Por Taíssa Stivanin
Publicado em 26-02-2019
A perda de um ente querido desequilibra o organismo e pode gerar efeitos nefastos no corpo, confirmam diversas pesquisas
A dor da perda de um filho é inimaginável para a maior parte das pessoas, mas faz parte do cotidiano da paulistana Ana Cristina de Freitas Rocha. Em 2005, ela perdeu sua única filha, Tatiana, vítima de um erro médico que resultou em uma infecção generalizada. O mês de fevereiro é particularmente difícil para Ana Cristina. No último dia 12 de fevereiro, Tatiana completaria 34 anos. Lidar com a morte da filha, há 14 anos, ainda é um desafio diário.
"Você perde o chão, você perde sua essência. Você não sabe mais quem você é. São tantas reconstruções, que sem ajuda, não há possibilidade de lidar com a situação", descreve Ana Cristina, que é moderadora da associação Casulo, fundada em 2001, que organiza reuniões de apoio para pais que perderam filhos.
"Você perde o chão, você perde sua essência. Você não sabe mais quem você é. São tantas reconstruções, que sem ajuda, não há possibilidade de lidar com a situação", descreve Ana Cristina, que é moderadora da associação Casulo, fundada em 2001, que organiza reuniões de apoio para pais que perderam filhos.
Ela conta que o luto, de maneira geral, tem um impacto físico imediato. Falta de apetite, insônia, resistência baixa, infecções frequentes, taquicardias e problemas digestivos são alguns dos sintomas descritos pela paulistana. Ana Cristina também conta ter desenvolvido psoríase, uma doença de pele autoimune, que gera lesões no corpo.
"No início, você não come. Há um rápido emagrecimento na maioria dos casos”, diz. "Não é que você não tenha apetite. Você esquece de comer. Você não tem apetite e não dorme direito. Ou porque tem insônia ou porque não quer dormir mesmo. Eu muitas vezes não queria dormir. Eu já estava vivendo minha realidade. Quando eu acordava, era a constatação física, completa, que ela não estava mais aqui".
A fisioterapeuta Janice Ortiz perdeu o filho Ricardo, 28 anos, há nove anos. "E um tsunami na vida da gente. Como se morrêssemos com nosso filho. De repente a gente tem que renascer das cinzas e mal se conhece. Em princípio é aquele choque, e a gente não percebe o que está acontecendo em nosso organismo."
Menos de um ano depois, sob o efeito do stress, ela teve uma fratura espontânea na perna, provocada por uma perda de cálcio, que seu corpo passou a ter dificuldade para metabolizar. "Entrei em um stress emocional muito grande, o que alterou todo o metabolismo e depois da fratura fomos entender o que estava acontecendo. Eu estava trabalhando e comecei a sentir a perna. Depois de uns dez dias acabei fazendo uma tomografia, porque não melhorava, e constatou-se uma fratura total.”
Janice descobriu que estava com uma alteração da paratireoide, glândula que ela precisou retirar em seguida. Seu organismo, desregulado pela carga de stress, entendia que tinha excesso de cálcio e eliminava a substância. Além disso, Janice perdeu apetite, depois comeu compulsivamente e adquiriu doenças crônicas no estômago e na tireoide. Sem contar a depressão. “Nunca fui uma pessoa depressiva e hoje não consigo viver sem antidepressivo”, diz.
A Ciência já provou que o luto afeta a saúde, confirma a psicóloga belga Emmanuelle Zech, autora do livro “A Psicologia do Luto” e professora da universidade de Louvain. As pesquisas sobre o tema começaram nos anos 70. “Há estudos que mostram aumento de casos de depressão e mortalidade, de dificuldades que levam ao desenvolvimento de stress pós-traumático e ansiedade”, diz. Todos os sintomas citados por Ana Cristina, diz a psicóloga belga, podem efetivamente ocorrer depois de um período de luto.
“Há também uma vasta literatura sobre os sintomas provocados pelo luto, como tristeza profunda, sentimento de culpa, arrependimento ou somatização. Há muitas evidências de que a perda de uma pessoa próxima, que tem um grande significado na nossa vida, terá um impacto importante na saúde”, explica. Isso entretanto não é uma regra, diz, já que a perda é vivida de maneira muito individual e vai depender das circunstâncias da morte: se ocorre de maneira súbita ou não, de maneira trágica ou natural.
Estudos mostram que o luto aumento o risco de ter um infarto. Isso por conta de uma tríade particularmente perigosa: elevação do ritmo cardíaco, tensão arterial e excesso de coagulação. Outro problema, felizmente raro, também pode ocorrer: é a chamada síndrome do coração partido ou “breaking heart” em inglês, que provoca um enfraquecimento súbito do ventrículo esquerdo.
Os mais expostos à síndrome, amplamente descrita na literatura médica, são os homens viúvos, diz a pesquisadora belga. “Eles têm um risco de acidente cardíaco maior, de ter o coração partido não somente do ponto de vista emocional, mas também físico. Há mortes que ocorrem depois da perda de um cônjuge, causadas por crises cardíacas”, diz.
O aumento do nível do cortisol, o hormônio do stress, também afeta as funções digestivas e o sono. Além disso, como descreveu Ana Cristina e confirmou a psicóloga belga, o sistema imunológico sofre um baque, como aponta um estudo publicado na revista Brain, Behavior and Immunity. A pesquisa mostrou que a vacina da gripe surtia menos efeito em pessoas idosas que haviam perdido um ente querido. Outro problema é a diminuição da cognição, provocada pelo stress crônico, que diminui a massa cinzenta em certas áreas cerebrais.
Direito à tristeza
Grupos de ajuda, atividades associativas ou mudança de vida. As pessoas lidam com o luto à sua maneira para tocar a vida adiante. Em termos médicos, a psicóloga Emmanuelle Zech lembra que a tendência é propor, logo após a perda, antidepressivos, ansiolíticos ou soníferos. Uma tendência, diz, observada na Europa e nos Estados Unidos.
“Não é sempre uma boa opção, é a opção médica. Mas quer dizer também que sofrer quando perdemos alguém é anormal. Vivemos em uma sociedade que transmite muito valores de bem-estar, felicidade, realização pessoal. Estamos dentro de um movimento em que tudo que se distancia do bem-estar e da felicidade se torna algo anormal”, explica. Um comportamento estimulado e reproduzido nas redes sociais. “As relações próximas são fundamentais para a sobrevivência. Então é logico que quando perdemos alguém exista um impacto físico, psicológico e social”.
A fisioterapeuta concorda com Emmanuelle Zech. Segundo Janice, essa “felicidade permanente” de fachada, exibida pelas pessoas nas redes, não deixa espaço para que pessoas como ela possam vivenciar sua perda. “Como você vai viver um luto no meio disso? Exigem da gente que a gente supere. Essa palavra é horrível. E uma dor que não se supera. A gente aprende a conviver com ela”.
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