20.06.2017
Escusado será dizer que é impossível não me sentir insultada a cada vez que me chamam coisas como “puta ressabiada”, “mal fodida”, “vaca repugnante”, “feminazi” e demais ofensas gratuitas em resposta aos textos que por aqui publico. Não é simplesmente aceitável que alguém – no meu caso, maioritariamente homens - nos insulte de forma tão mesquinha, agressiva e totalmente despropositada, mas habituamo-nos. E passamos a desvalorizar tais atos, como se fizessem parte do caminho, tal qual relação abusiva com a qual aprendemos a viver mesmo sabendo que não é suposto ser assim. Erro.
Dentro do cansaço e exasperação inerentes à carga de tal agressão verbal diária, é fácil começar a fazê-lo. Não por cobardia, mas como forma de ingénua proteção, individual e dos que me rodeiam - que tantas vezes são contemplados nos insultos, principalmente a minha mãe (curioso, não?). Não posso, contudo, escrever sobre isto e não falar do peso inconsciente que ainda tem o facto de se crescer numa sociedade onde as mulheres que exigem respeito no espaço público são apelidadas de histéricas. Uma sociedade que confunde assédio com piropos lisonjeiros, que ainda tem dificuldade em aceitar que a voz feminina mereça o mesmo respeito e consideração que a masculina, e que não parece perceber que o espaço existente para a crítica construtiva não dá direito ao insulto. Coletivamente, habituámo-nos a desvalorizar uma série de comportamentos desrespeitosos, como se fossem um simples mal menor. Uma ordem natural das coisas, tão supostamente natural que custa a questionar, que sempre assim foi e que não vale a pena contrariar. Quando damos conta, preferimos não perder mais tempo ou energia a tentar exigir algo tão basilar como o respeito, e fechamos os olhos ao que está mal.
Mas o caminho não pode ser esse, e contra a mim falo porque o faço tantas e tantas vezes, desvalorizando tais comentários com um sorriso e um encolher de ombros. Tão pouco coerente com aquilo que defendo nas minhas dissertações, eu sei, mas a vida também tem disto. Não tenho vergonha em assumi-lo, mas também não me orgulho. Permitir não significa aceitar, mas calar consegue andar de mãos dadas com a conivência. E é talvez por isso que faço a minha vénia pessoal a Marisa Matias, que graças a um movimento de luta contra a inércia que o abuso e a agressão tantas vezes nos provocam, decidiu agarrar o touro pelos cornos e tornar públicos alguns dos comentários mais graves de que é alvo. Um movimento tão simples quanto este conseguiu gerar um debate e interesse público construtivo pelo tema, algo que observo há já alguns dias com prazer.
A discussão começou com este post que partilho em cima. Um desabafo da Eurodeputada, que possivelmente terá surpreendido e indignado muitos dos que com ele se cruzaram. A partilha da Marisa Matias levou a que O Jornal Económico fizesse um belíssimo artigo intitulado “Os homens que odeiam as mulheres na política” ( se ainda não lera, espreitem aqui),onde foram recolhidos alguns exemplos de comentários feitos a seis figuras femininas da política nacional. Vergonhosos, tão vergonhosos. E por que é que faz sentido que saia um artigo deste género, quando todos sabemos que nisto da política tanto homens como mulheres são insultados? Porque há uma diferença clara no tipo de insulto feito: no que toca às mulheres enquanto alvo da agressão, o sexismo puro e duro está invariavelmente presente. E embora isto do machismo não seja um comportamento exclusivo ao homem, basta espreitar as caixas de comentários para percebermos que é maioritariamente masculino.
Isto devia merecer a nossa reflexão, até porque não é uma realidade que se limite à política. Da política às estrelas do cinema, da literatura à música, da ciência ao mundo empresarial, a agressão verbal sexista dirigida às mulheres é transversal, e surge amiúde em forma de ridicularização e de desvalorização das suas capacidades com base no seu género, num recurso recorrente a questões sexuais, domésticas, reprodutivas, e, é claro, de aparência física. Um espelho claro daqueles que são ainda tidos como supostos pilares da existência feminina.
É fácil cair na preguiça mental e dizer que isto é mera falta de civismo e que isso é válido tanto para homens como para mulheres. Mas não, vejamos isto com olhos de ver e sem preguiça: na cultura da ofensa online, o machismo é uma verdadeira arma de arremesso. É um comportamento cobarde e discriminatório, espelho do exercício do domínio, da intimidação e da demonstração de poder através do menosprezo e do preconceito. Tristemente sintomático daquilo que ainda é a visão do mundo perpetuada por tanta gente fora dos ecrãs de computador.
Como escrevia, e bem, Marisa Matias na sua partilha: “Não, este tipo de comentários não se deve ignorar. Combate-se. O sexismo só será derrotado quando deixar de ser ignorado”. Obrigada.
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