A irmã Angélique Namaika abraça Rose, uma das meninas que ajudou. Ela acredita que todas as mulheres devem ter uma educação. |
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AditalBasta caminhar pela pequena e empoeirada cidade de Dungu ou visitar as vilas da redondeza para encontrar algumas das centenas de garotas que a Irmã Angélique Namaika ajudou nos últimos anos neste remoto e instável canto da República Democrática do Congo (RDC). A freira católica tem estas meninas como filhas, cujas vidas destroçadas ela ajudou a reconstruir.
Por seu trabalho em ajudar os mais vulneráveis, deslocados internos e as vítimas do brutal Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês) na província Orientale, o ACNUR este ano concedeu à Irmã Angélique o Prêmio Nansen.
Este é mais um reconhecimento pelo trabalho que faz com aproximadamente 2 mil mulheres e meninas que a freira tem ajudado ao longo de anos no nordeste do Congo, na experiência do deslocamento forçado,uma vez que, em 2009, ela própria foi forçada a deixar sua casa e fugir com muitas outras pessoas por causa de um ataque do LRA em Dungu.
Assim como outros jovens e adultos vítimas do LRA, ela afirma que foram momentos bastante difíceis. A freira havia começado seu trabalho com mulheres em Dungu um ano antes do ataque. Além desta traumática experiência, foi sua admiração pela resiliência e coragem das vítimas que conheceu que reforçaram nela a determinação de seguir adiante.
Desde 2008, Irmã Angélique tem ajudado as mulheres mais vulneráveis por meio de sua organização humanitária, o Centro para Reintegração e Desenvolvimento. Muitas delas foram capturadas, sofreram violência física e sexual, incluindo o estupro. O estigma as impede de se reintegrar à sociedade.
Irmã Angélique as ajuda a recuperar sua autoestima e vontade de viver ensinando-as um ofício, alfabetizando-as, dando a elas apoio para encontrar trabalho, oferecendo abrigo e mostrando que alguém se importa com elas. Este trabalho exige muito – tanto emocionalmente quanto fisicamente. A freira conversou com a repórter do ACNUR Celine Schmitt sobre o que a move, sobre as histórias de mulheres que a tocaram e a motivaram, além de falar sobre as razões que não a fazer desistir:
"Há dois anos eu estava em uma igreja quando alguém me chamou e disse: ‘Irmã, sua irmã a espera lá fora’. Sai meio confusa e vi uma garota sentada na rua com um bebê muito pequeno. Ela vendia carvão. Aproximei-me, levei-a para o centro onde ajudava outras mulheres e pedi que ela me contasse sua história”.
Rosa* tinha 16 anos e passou um ano e oito meses em poder do LRA. Quando a irmã a encontrou, ela tinha acabado de ser resgatada pelo exército de Uganda. Ainda estava traumatizada e tinha sido contaminada por uma doença sexualmente transmissível.
Ela foi a Dungu encontrar sua mãe, que a rejeitou e a acusou de fazer parte do LRA. Ela não tinha para onde ir e planejava voltar para a mata. A menina também não tinha outro meio de sobreviver a não ser vender carvão. Isto não era tudo: seu bebê estava doente, mas Rosa não tinha condições de levá-lo ao hospital. "Eu não podia deixá-la na rua, então pedi que ela viesse morar comigo”, disse a irmã.
"Sempre ajudei mulheres e meninas, mesmo antes de chegar a Dungu. Estou convencida de que todas as mulheres devem ter acesso a educação, mesmo se precisaram deixar a escola porque ficaram grávidas, casaram ou para ajudar a família. As mulheres precisam ter meios de ganhar dinheiro, foi por isso que passei a ensiná-las ocupações como costura, panificação e cozinha”, explicou.
"Ensinei-a a cozinhar e costurar. Dois dias depois, ela começou a fazer pães e a vender mandazis (donuts). Hoje ela os vende no mercado e faz roupas para mulheres e crianças. Rosa sonhava em ganhar uma máquina de costura – hoje ela tem uma. Seu filho, agora com dois anos, recuperou a saúde e ela se reconciliou com sua mãe”.
A irmã Angélique fala também de Simone*, uma viúva de 45 anos, como outro exemplo da força interior das mulheres que passaram por tanta violência. O marido dela foi morto pelo LRA em 2005. De tão pobre, ela os nove filhos viveram ao relento por muitos anos. Ensinou-a fazer pães e a convidou a participar dos serviços de restauração. Hoje ela consegue pagar a escola dos filhos.
"Não as alimento; eu as ajudo a aprender uma ocupação e a refazer suas vidas”, comenta, explicando que sempre diz que elas têm nas mãos o poder de ganhar dinheiro e só precisam usá-las. "Uma vez que passam a ter um rendimento, elas estão aptas a cuidar de sua família e manter os filhos na escola”.
A irmã também as ensina a ler e a escrever "porque suas vozes precisam ser ouvidas”. Elas precisam saber falar em público, por isso precisam tanto de educação. A irmã acredita que educar mulheres é como educar uma nação inteira porque são elas que educam as crianças.
Patricia* é outro exemplo de vida extraordinário, para a reliogiosa, que diz que sua história a tocou profundamente. Ela tem 45 anos e 12 filhos. Dois de seus filhos foram capturados pelo LRA e seu marido perdeu a visão de um olho. Ela nunca foi à escola, mas agora – um ano depois do curso de alfabetização – consegue ler uma carta.
"Outra parte importante do meu trabalho é ajudar as mulheres a se recuperar do trauma. Estar com outras mulheres é produtivo porque nós brincamos, damos risada, cantamos. Durante as aulas de alfabetização, discutimos assuntos que afetam a todas e tentamos buscar soluções. Quando as mulheres têm uma ocupação, elas sofrem menos, e quando estão felizes, toda sua família está”.
"Prometi a mim mesma que jamais perderia a coragem de ajudar estas mulheres. Elas me tem como uma mãe. Mesmo se eu tivesse apenas um par de sapatos, ainda assim preferiria dar o que tenho para ajudá-las... Sua força e coragem me tocam demais. Todas elas sofreram muito, foram forçadas a se deslocar, perderam familiares e foram vítimas de violências terríveis, incluindo violência sexual. Se tiveram seus maridos assassinados, tiveram de garantir a sobrevivência de sua família. E, apesar de tudo isso, não perderam a vontade de aprender e a trabalhar.”
* Nomes trocados por questões de segurança.
Por: ACNUR
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