Foto: Marcos Santos/USP Imagens |
por Juliana Prado
Para o antropólogo Edemilson Antunes de Campos, eventos tidos como biológicos não apresentam apenas essa dimensão. O parto, especialmente, é um processo socialmente construído – e pode-se inclusive falar em uma cultura do nascimento, pautada em um modelo instituído. Desse modo, já se tem como natural seu local – o hospital – e quem o assistirá – o médico.
Sediado em uma escola da área da saúde, a Escola de Enfermagem (EE) da USP, o grupo Sociedade, Cultura e o Processo Saúde-doença parte do princípio que a abordagem antropológica pode ajudar a desconstruir esse cenário que parece natural para as pessoas.
A proposta é entender como funcionam as várias formas de nascer, baseando-se na interdisciplinaridade: o professor Edemilson, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, é um dos líderes do grupo, ao lado de Dulce Maria Rosa Gualda, enfermeira e professora da EE. Fazem parte da equipe alunos de cursos relacionados à saúde nos mais diversos estágios acadêmicos, da graduação à pós-graduação.
De acordo com a professora Dulce, do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiatria da EE, seu interesse na área vem de longa data. Em meados dos anos 1980, existiu uma demanda por pesquisa qualitativa na enfermagem e se percebeu que a Escola não dispunha de profissionais que dessem conta disso. “Foram feitos seminários e intercâmbio, e veio para a EE uma enfermeira antropóloga, a norte-americana Madeleine Leininger. Como meu estudo na época trabalhava com um grupo de mulheres em uma favela na cidade de São Paulo, o que ela propunha era o que parecia mais viável. Assim, desenvolvi meu doutorado fazendo uma etnografia dentro dessa comunidade e, partir daí, comecei a trabalhar essa questão da antropologia da saúde, entrei em contato com esses referenciais e passei a adotar essa perspectiva”, rememora a professora.
Dulce Maria Rosa Gualda | Foto: Marcos Santos/USP Imagens |
O início dos trabalhos do grupo se deu na EACH, por conta da presença do curso de obstetrícia, que “vem ao encontro de propostas mais modernas de assistência ao parto, buscando trabalhar a humanização do nascimento”, como explica Dulce.
No início, em 2006, o processo saúde-doença era abordado de forma bastante ampla; hoje, porém, o curso foca a questão do nascimento. É utilizado material teórico e metodológico da antropologia, que ajuda a entender a experiência do nascimento, do adoecimento, do curso da vida, das várias fases como um conjunto e uma sequência, “sempre pensando que o ser humano tem essa dimensão para além do orgânico, para além do corpo fisiológico, que ele também tem seu aspecto cultural, suas crenças, seus valores. Aspectos que buscamos colocar como centrais nos trabalhos de pesquisa”, sintetiza Edemilson.
O parto de cada um
Foto: Wikimedia |
Muitas campanhas de parto humanizado têm sido veiculadas ultimamente e o grupo de estudos, como produtor de material acadêmico, acaba contribuindo com material teórico para a militância. “Há todo um movimento que traz de volta o parto domiciliar ou o parto assistido por parteiras como uma experiência intensa vivida pela mulher e pelo casal. Isso mostra que o parto está além do fisiológico, além daquilo que a natureza coloca”, ressalta o pesquisador. “No exterior é comum esse trabalho interdisciplinar, a participação conjunta de um antropólogo, de um enfermeiro ou de outro profissional da saúde. No Brasil esse diálogo está se iniciando, rompendo as barreiras, inclusive das linguagens das áreas, que são diferentes, bem como as metodologias de trabalho”, complementa.
Nos Estados Unidos, por exemplo, é possível realizar partos em casa, o que não era considerado comum há alguns anos. Há parteiras e escolas, e a maioria delas não possui vínculos com universidades, sendo ligadas a serviços, como acontece na Inglaterra. Assim, os professores consideram esse um movimento mundial, tal como o movimento de direito à saúde, fazendo, todos, parte de um mesmo contexto vivenciado e observado na saúde.
Uma carência que se evidencia nesse cenário é sentida na dificuldade dos médicos do SUS de entender o processo de parto das mulheres bolivianas, que hoje constituem um contingente imigrante significativo dentro da população paulistana. A dificuldade começa com o idioma, porém outros fatores influenciam, como a posição com a qual essa mulher está familiarizada para realizar o parto – e nem sempre o sistema de saúde está preparado para acolher essas diferenças.
Edemilson Antunes de Campos | Foto: Marcos Santos/USP Imagens |
Outro limite desse sistema centrado na perspectiva orgânica é sentido na demanda por diferentes formas de compreensão da saúde e de tratamentos complementares e alternativos, que ganham força e aceitação no momento em que são não exclusivos, mas complementares aos métodos convencionais no meio médico. Para exemplificar, o professor comentou o caso em que um paciente em tratamento no Hospital Sírio Libanês, que é um centro de excelência como tratamento convencional, fez questão, junto à sua família, de que um médium também viesse tratá-lo, de maneira complementar.
Desse modo, a antropologia da saúde e, em especial a antropologia do nascimento vem para mostrar que o nascimento também está ligado às experiências que as pessoas e as famílias vivem, e como essa vivência também se dá na comunidade. “Cada um possui suas crenças, então definir o local, como, e quem vai participar da assistência ao parto são questões, numa perspectiva antropológica, muito mais complexas do que se imagina. É possível nascer de uma forma muito diferente. A gente não nasce da mesma forma”, conclui o docente.
Encontro
Para apresentar as atividades realizadas pelo grupo e alargar o panorama das discussões acerca do tema, em novembro será apresentado o I Seminário do grupo de pesquisa Sociedade, cultura e o processo saúde-doença.
No evento, também será lançado um livro em produção, organizado por ambos os professores, e estarão presentes duas convidadas, as professoras Annette Leibing, doutora em antropologia e professora da Escola de Enfermagem da Universidade de Montreal, e Julie Laplante, doutora em antropologia da saúde e professora assistente da Faculdade de Antropologia da Universidade de Ottawa. Mais informações podem ser obtidas pelo email drgualda@usp.br.
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