Bruna Romão / Agência USP de Notícias
Cuidadores de idosos na saúde pública também necessitam de um espaço de comunicação e cuidado voltado a si próprios. “Esses cuidadores lidam com situações de muita precariedade, muita dificuldade e estão sofrendo no trabalho. Há um sofrimento do próprio cuidador”, conta a psicóloga Roberta Elias Manna. Em pesquisa do “Ser e Fazer”, serviço de atendimento clínico do Instituto de Psicologia (IP) da USP, ela identificou campos de sentido afetivo-emocional envolvidos no trabalho e relação dos profissionais com os idosos e que demonstram os impactos emocionais dessa vivência para os cuidadores. “Esses campos nos contam a forma como esses cuidadores vivenciam a experiência de cuidado com os idosos. As sutilezas e as delicadezas dessa relação, que se dá no campo inter-humano”.
Foi a partir de uma entrevista coletiva com oito cuidadoras do Programa de Acompanhantes de Idosos (PAI) da Prefeitura de São Paulo que a psicóloga realizou o estudo. No encontro, foi solicitado que as profissionais desenhassem um idoso e narrassem sua história. Segundo Roberta, esta é uma maneira de contar a experiência de serem acompanhantes de idosos em estágio frágil em uma cidade como São Paulo. “O Procedimento de Desenho-Estória com Tema, desenvolvido na USP pela professora Tania Aiello Vaisberg, é um facilitador da comunicação emocional”, diz.
Partindo dos desenhos, foi possível, em uma análise psicanalítica, identificar interpretativamente os campos de sentido afetivo-emocional que fazem parte do imaginário coletivo dessas cuidadoras, ou seja, aspectos que revelam a experiência que esse coletivo de profissionais tem a respeito dos idosos. “É um lugar em que há uma crença subjacente, algo que permeia a relação da cuidadora com o idoso, e a sua vivência com relação a ela”, explica a psicóloga.
Proximidade com o idoso
Roberta identificou, ao todo, seis campos de sentido, que demonstram a proximidade do cuidador com a situação de fragilidade do idoso. Três deles dizem respeito à relação entre cuidador e idoso: “cuidar enobrece a alma”, “cuidado com esse velho!” e “mas eu sou de confiança!”. Os demais fazem referência à situação de fragilidade do idoso: “perdendo a autonomia”, “empobrecendo a convivência” e “vontade de viver(?)”. “São campos que trazem uma condição humana, que é própria da relação do cuidador com o idoso, mas que também diz respeito a todos nós”, relata a pesquisadora.
Cada cuidador do PAI acompanha cerca de dez idosos, cada um com diferentes rotinas e projetos de cuidado, elaborados pela equipe do programa. “O cuidador da saúde pública vai cuidar de vários idosos e vai precisar se adaptar a necessidades muito variadas”, explica Roberta. “Entre os atendidos pelo programa, há idosos em condições psicológicas, físicas e sociais bastante precárias”, conta a pesquisadora. Do contato com essas pessoas também provém relatos de efeitos positivos do trabalho realizado. “É um trabalho de muita delicadeza e às vezes uma ação muito sutil faz uma revolução na vida da pessoa”, diz.
Outro aspecto indicativo da relação de proximidade estabelecida entre acompanhante e idoso é a maneira como as cuidadoras se referiam a eles na entrevista coletiva, chamando-os de “meu idoso”. “Entendi que elas estavam contando uma relação de muita proximidade. Não era um idoso qualquer, era o meu idoso”, comenta a psicóloga.
“Essa forma de ver o idoso vai, sem dúvida, afetar o cuidado”, ela conta. As experiências do cuidador, traduzidas nesses campos de sentido, têm efeito sobre a maneira como ele se relacionará e sobre o tipo de cuidado que virá a permear suas interações com o idoso que acompanha. Por isso, opina Roberta, é necessário que também se volte a atenção ao cuidador, em uma capacitação que vá além do fornecimento de informações técnicas. “Temos uma preocupação de que essa capacitação se dê como uma sustentação emocional para o trabalho que realizam, que é de muita dificuldade”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário