por Amelia Gonzalez
E por aí vai…
A notícia é que no dia 12 de setembro (há uma semana, portanto) o tal PL saiu das gavetas da Comissão de Ciência Tecnologia Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara Federal, onde estava, e seguiu para a análise da Comissão de Constituição e Justiça da Cidadania. São muitas comissões, deputados, letras e regulamentos para analisar e fazer valer por lei uma coisa que qualquer ser humano com um razoável afeto pela infância há de perceber que é razoável. Estamos vivendo um momento de muita ganância por parte das corporações que se dedicam a produzir e vender produtos. No caminho para tentar cumprir metas, alguns limites são extrapolados. O Estado precisa intervir, a sociedade também, segundo acredita a equipe do Instituto.
Conversei com Isabella Henriques, diretora de Defesa e Futuro do Alana, sobre o assunto. Ela contou que a organização está comemorando o fato de o PL ter saído de uma comissão para outra, porque já é um movimento. Mas, quando eu já me enchia de entusiasmo para estourar o espumante, perguntei qual o passo para virar lei e ela respondeu: “Bem, ainda terá que passar pelo Senado”…
O vinho foi guardado. Antes da lei, esperemos, pois, pela adequação das corporações às demandas da sociedade. Abaixo, a entrevista:
Nova Ética Social – O texto original deste PL proíbe qualquer propaganda de produtos infantis. Há um outro texto, menos impeditivo, que o Instituto Alana está apoiando. Como é isso?
Isabella Henriques – O texto original, de 2001, do deputado Luis Carlos Hauly, foi votado e o parecer foi processado em 2008, ainda na primeira Comissão de Defesa do Consumidor, pela deputada Maria do Carmo Lara, que trouxe uma melhoria. Ela quer uma lei federal com uma ideia de que seja proibida não a publicidade de um produto, mas o direcionamento de mensagem publicitária à criança.
NES – Qual a diferença?
Isabella Henriques – É muito diferente. Um é bem restritivo. Mas o da deputada Maria do Carmo, que o Instituto Alana apoia e quer ver aprovado, diz que esses produtos podem ser anunciados para crianças com mais de 12 anos, não traz uma proibição para um setor inteiro.
NES – O que não pode, então, na visão do Instituto Alana?
Isabella Henriques – É preciso entender que a criança está em fase de desenvolvimento físico, psíquico, ideológico, e por isso precisa ser protegida. Ela não consegue responder com igualdade aos apelos publicitários. A criança é visceral, quando uma publicidade diz que ela precisa de uma certa coisa, ela acredita, não tem condições de fazer uma análise crítica, não entende o caráter persuasivo, a complexidade das relações de consumo. Não está no raciocínio dela o fato de se ter, num dia, uma enxurrada de produtos e no dia seguinte outra enxurrada para poder fazer girar a economia de mercado. Para nós, adultos, já é difícil fazer esta reflexão, imagine para a criança. Ela é vulnerável, aliás, hipervulnerável segundo o Código de Defesa do Consumidor.
NES – Como organização da sociedade civil, o Instituto Alana se sente no dever de proteger estes pequenos seres vulneráveis. Mas, me diga, de quem mais é a responsabilidade?
Isabella Henriques – O artigo 227 da Constituição é bem claro, ele inaugura a doutrina da proteção integral da criança e o conceito de prioridade absoluta da infância. A partir deste artigo é que se criou, em 1990, o Estatuto em Defesa da Criança e do Adolescente (ECA). Mas o dever não é só do Estado, o cuidado deve envolver também a família e toda a sociedade. Os professores, os donos de escola, devem se perguntar: qual o interesse de uma empresa gigante, que vende papel, em ir às escolas para ensinar as crianças como preservar o meio ambiente? Tem alguma coisa estranha nisso, e é dever de todo mundo perceber, apontar, diminuir esses direitos que vão sendo adquiridos a partir de uma omissão dos adultos.
NES – Em 2011 o professor Joel Bakan, da British Columbia, no Canadá, lançou um livro chamado “Childhood under Siege” (“Infância sob assédio”, em tradução literal), que ainda não foi traduzido aqui no Brasil, onde faz uma denúncia ainda mais grave, já que as crianças estariam sendo vítimas de uma espécie de “medicamentização” excessiva nos Estados Unidos. Isso está acontecendo aqui no Brasil?
Isabella Henriques – Não de maneira tão agressiva quanto é a denúncia de Bakan. Mas recentemente tivemos a denúncia de uma vitamina C em formato de bala que estava sendo anunciada durante a programação vespertina de televisão. Um absurdo, porque estimula a criança a consumir aquele medicamento sem saber que é um remédio. Fizemos notificação junto à empresa e ainda estamos esperando a resposta. Se não vier nenhuma resposta, vamos encaminhar ao Ministério Público, ao Ministério da Justiça ou ao Procon.
NES – Esta é a rotina do Instituto Alana, fazer denúncias, esperar respostas, levar as denúncias adiante… Vocês contabilizam mais vitórias ou derrotas nesse caminho?
Isabella Henriques – Não contabilizamos de forma ortodoxa. Cada denúncia que fazemos e vai para o Ministério Público investigar, para nós é uma vitória. Se, depois, ele entra com uma ação civil pública, é uma grande vitoria. Se a ação é julgada favoravelmente ao MP, também é uma vitoria. E, se lá na frente o tribunal julgar, é uma vitória ainda maior. Cada pedaço dessa caminhada é uma vitória.
NES – Vocês estão achando que alguma coisa tem mudado na compreensão da sociedade, do poder judiciário, no sentido de entender que a infância precisa ser preservada de tantos apelos?
Isabella Henriques – Hoje existe uma maior compreensão, sim, do próprio poder judiciário. Como a causa é relativamente nova, agora é o momento em que essas ações começam a chegar nos tribunais e começa a ver decisões favoráveis. Poucas, mas bem fundamentadas.
NES – Se o consumo é, hoje, a principal lógica do mercado, a luta de vocês, que de alguma forma pode ser uma meia trava neste consumismo, é um posicionamento também contra o sistema capitalista?
Isabella Henriques – Não, de forma alguma, não estamos levantando bandeiras. Nós acreditamos é que está havendo um grande exagero e que este exagero pode ser pernicioso para o próprio sistema. Não se pode ter uma sociedade que não se olha, que não faz relação, onde o dinheiro é o valor supremo da vida, porque isso não traz felicidade para ninguém. Já está mais do que provado que não se tem um negócio saudável numa sociedade doente e o que está acontecendo é que as pessoas estão ficando doentes. Elas estão procurando mais felicidade, isso não é piegas.
NES – O que está faltando?
Isabella Henriques – Tem várias coisas faltando. Uma delas é a regulação maior do estado porque o mercado hoje se vê sem limites, tudo pode. Outra coisa é um pacto social, nossa sociedade precisa propiciar uma forma de trabalho diferenciada para que os pais fiquem mais tempo com seus filhos, uma carga de horário diferenciado, como um pacto em prol da infância. Não podemos encarar as questões sérias de falta de afeto, de relação, como um problema particular de uma determinada família. Há países onde a licença maternidade chega a 3 anos, mas veja só: é preciso um pacto social porque não adianta nada, também, que a mãe possa ficar três anos com a criança e, no fim das contas, não consiga voltar ao mercado de trabalho.
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