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sábado, 28 de setembro de 2013

De vigilância e solidão

Num mundo sob ameaça de controle total, superar desconfiança, aprofundar relações pessoais e entregar-se pode ser paradoxal saída…

Por Katia Marko | Imagem: Edward Hopper, Summer interior (1909)
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“E haverá um dia em que não se precisará mais do sexo como meio de reprodução. 
As pessoas serão clonadas e construídas 
de acordo com a função exigida para que a sociedade funcione de maneira perfeita. 
A palavra amor, e não mais sexo, será tabu. 
A felicidade será facilmente comprada em forma de um ‘sedativo’. 
E todos terão a ilusão de viver numa sociedade perfeita.”
Aldous Huxley

Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. Aldous Huxley imaginou tal sociedade na década de 1930, quando escreveu seu livro Admirável Mundo Novo. Nessa época, provavelmente a maioria das pessoas classificava tal obra uma ficção. No entanto, hoje em dia poderíamos chamá-la de obra científica.

A literatura e o cinema cristalizaram os nossos temores em relação ao futuro. Além de Huxley, muitos outros autores tentaram mostrar o perigo da perda da individualidade e do contato humano, imposta pela cultura do medo.

George Orwell temeu que a vida dos cidadãos fosse controlada pela ação de um Estado autoritário, em 1984. Fritz Lang anunciou a alienação e a automação do homem-máquina, no filme Metropolis. Charles Chaplin expôs os riscos da miséria e da desumanização em Tempos Modernos. Stanley Kubrick, a partir de um best-seller de Anthony Burgess, retrata, em Laranja Mecânica, a ultraviolência sem objetivo dos jovens, combatida pelo autoritarismo sem freios do Estado.

Estes são só alguns clássicos, talvez alguns mais extremos que outros. Mas todos já apontavam para a neurose de uma sociedade vigiada, consentida e altamente tecnológica. E acabamos não nos dando conta da crescente falta de contato entre as pessoas. Mas o bom dessa história é que sempre vão existir os “selvagens”, como no livro de Huxley.

Aprimorar as relações humanas, balizadas na confiança e no amor, é uma das prioridades das pessoas que moram na Comunidade Osho Rachana. Viver em comunidade é em si um instrumento poderoso de autoconhecimento. Num ambiente de honestidade e amizade, cada um se torna espelho para o outro e acabamos vendo muitos ângulos diferentes de nós mesmos. Aprender a se relacionar e se comunicar clara e sinceramente acontece de forma mais fácil com outras pessoas que estão na mesma busca. Mas para isso é preciso confiança e entrega.

Esta é uma questão bastante profunda. Podemos até achar que esse não é um ponto difícil em nossas vidas, mas a incapacidade de entregar-se ao amor de coração limpo está na raiz de todos os problemas emocionais. Conforme explica o psiquiatra norte-americano, Alexander Lowen, criador da Análise Bioenergética, a pessoa que foi ferida em suas primeiras relações com seus pais ergueu um conjunto de defesas contra ser ferido novamente — algo que percebe como risco de vida. “Essas defesas não estão apenas em sua mente consciente, pois se estivessem, poderia renunciar a elas quando quisesse. Tendo vivido com elas desde a infância, elas tornaram-se parte de sua personalidade, estruturadas na dinâmica energética de seu corpo. Ela se encouraçou como um cavaleiro antigo para que a flecha do amor não pudesse penetrar em seu coração.”

Lowen afirma que o ego deveria servir ao coração, mas na maioria dos indivíduos o amor está a serviço do ego para aumentar seu poder e sensação de segurança. “Para muitas pessoas, o amor é uma busca por segurança tanto quanto uma busca por prazer e alegria. Enquanto uma pessoa é carente, insegura ou assustada, sua busca por amor está contaminada por desejos orais ou infantis, insatisfeitos, e não é um compartilhar de prazer e vida de todo coração.”

Segundo Lowen, o medo de entregar-se ao amor decorre do conflito entre o ego e o coração. “Amamos com nosso coração, mas questionamos, duvidamos e controlamos com nosso ego. Nosso coração pode dizer: Entregue-se, mas nosso ego diz: Tome cuidado, não se deixe levar; você será abandonado e ferido. O coração, como órgão do amor, é também o órgão da satisfação. O ego é o órgão da sobrevivência: é uma função legítima, mas quando o ego e a sobrevivência dominam nosso comportamento, a entrega verdadeira torna-se impossível.”

Acredito, como Lowen defende, que todos ansiamos por mais contato humano — o que faria nossos espíritos voarem, nossos corações baterem mais rápido e nossos pés saírem dançando. Mas esse anseio não é realizado, porque nossos espíritos estão anulados, nossos corações estão trancados e nossos pés estão sem vida. Se não corrermos o risco de nos tornarmos mais vulneráveis e suaves,  nos entregando ao nosso corpo e nossas emoções, nunca saberemos o que é o verdadeiro amor.

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