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sábado, 23 de setembro de 2017

Na Europa, só uma nação proíbe: como diferentes países veem a terapia de reversão sexual

Gabriela Loureiro
De Londres para a BBC Brasil
Parada Gay de 2017 em São Paulo
A Parada Gay de 2017 em São Paulo teve como tema "estado laico" Foto: Agência Brasil
22 setembro 2017

A aprovação de uma liminar autorizando psicólogos brasileiros a oferecerem a seus pacientes formas de terapia de reversão sexual provocou fortes reações de diferentes segmentos da sociedade durante esta semana no Brasil.

Artistas como Anitta, Daniela Mercury e Ivete Sangalo participaram de uma campanha nas redes sociais contrária à decisão com as hashtags #TrateSeuPreconceito e #HomofobiaNãoÉDoença.
Apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter retirado a homossexualidade da lista internacional de doenças há quase 30 anos, há uma enorme diversidade na forma como diferentes países lidam com a questão. Na Europa, por exemplo, só há um país que proíbe tratamentos que oferecem a "cura gay".

Brasil

O Conselho Federal de Psicologia do Brasil proíbe terapias de reversão sexual desde 1999 e profissionais que desobedecerem a regra podem ter seu registro cassado.
Esta semana, porém, a decisão do juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal Waldemar Cláudio de Carvalho abriu uma interpretação diferente para a norma do Conselho Federal de Psicologia (CFP).
A justificativa, segundo o juiz, seria a de não impedir os profissionais "de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia".
A liminar atende parcialmente uma ação movida contra o CFP por Rozangela Alves Justino, psicóloga que teve seu registro profissional cassado em 2009 por oferecer "terapias para curar a homossexualidade masculina e feminina". Justino pedia a suspensão das regras do órgão.

Estados Unidos

Cada Estado americano tem suas regras sobre tratamentos de reversão sexual. Muitos deles proíbem a prática em menores de idade.
A Associação Psiquiátrica Americana se opõe a qualquer "tratamento psiquiátrico, como a terapia de conversão baseada no pressuposto de que a homossexualidade seja um transtorno mental ou de que um paciente deveria mudar sua orientação sexual".

Reino Unido

Apesar de várias instituições terem assinado um acordo descrevendo o tratamento como "potencialmente prejudicial e antiético", inclusive o NHS (SUS britânico), a terapia de reversão sexual é legal no Reino Unido.
Em 2015, o parlamentar conservador Mike Freer advogou pela criação de uma lei para regular "terapias de cura gay" no país. Segundo ele, o governo deveria fazer mais para garantir que essas terapias não sejam realizadas no país. "Continua sendo possível no Reino Unido ir a um profissional do NHS para ser indicado a um psicoterapeuta que faça a chamada 'cura gay'", disse ele durante um debate no Parlamento em Londres.
Um estudo realizado em 2015 pelo instituto de pesquisa YouGov a pedido da ONG LGBT Stonewall apontou que 10% das equipes britânicas que trabalham com saúde e bem-estar social testemunharam colegas dizendo que gays, lésbicas e bissexuais podem ser "curados", um número que chega a 22% considerando apenas Londres.
Em 2009, uma outra pesquisa apontou que 200 profissionais de saúde mental ofereceram algum tipo de terapia de conversão a pacientes, sendo que 40% deles foram tratados dentro do próprio NHS.
Louise* disse ao programa Newsbeat da BBC que foi coagida a um tratamento de cura gay em 2007 na igreja evangélica que frequenta, na região de West Yorkshire.
"Eu fui chantageada para concordar a ir a um acompanhamento psicológico ligado à igreja. Eu fui obrigada a aceitar que todo o conteúdo dessas sessões seria compartilhado com os anciões [da igreja] para que eles pudessem medir meu progresso", contou.
"Eu fui submetida a uma prática de exorcismo. Não exatamente como no filme de terror O Exorcista. Mas tinha pessoas da igreja rezando, erguendo as mãos e falando línguas durante horas. Eu lembro de dormir no meio, de tão longo que era."

Malta

Em dezembro de 2016, Malta se tornou o primeiro país europeu a proibir a terapia de reversão sexual. A nova lei determina que quem tentar "mudar, reprimir ou eliminar a orientação sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero de alguém" será multado ou até mesmo preso. A multa pode chegar a 10 mil euros (R$ 37 mil) e a sentença de prisão a até um ano.

Rússia

Similarmente ao Brasil e outros países, a Rússia tirou a homossexualidade de sua lista de doenças psiquiátricas em 1999, nove anos após a OMS fazer o mesmo. Até hoje, a homossexualidade não é considerada uma desordem mental na Rússia, mas a homofobia é comum no país, que acabou de aprovar uma lei que proíbe a "propaganda gay". Falar sobre homossexualidade com crianças é crime no país desde 2013.
Apesar de homossexualidade não ser oficialmente considerada uma doença, profissionais de saúde oferecem a chamada "cura gay" na Rússia. O psicoterapeuta Yan Goland, por exemplo, disse ter "curado" 78 homossexuais e 8 pessoas trans usando um método desenvolvido na União Soviética por seu mentor, Nikolai Ivanov.

