Por Aline Pinheiro
Depois do sucesso do projeto piloto implantado em algumas regiões do país, o governo da Inglaterra quer ampliar o uso da Justiça Restaurativa nos próximos três anos. O Ministério da Justiça anunciou, nesta semana, um investimento de 29 milhões de libras (cerca de R$ 105 milhões), dinheiro proveniente de multas pagas pelos próprios condenados. A ideia é apostar na Justiça Restaurativa para diminuir os impactos do crime nas vítimas e reduzir a reincidência, considerada bastante alta na Inglaterra.
O programa, que permite que vítima e ofensor dialoguem sobre os motivos e consequências do crime, vem sendo implantado aos poucos no país. Ao longo do último ano, apenas 1% das vítimas se submeteu aos procedimentos da Justiça Restaurativa. Ainda assim, os números são animadores. Das vítimas, 85% ficaram satisfeitas depois de conversar com seus algozes. Com relação a esses, uma estimativa aponta que a Justiça Restaurativa reduz em 14% a chance de reincidência no crime.
Dados do governo revelam que metade dos presos na Inglaterra comete outro crime em até um ano após deixar a cadeia. Esse número sobe para quase 60% se forem considerados só os crimes de baixo poder ofensivo, como furtos. O aumento do orçamento para a Justiça Restaurativa é visto como um investimento já que, ao diminuir a alta reincidência no crime, deve também reduzir os gastos com a Justiça Criminal e o sistema penitenciário.
Na prática, a chamada Justiça Restaurativa consiste em permitir que a vítima converse com seu ofensor, seja pessoalmente ou por videoconferência. As duas partes precisam concordar com o encontro. A esperança é que os dois lados do crime, ao se encontrarem e conhecerem nome e motivos do outro lado, possam compreender o que aconteceu e seguir em frente. Para a vítima, isso significa superar eventuais traumas e, em alguns casos, recuperar o bem material que foi perdido. Para o condenado, a expectativa é de que, ao enxergar o mal que causou, resolva deixar o crime e começar uma nova vida.
Relatos de ONGs que ajudam vítimas dão conta que muitas pessoas só conseguem superar o trauma depois de encontrar seu agressor e enxergar que ele é uma pessoa como qualquer outra. A ideia dos encontros é dar oportunidade também ao ofensor de pedir desculpas e propor uma maneira de reparar o dano, por exemplo, com trabalho voluntário para ajudar a comunidade onde vive.
Assalto
Em setembro, a BBC publicou o depoimento de um de seus jornalistas que foi assaltado com faca enquanto caminhava por uma rua deserta em Londres. Foi oferecida a Tom Symonds a oportunidade de encontrar o assaltante, que já estava preso, e ele topou. Os pais do condenado também participaram do encontro. Symonds contou que ficou um tanto quanto irritado quando o assaltante, que tinha 20 e poucos anos, revelou que resolveu roubar seu celular e sua carteira só porque queria ir ao shopping fazer compras no dia seguinte. Ainda assim, ele considerou a conversa produtiva, ouviu um pedido de desculpas e uma promessa de que o preso não voltaria a cometer nenhum crime depois que saísse da cadeia.
Em dezembro, uma lei prevista para entrar em vigor deve impulsionar a Justiça Restaurativa no país. Atualmente, os procedimentos acontecem principalmente depois que o crime já foi julgado e que o condenado já está cumprindo pena. A nova lei permite que os juízes suspendam o andamento da Ação Penal para permitir que a vítima e o acusado tenham a oportunidade de se encontrar e discutir qual a melhor forma de reparar os danos causados. Depois, a bola volta para o Judiciário, que fica encarregado da punição, já que a Justiça Restaurativa não afasta a aplicação de penas.
Escola do crime
A reincidência é um dos principais problemas da criminalidade na Inglaterra. Há pelo menos três anos, o governo vem estudando maneiras de reduzir a chance de um condenado cometer outro crime. No final de 2010, o governo britânico apresentou um pacote de sugestões para combater a reincidência e divulgou números assustadores.
Estatísticas do Ministério da Justiça britânico revelaram que a população carcerária praticamente dobrou no período entre 1993 e dezembro de 2010. Na época, a população carcerária na Inglaterra e no País de Gales era de 85 mil, o que significa uma pessoa presa para cada grupo de 658 habitantes. Metade dos presos comete outro crime antes de completar um ano da saída da prisão. O número aumenta quando se trata de jovens: 74% dos jovens que vão parar atrás das grades cometem outro crime em até um ano depois de sair da prisão. O custo dessas reincidências para os cofres públicos, segundo o governo, pode chegar a 10 bilhões de libras (cerca de R$ 35 bilhões).
O ponto nevrálgico são justamente aqueles que cometem crimes pouco ofensivos. Em 2008, 61% dos condenados a pena inferiores a um ano reincidiam pelo menos uma vez logo nos 12 primeiros meses de liberdade. A droga e o álcool também são problemas a serem enfrentados. Mais de 70% dos prisioneiros que responderam a uma pesquisa divulgada pelo Ministério da Justiça afirmaram ter usado drogas um ano antes de serem presos. Pouco menos da metade tem problemas com álcool.
Ao longo dos últimos anos, o governo vem anunciando medidas para combater a reincidência. Um dos planos já anunciados é monitorar ex-detentos por um ano depois que deixarem a prisão. A proposta é que, a partir de 2015, todo mundo que ficar preso, seja por um dia ou por 10 anos, terá de se submeter a um programa de reabilitação assim que deixar a cadeia. Atualmente, apenas os condenados por crimes graves passam por um período de liberdade condicional antes de, finalmente, encerrar sua prestação de contas com a Justiça.
O foco da grande reforma no sistema penal também tem sido as vítimas e a melhor forma de repará-las. Desde setembro de 2011, está em vigor uma lei que permite que 40% do salário dos presos sejam confiscados em prol das vítimas. Todo o dinheiro tomado é encaminhado diretamente para uma instituição de caridade chamada Victim Support, que há quase 40 anos ajuda vítimas de crime. A ajuda é tanto psicológica como material, por exemplo, reparando danos à propriedade das vítimas. Em julho de 2012, o confisco foi questionado na Justiça e teve sua legitimidade confirmada pela Corte Superior de Justiça da Inglaterra — clique aqui para ler a decisão em inglês.
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico
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