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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

O que é um mulherão da p.?

É uma mulher que impressiona pelo vigor da personalidade, pela inteligência e pela alegria com que vive

IVAN MARTINS
13/09/2017

Conheci outro dia uma mulher incomum. Era jovem e médica, mas poderia ser qualquer outra coisa. O essencial é que se tratava de um mulherão da porra, como se diz atualmente: uma mulher que impressiona pelo vigor da personalidade, pela inteligência e pela alegria com que vive, amparada em suas próprias opiniões e sentimentos.

Na minha geração, que um dia desses vai fazer 60 anos, havia muitas mulheres assim, mas com uma diferença essencial: eram duras. Faltavam nos mulherões criados sob a ditadura uma certa alegria e muito da doçura que percebo agora. Elas eram altivas, livres, destemidas em vários sentidos, mas muitas cultivavam um desprezo ativo pela graça e pela gentileza, às vezes pela própria feminilidade. Essas coisas lhes pareciam identificadas com superficialidade e submissão.


Na semana passada, vendo o filme Como nossos pais, da Laís Bodanzky, essas diferenças me ficaram claras. De um lado, havia na tela uma mulher forte e enrijecida. Era a mãe. De outro, uma mulher suave e perdida. A filha. Não havia no filme um mulherão como o que eu conheci na vida real, que tenta juntar as duas personagens divergentes numa única pessoa, mais inteira e mais feliz.

Ser mulherão da porra, afinal, não implica optar por uma coisa ou por outra. É possível sorrir quando há vontade de sorrir e brigar quando é o momento de brigar. Dá para ser delicada e carinhosa, assim como brava e exigente. Uma mulher pode ser chorona no sofá de casa e tenaz nas discussões do trabalho. Pode dançar sensualmente até as 4 da manhã e liderar com firmeza as reuniões de um grupo político na manhã seguinte. Seres humanos saem de fábrica com um vasto repertório de emoções e comportamentos contrastantes. A vida é que vai nos metendo em caixinhas.

Sei, por ter visto de perto, que mulherões da porra não nascem prontos. Eles se fazem nos embates com o mundo. Principalmente o mundo dos relacionamentos, do trabalho, da família. É onde sentem os limites que a sociedade quer lhes impor e se rebelam contra eles. No início, sentem-se vítimas, mas logo descobrem que podem ser protagonistas. Carregam aquilo com que foram criados, mas não são escravos das suas memórias. Tornam-se quem são rompendo as expectativas que outros tinham a respeito deles e ocupando espaços que não lhes pareciam destinados.

Existe em cada mulher que anda encolhida pelo mundo um mulherão da porra esperando para desabrochar.

Sei de homens que se ressentem do convívio com mulheres assim. Preferem as dóceis e dependentes, mas estão errados. Mesmo para amar é preciso ter coragem e convicções. Quem se move pelo desejo dos outros, e se submete à vontade dos outros, pode mudar de guia ou de senhor na próxima esquina. Não é boa companhia. Bom é ter ao lado quem nos olha altivamente, quem nos sorri confiante, quem nos diz o que pensa e escolhe estar todos os dias conosco – amorosamente, carinhosamente, apaixonadamente.  

Para lidar com mulherões da porra, talvez os homens devam se transformar em algo equivalente. Homões da porra, quem sabe? Mas não como aquele bonitão da TV, embora cozinhar ajude qualquer relacionamento. Penso num cara que seja o parceiro emocional e prático de uma mulher que tenta ser mais do que foram antes dela: mais feliz, mais livre, mais realizada, mais influente no mundo.

Ser o homem dessa mulher não significa concordar com tudo o que ela diz e nem fazer somente o que ela acha bonito. Isso seria uma espécie de castração. Significa amá-la (e ser amado por ela), respeitá-la (e ser respeitado por ela), ajudá-la (e ser ajudado por ela). Significa tratá-la humanamente como igual, sobretudo nos momentos de discórdia, ainda que os nossos olhos e o nosso coração apaixonado avisem, a cada toque das mãos, e a cada instante, que o material de que ela é feita saiu do interior de uma estrela mais brilhante.

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