Domingo o país parou, surpreso, diante da entrada da liderança indígena Sonia Guajajara no palco do Rock in Rio durante o show da cantora Alicia Keys. Keys, comovida com o momento delicado que nosso país enfrenta e com o que boa parte de nossa classe política está disposta a fazer com a Amazônia, convidou Guajajara para subir ao palco e falar para os milhares assistindo ali e os milhões assistindo de casa sobre os riscos que estamos correndo. Sobre a perversidade do momento em que estamos imersos. E do caminho sem volta que querem nos impor.
Sonia chocou a plateia ao dizer: “existe uma guerra contra a Amazônia” e convidar o mundo todo para se alistar do lado certo: #342Amazônia. Two girls on fire no palco lutando pelo mundo em que vivemos, porque não há plano B.
Hoje, Sonia fala ao #AgoraÉQueSãoElas sobre ser mulher nessa luta pelos povos indígenas e pelo planeta e sobre o que é o feminismo indígena.
#AEQSE: Não existe plano B para o planeta, estamos esgotando o plano A. O que podemos aprender com as mulheres indígenas para não jogar fora esse restinho de chance que nos resta de salvar o mundo?
SG: As mulheres indígenas sempre foram as primeiras na linha de frente dessa resistência e seremos as últimas se preciso for. A gente enquanto filha, mãe, avó sempre foi a base fundamental da nossa sociedade. Internamente, sempre lutamos para dar orientações para a tomada de decisões. E o que a gente sempre trouxe para a defesa da natureza é que nós não somos guardiãs dela. Nós somos a própria natureza. Se permitirmos a destruição da natureza, estamos permitindo a nossa destruição.
Nós sempre estivemos na linha de frente, mas na base. Agora estamos aqui assumindo o protagonismo. O que queremos dizer é que é preciso que as pessoas voltem a viver como os povos indígenas. Cuidando. Usando, mas sem destruir.
#AEQSE: Você enfrenta desafios por ser uma liderança indígena mulher? Seja dentre os povos indígenas, seja diante de interlocutores não-indígenas? Você sente uma resistência no exercício da sua liderança por ser mulher?
SG: Existe sim uma resistência. O Brasil é um país muito machista. E entre os povos indígenas a cultura também é muito machista. Tem muitos povos que não aceitam mulheres em espaços de direção. A gente tem que lutar muito para isso. Pra ter essa confiança. É trabalhar bastante. Muitas vezes nós nos damos conta dessas coisa […] que você não consegue. Que você é frágil. Que um homem é que tem que estar alí.
Muitas vezes me aconteceu de ouvir: eu não falo com mulher. Cadê o homem aqui para eu conversar? E eu respondo: é comigo mesmo que você vai falar. Você tem que transmitir muita segurança para eles acabarem entendendo. É preciso você se impor, não tem outro jeito. Se impor para ser aceita. Quando você mostra seu compromisso e que está fazendo as coisas corretas, a resistência vai diminuindo. Mas temos que lutar todo dia para expressar essa confiança em si para te respeitarem.
Na sociedade não-indígena é pior. No meio indígena, quando você demonstra que você é capaz e que você domina o que está fazendo, a resistência se desfaz mais rápido e você passa a ser respeitada. Fora das comunidades, isso é ainda mais difícil. Também porque você enfrenta o preconceito duplo. Você é mulher e indígena.
E eu sinto que isso tem ficado ainda mais explícito. As pessoas não têm vergonha de dizer que não gostam de falar com mulher, de expressar ódio.
#AEQSE: Existe um feminismo indígena?
SG: Do nosso jeito, existe. Existe o comportamento das mulheres indígenas de buscar sempre empoderamento e protagonismo. Talvez esse termo não seja o mais adequado para a nossa realidade. O feminismo soa radical, longe da gente. Mas temos sim buscado protagonismo dentro das aldeias e para fora, nas nossas lutas, buscando visibilidade.
Hoje, mulheres têm assumido os principais cargos dos movimentos indígenas estaduais e regionais. Temos mulheres como coordenadoras-gerais das organizações indígenas. Nós sabemos que temos que assumir o comando do movimento indígena. Nós trabalhamos para isso. Hoje a coordenação-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB é de uma mulher. Uma vitória nossa, mas que contou também com o entendimento e os votos de muitos homens para acontecer. Para a gente, isso é nosso feminismo: se empoderar e assumir o protagonismo.
Há um aumento significativo de mulheres buscando assumir o protagonismo no território e no movimento indígena. E acho que esse momento que estamos vivendo é um momento muito especial: um momento das mulheres. Nós vamos liderar as mudanças.
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