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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

[Gênero e Comunicação] A primeira pedra


Idania Trujillo
Adital


Estamos vivendo tempos de mudança. Caíram uns muros, mas levantaram-se outros: os da violência sem freio, da homofobia, do racismo, das dominações; o império do ter acima do ser e o mercado continuam fazendo das suas e ampliando as barreiras entre os que muito têm e quem nada ou quase nada têm, que não é o mesmo, mas dá no mesmo, como diz o poeta. São redefinidas regras da comunicação social. E, em meio a tudo isso, mudam atores, metas, espaços, fontes de financiamento, modos de ser e de fazer na vida internacional, nacional, local, comunitária
Tradução: ADITAL


Imagem: trama.org.ar
Desenvolver a comunicação própria e o protagonismo dos sujeitos sociais é, hoje, um propósito essencial para comunicadoras/res. O desafio que se apresenta é mais amplo e complexo porque requer que nos abramos seriamente aos destinatários, a atores e espaços, e a temas novos de transformação social.
Semear pluralismo nos meios de comunicação para que desenvolvam suas funções informativas mediadoras e a favor do diálogo social continua sendo um desafio para os que se formam na comunicação ou para quem exerce essa profissão e, a partir de diferentes espaços, tentamos desconstruir padrões, papeis e estereótipos cunhados pela cultura patriarcal e capitalista. Esse desafio tem dois aspectos essenciais: satisfazer as necessidades comunicacionais próprias dos atores sociais, comunitários e competir no exigente mundo da cultura de massas que esses setores populares "consomem”.
É preciso colocar a primeira pedra: promover uma mudança e mostrar outras maneiras possíveis de conceber a comunicação como alternativa frente aos meios androcêntricos. Para qualquer comunicador, é imprescindível apreender ferramentas profissionais e metodológicas que sirvam para desmistificar padrões culturais e de comportamento presentes em esferas e espaços da vida cotidiana nos quais os meios de comunicação exercem mediações diversas e complicadas.
Porém, acontece que estamos acostumados, mal acostumados, a pensar em sentido matemático, quando afirmamos que comunicação é igual a meios de comunicação e esses a grandes meios. Esquecemos um segredo: o ser humano necessita inter-relacionar-se e partilhar: comunicar-se é consubstancial ao desenvolvimento. Em reiteradas ocasiões esquece-se que "nunca deixamos de comunicar”. E o fazemos mediante gestos, palavras, pelo modo como nos vestimos, nos comportamos e até nos expressamos em silêncio...

Os meios são os culpados?
Um dos mitos de nossos dias é como os meios constroem o paradigma de homem e de mulher. Porém, será que os discursos midiáticos são os únicos responsáveis por moldar muitos desses mitos?
Se tudo comunica e a comunicação é mais do que uma mensagem emitida poderíamos perguntar-nos: em que nível se desenvolve a ação comunicacional? Quem e como se beneficiam dela? Temos que considerar que não é o mesmo dirigir-se ao espelho ou à almofada que a um grupo, falar ao público, se comunicar com uma comunidade, ou, inclusive, tecer uma rede de intercâmbio com pessoas de outros âmbitos.
Talvez um dos "descobrimentos” mais interessantes da educação e da comunicação popular na década dos 80 foi a valorização que fizeram da vida cotidiana. Quem primeiro fez tal achado foi o movimento de mulheres e dos jovens. Por isso, ainda ressoam lemas como "Democracia no país e em casa”, "O direito à recreação de crianças”. Mais recentemente, o 15 M e Occupy Wall Street desencadearam um interessantíssimo movimento de rebeldia popular, utilizando as redes sociais e a Internet como canais para mobilizar a opinião pública e auto organizar-se desde o ponto de vista político.
De modo que situar a análise de gênero a partir da perspectiva da vida cotidiana nos põe em melhores condições para entender essa dimensão em todo o complexo fenômeno de mediações que constituem o ato de comunicação. Como dizia o educador popular brasileiro Paulo Freire, "Como posso educar sem estar envolvido na compreensão crítica de minha própria busca e sem respeitar a busca dos demais? Isso tem que ver com a cotidianidade de nossa prática educativa como homens e mulheres. Sempre digo homens e mulheres porque, há muitos anos trabalhando com mulheres, aprendi que dizer somente homens é imoral”. (Paulo Freire. El grito del manso, Siglo XXI, Argentina, 2006, p. 112).

A partir da organização comunitária
Muitas são as arestas a partir das quais se podem abordar as relações entre o gênero e a comunicação que se realiza para e com a comunidade e as organizações populares: indígenas, camponesas, afrodescendentes e de migrantes na América latina.
Durante muito tempo, os debates acerca de incorporar o enfoque de gênero a projetos de desenvolvimento comunitário tiveram como base o fato de reconhecer a importância das mulheres como força de trabalho para alcançar o êxito de determinado projeto comunitário, o que significava melhorar suas condições de vida e a de suas famílias; outros davam ênfase nas contribuições culturais que as mulheres podiam fazer ao desempenho de papeis tradicionalmente femininos, a partir de seus conhecimentos e saberes específicos.
Como bem aponta Francisca Rodríguez, integrante do coletivo de mulheres camponesas da organização chilena Anamuri, "o desafio para nós é bem grande porque lutar pela soberania alimentar não só representa defender um valor ético, mas também dar sentido a uma comunicação que visibiliza às mulheres camponesas, indígenas e as suas lutas. Proteger a terra, as sementes e o território faz parte de um esforço maior, o do sumak kawsay ou bem viver, propugnado pelos povos e nacionalidades indígenas do continente”; concepção que está em sintonia com os princípios de economia feminista que também põem no centro do modelo: o bem estar de todas/os, a busca de uma visão de sustentabilidade humana mediante o reconhecimento da diversidade dos povos e sua integração.
A comunicação como ferramenta de aprendizagem e socialização de sentidos políticos tem sido uma aliada estratégica para visibilizar as lutas do movimento de mulheres na América latina. Muitas mulheres aprenderam a re-contextualizar e descolonizar a palavra para fazer outra comunicação, que dialogue com suas necessidades, interesses e aspirações. Daí que já comecem a apreciar-se de modo crescente suas contribuições a partir dos meios próprios, deixando para trás certos mitos como o de que elas "não se encaixam” com as novas tecnologias.
Desde as mais diversas experiências e práticas concretas, elas começaram a colocar a primeira pedra no caminho.

[Original em espanhol, publicado em PERSPECTIVAS].

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