Policiais observam parada gay em São Petesburgo este ano
Image captionPoliciais observam parada gay em São Petesburgo este ano Foto: Reuters

Ele disse à BBC que o tratamento dura entre 8 e 18 meses para homossexuais e pode ser mais longo para trans. No primeiro estágio, ele "destrói" a atração da pessoa por indivíduos do mesmo sexo através de hipnose, cuja sessão pode durar até 8 horas.
No segundo estágio, ele força atração a pessoas de sexo oposto. "Eu digo a eles: 'quando você sair da sessão, caminhe pela rua e olhe todas as mulheres jovens que passarem por você, mostre interesse em seus corpos e selecione as melhores'". O terceiro passo é o ato sexual com pessoas do sexo oposto.
Aos 80 anos de idade, Goland diz continuar tratando pessoas.
E, assim como caso de Louise na Grã-Bretanha, a BBC também colheu relatos na Rússia de pessoas submetidas a "tratamentos" em igreja.
Maria*, de 27 anos, disse ter sido levada contra sua vontade à igreja por sua família para "tratar" sua homossexualidade aos 13 anos de idade. "Eles me cobriram de água santa e me forçaram a bebê-la. Às vezes me batiam com cajados. Sinto como se tivessem quebrado minha mente", disse ela à BBC.

Uganda

Em 2014, o governo da Uganda tentou aprovar uma lei chamada "Ato Anti-Homossexualidade", que punia a homossexualidade com a pena de morte. Mais tarde, a lei foi definida como inconstitucional pela Justiça do país. Mas a lei ajudou a fomentar a perseguição a homossexuais.
A ONG SMUG, de Uganda, publicou um estudo apontando que a perseguição com base em orientação sexual aumentou nos últimos anos após a criação da lei e jornais publicaram uma lista dos "top 200 homossexuais" do país. Este ano, ativistas LGBT tentaram organizar uma parada gay e foram impedidos pela polícia.
O país é destaque no documentário The World's Worst Place To Be Gay? ("O Pior País Para Ser Gay?") da BBC. No programa, o dj Scott Mills se submete a uma cerimônia pagã de cura gay na qual ele foi surrado com uma galinha viva e banhado de água aquecida por uma tocha de fogo.

Malásia

O governo da Malásia fez uma campanha a favor da terapia de conversão sexual depois que autoridades federais disseram que a orientação sexual de alguém pode ser transformada através de um "treinamento intensivo".
O país também ofereceu um prêmio de de até US$ 1 mil dólares para o melhor vídeo de "prevenção à homossexualidade" em uma competição juvenil de vídeos de educação sexual. A categoria de "prevenção à homossexualidade" foi substituída por "desordem de identidade de gênero" depois de protestos de ativistas LGBT.
Os direitos LGBT não são reconhecidos na Malásia, onde a "sodomia" continua sendo vista como crime segundo as leis coloniais do Império Britânico.

China

A China deixou de considerar a homossexualidade uma doença mental em 2001, mas grupos de defesa LGBT afirmam que milhões de homossexuais casam com pessoas do sexo oposto devido à pressão das famílias.
Este ano, porém, um homem gay ganhou uma compensação de um hospital psiquiátrico por ter sido submetido à força a uma terapia de conversão sexual.
O homem, identificado como Yu, foi levado à força por sua mulher e familiares a um hospital no centro da China, na cidade de Zhumadian, em 2015. Lá, ele foi obrigado a tomar medicamentos e injeções por 19 dias.
A Justiça chinesa entendeu que forçá-lo a uma instituição mental sem ele oferecer perigo à sociedade infringia seus direitos.
O hospital que o diagnosticou com "desordem de preferência sexual" teve que se desculpar em público através de uma nota no jornal e pagar uma multa de U$ 735.

Irã

O Irã é um entre os cerca de 10 países nos quais a homossexualidade pode ser punida com a pena de morte. Líderes religiosos, no entanto, aceitam a ideia de que uma pessoa pode estar "presa" em um corpo do sexo oposto. Portanto, homossexuais podem ser forçados e passar por uma cirurgia de redesignação sexual - e muitos fogem do país por isso.

Donya
Image captionDonya conseguiu asilo no Canadá depois de ser pressionada a fazer cirurgia de redesignação de gênero no Irã por ser lésbica Foto: BBC

Ao crescer, Donya* tinha o cabelo curto e usava boné em vez de véu. Ela disse à BBC que, se policiais pedissem sua identidade e percebessem que ela era uma menina, poderiam repreendê-la. "Por que você é assim? Vá mudar seu gênero", lembra.
"Era tamanha pressão que eu queria mudar meu gênero o mais rápido possível". Ela passou 7 anos em tratamento hormonal, começou a ter pelos faciais e sua voz ficou mais grave.
Quando os médicos sugeriram a cirurgia de transgenitalização, ela decidiu fugir para a Turquia e depois para o Canadá, onde conseguiu asilo.

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