O lar das crianças peculiares é mais uma obra pop a tratar do tema diversidade
NINA FINCO
O novo filme de Tim Burton, O lar das crianças peculiares, que estreou no último dia 29, tem tudo aquilo que se espera de uma produção assinada por ele: cenários góticos, enredo pautado no fantástico e personagens excêntricos. O preconceito das pessoas “normais” contra os protagonistas da história, porém, surge bem mais ameaçador do que o que atingia o amalucado fabricante de chocolates Willy Wonka ou a espevitada Alice Kingsleigh. A alegoria do grupo de discriminados, também explorada em histórias como X-Men e Harry Potter, ajuda a explicar às crianças os mecanismos cruéis do preconceito.
A história se baseia no livro O orfanato da Srta. Peregrine para crianças peculiares (LeYa, 336 páginas, R$ 23,50), de Ransom Riggs, um recente best-seller infantojuvenil, escrito a partir da coleção pessoal de fotografia vernacular do autor. Fotografia vernacular são imagens do cotidiano. Toda família costuma ter as suas. Riggs costuma colecionar a de várias. Principalmente se forem antigas e parecerem ter algo de esquisito ou peculiar. Na coleção do autor, há fotos de uma menina que parece flutuar e de um garoto quase invisível, entre outras.
O personagem principal, Jacob Portman (Asa Butterfield), é um garoto da Flórida que acaba de perder o avô de forma trágica: ele parece ter sido devorado por monstros de línguas compridas. Nenhum adulto acredita no relato de Jacob nem nas histórias que o avô contava sobre um orfanato para crianças com capacidades incomuns localizado no País de Gales. Mesmo assim, a psiquiatra do garoto indica uma viagem ao Velho Continente para ajudá-lo a se sentir melhor.
Lá, ele viverá uma aventura com boa dose de vilões exóticos, cenas de ação e suspense. E encontrará o tal orfanato, um casarão vitoriano habitado por gente muito, muito diferente do “normal”, isolada do mundo. “Nossas habilidades não se encaixam no mundo exterior, por isso vivemos em lugares assim”, explica a Srta. Peregrine, guardiã das crianças, interpretada por Eva Green, a estrela de Penny dreadful, que vem se especializando em viver beldades atormentadas e incomuns.
Adolescentes frequentemente se veem como pessoas deslocadas, diferentes de todos ao redor. Lutam para se aceitar como são e para ser aceitos pelos outros. Por isso, costumam se identificar com esse tipo de drama. A metáfora também se aplica ao preconceito racial e cultural. Quem é discriminado por fazer parte de um grupo minoritário se projeta nos peculiares e na busca por aceitação. Já a figura cativante de Jacob mostra àqueles que se encaixam mais facilmente na “normalidade” que é muito mais legal (e humano) abraçar a diversidade.
A ficção explora esse drama entre o público juvenil há décadas. Nos anos 1930, a lição foi dada pelos membros exóticos da Família Addams. Em 1960, foi a vez dos mutantes oprimidos da Marvel, em X-Men. Nos anos 1990, os “sangue ruim” perseguidos por bruxos elitistas de Harry Potter deram o recado. Na arte, como na realidade, os seres humanos “normais” não os aceitam, pois se veem ameaçados ou sentem repulsa de suas características e costumes. “Compartilhar o mundo nunca foi o atributo mais nobre da humanidade”, afirmava o Professor Xavier, no início de X-Men 2. Na ficção, a humanidade está cada vez mais disposta a partilhar o mundo com quem é diferente. Torçamos para que a mudança ocorra também do outro lado da tela.
Época
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