O caminho da realidade à utopia
O fracasso tem sido, frequentemente, a causa do êxito, porque estimula as energias ocultas do fracassado, aviva as ideias tristes e desperta as faculdades adormecidas. Os “homens” de fibra transformam os contratempos em auxílios, como a ostra transforma em pérola o grão de areia que a incomoda (Carlos Rosa).
Muitas vezes olhamos desanimados para nossos sonhos porque eles nos parecem muito distantes, inatingíveis mesmo, tal qual estrela no céu. E assim, nós os deixamos de lado ou os esquecemos nem tanto por conta da distância, mas principalmente, porque não encontramos em nós os recursos ou a força necessária para torná-los realidade.
Sonho x Realidade. Imagem do contraste. Antíteses em suas naturezas.
O aspecto mais “palpável” da realidade é sua concretude. Tudo o que pode ser apreendido através de nossos cinco sentidos. Do ponto de vista psicológico, o contato com a mesma não costuma ser muito fácil ou prazeroso, pois, na maioria das vezes, vem acompanhado de frustrações.
Por sua vez, o sonho tem uma natureza volátil. Na terra dos sonhos - o mundo de fantasias - tudo é possível; tudo é permitido. Não há interdição de qualquer espécie. Podemos sonhar o que quisermos.
Costuma-se chamar utopia aquele sonho que ainda não se tornou realidade. O grande desafio é justamente construir um canal, um elo de ligação, que sirva de ancoradouro e através do qual os sonhos possam fincar suas estacas no mundo real e a partir disso, ir ganhando cada vez mais concretude até que finalmente deixa de ser sonho para se tornar realidade.
Toda essa ‘magia’ na prática tem uma receita simples e ao mesmo tempo desafiadora: retirar das experiências aparentemente mal¬sucedidas da vida, as lições a serem apreendidas e a força de espírito necessária para romper barreiras e perseverar. Pois, segundo nos disse acima Carlos Rosa (2015), o fracasso estimula as energias ocultas e desperta nossas faculdades adormecidas, isto é, descobrimos recursos internos que não sabíamos que possuíamos.
Muitos, na tentativa de abreviar o processo ou talvez imbuídos da falsa crença de que o caminho é feito somente de “sombra e água fresca”, tentam espertamente pular etapas, negligenciando a preciosidade deste aprendizado: o êxito se constrói e se torna realidade a partir da experiência acumulada que aos poucos foi se constelando no enfrentamento dos fracassos, e somente a partir destes e com eles se chega à concretude dos sonhos (primeiro o sabor amargo e acre para somente então se chegar ao doce).
É certo que há um imenso potencial inexplorado em nossa psique e que somente nos dispomos a abrir a tampa do baú quando levamos um empurrão ou somos forçados a isto. Do contrário, é sempre a lei do menor esforço que impera.
O que é necessário para dar um salto na vida, ou melhor, um giro de 180º surpreendendo a si próprio e àqueles que nos circundam? Em geral, a maioria esmagadora dos seres humanos reproduz o padrão ou o estilo de vida que conheceu na infância. Mais uma vez Carlos Rosa (Ibid.) vem em nosso auxílio e nos diz que: “Se você continuar a fazer o que sempre fez, com absoluta certeza continuará a ser o que sempre foi.” Isto sugere que devemos começar a fazer algo diferente. Sair da rotina, do padrão estereotipado e dar um primeiro / novo passo.
Todd Michael em seu livro “Um Extraordinário Modo de Viver” nos fala do ponto de inflexão. O autor relata que, em suas viagens pelo Colorado, chegou a um ponto privilegiado do divisor continental de águas. Uma região montanhosa, onde toda precipitação atmosférica que caia do lado leste da crista flui para o Boulder Creek Campground e acaba chegando ao oceano Atlântico; a que cair do lado oeste corre para o rio Colorado e desemboca no Pacífico. O autor ressalta que a diferença de um ou dois centímetros no ponto de origem poderia significar a diferença entre oceanos - todo um mundo.
Todd Michael (2005) observa ainda que essa mesma analogia ocorre na relação de causa e efeito: “um passo de diferença, uma escolha, uma palavra, uma pequena forma-pensamento no ponto de origem, pode literalmente fazer um mundo de diferença à medida que o fluir nos leva correnteza abaixo, amplificando de forma inexorável nossa intenção” (p. 16).
O autor ressalta que estamos em nosso próprio divisor de águas a cada momento da vida. A cada segundo um fio da navalha divide a nossa vida em duas dimensões potenciais e opostas. De um lado está o mundo da luta ordinária e da incerteza em que vivemos. De outro, estendendo-se com toda a sua majestade, está o mundo da autocriação, da autocapacitação - a dimensão do milagre, onde os sonhos desabrocham com precisão absoluta.
Enquanto caminhamos nesse cimo que é a vida, fazemos escolhas a cada momento. Estejamos ou não conscientes disso, a cada momento optamos por “despejar a água de nossos pensamentos” de um lado ou de outro. Escolhemos semear pensamentos de incerteza, conflito e carência ou pensamentos de realização, felicidade e bem-estar.
No sentido mais prático possível, escolhemos a cada segundo permanecer na dimensão do ordinário ou entrar na dimensão do miraculoso. E, à medida que continuamos a caminhar pelo fio da navalha que é a existência, os pensamentos que semeamos descem pelas laterais dos grandes declives de causa e efeito, tornando-se uma bola de neve, expandindo, até que inevitavelmente despontam no crucial limiar da manifestação e se tornam a realidade pessoal que vemos ao redor (Todd Michael, 2005).
Resta finalmente a(s) pergunta(s) que devemos nos fazer: “Algo me impede de dar o meu grande salto na vida? Como estou situado(a) em relação ao meu próprio ponto de inflexão, a meio palmo de meus olhos? O que estou esperando para agir?”
Enquanto isso, o ‘grande salto’ jaz em estado de latência. Até quando?
Referências bibliográficas:
MICHAEL, R. Todd. Um extraordinário modo de viver. São Paulo: Editora Landscape, 2005. ROSA, Carlos.Numerologia Cabalística: a última fronteira. São Paulo: Editora ABNC, 2015.
Lucélia Braghini
Lucélia Braghini
Psicóloga psicodramatista, atua no SOS Ação Mulher e Família desde o ano de 1984. Doutora em Saúde Mental pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Autora do livro “Cenas repetitivas de violência doméstica: um impasse entre Eros e Thanatos”.
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