do Rio de Janeiro, as últimas informações divulgadas pela polícia indicam que a jovem foi violentada por pessoas que ela já conhecia, que a levaram para um local também conhecido.
Segundo a psicóloga Cristiane Paulino da Costa, que trabalha na mesma ONG que Lúcia Helena, a maior parte dos casos atendidos na entidade é de mulheres abusadas por pessoas próximas, como padastros, tios e amigos da família, e que aconteceram na infância, quando a pessoa tinha idade média de 8 anos, período em que o corpo da menina está se formando.
“Na rua, a ação precisa ser escondida e pode gerar alarde. Em casa, a vítima sofre ameaça a todo momento do autor, o que a induz esconder o fato. Além disso, a pessoa é forçada a acreditar que a culpa por aquilo estar acontecendo é dela”, destacou.
Ela ainda informa que o estupro acomete todas as classes sociais, independentemente do grau de formação da vítima, e que as crianças acabam sendo o alvo mais visado, pois quanto mais velha, mais difícil de aliciar a pessoa.
“O acompanhamento é importante porque é possível superar a situação. Ela nunca vai ser apagada, mas conseguimos dar um novo significado, deixando de ser o foco principal da vida dessas mulheres, não causando mais dor”, disse Cristiane. 

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