Cientistas descobrem que a depressão, o alcoolismo e a obesidade podem ser tratados com a ajuda das recordações dos pacientes
Mônica Tarantino
A possibilidade de recorrer às lembranças armazenadas na mente para ajudar no tratamento de doenças é tema de um conjunto robusto de estudos recentes. Há experimentos nessa linha visando melhorar o tratamento da depressão, do alcoolismo e até para ajudar as pessoas a planejar melhor o seu futuro.
INFORMAÇÃO
Dalva acredita que as novas pesquisas ajudam a conhecer
melhor os mecanismos por trás da memória
Um dos trabalhos mais interessantes foi feito pelo cientista Tim Dalgleish, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e teve como alvo a depressão. Primeiramente, Tim e seus colegas convidaram pacientes a reunir 15 recordações positivas. Pesquisas anteriores haviam indicado que recordar situações felizes melhora o humor de quem convive com a enfermidade. Além de comprovar esse dado, os pesquisadores queriam saber qual seria a estratégia mais eficiente para facilitar o acesso a esse banco de boas lembranças e mantê-las vívidas, uma vez que a doença tende a apagar seu brilho. Por isso, o segundo passo foi pedir aos voluntários que organizassem as lembranças empregando métodos diferentes. Enquanto uma ala associou suas reminiscências a um local ou objeto que pudesse ser usado como um gatilho para trazê-las à tona (a visão de um prédio no caminho do trabalho, por exemplo), a outra as agrupou por semelhança. “Aqueles que usaram a técnica de vincular as memórias a locais ou objetos tiveram resultados significativamente melhores”, concluiu Dalgleish.
Autora de pesquisas polêmicas, a psicóloga Elizabeth Loftus, da Universidade da Califórnia (Eua), estuda de que modo a criação de falsas memórias pode ser útil no controle do alcoolismo e da obesidade. Com esse objetivo, recrutou 147 universitários que se dispuseram a responder a um questionário sobre os seus alimentos e bebidas preferidos antes dos 16 anos. Foram também estimulados a relatar se alguma vez passaram mal após tomar muita vodca ou ingerir rum e questionados se isso realmente aconteceu.
Uma semana depois, receberam seus perfis traçados pelos pesquisadores. Embora a maioria dos textos se restringisse às informações dadas pelos jovens, alguns continham relatos falsos de enfermidades sofridas na adolescência por causa de consumo excessivo de rum ou vodca. Após recontar o que tinha acontecido e preencher outro questionário, cerca de 20% dos participantes realmente assumiram essas memórias inventadas como verdadeiras. A maioria deles reduziu o consumo da bebida associada ao mal-estar. Em trabalhos anteriores, a cientista havia constatado que pessoas que acreditam ter ficado doentes na infância por ter ingerido determinado alimento passavam depois a evitá-lo. “Imaginamos que usar essa engenharia da mente pode direcionar as pessoas para uma vida mais saudável”, disse a pesquisadora.
A estratégia de criar falsas memórias desperta críticas. Mas a cientista ressalta que esse pode ser um recurso para usar a maleabilidade da memória a nosso favor. “O que é preferível: um garoto saudável com um pouco de falsa memória ou com diabetes e obesidade?”, questiona Elizabeth. Experimentos como esse despertam a atenção da comunidade científica. “São pesquisas valiosas para se conhecer melhor os mecanismos da memória”, diz a neurologista Dalva Poyares, da Universidade Federal de São Paulo.
SEM TRAUMA
Izquierdo realiza experimentos, em animais, para fazer com
que eles não se recordem de lembranças ruins. No futuro,
o método pode auxiliar contra o estresse pós-traumático
Na Universidade de Harvard (Eua), o cientista Daniel Schacter investiga as semelhanças entre o que se passa no cérebro quando lembramos de acontecimentos do passado e o que imaginamos para o futuro. Com exames de imagem, ele constatou que as duas situações mobilizam as mesmas áreas, como o hipocampo e o córtex pré-frontal. “Portanto, não é surpreendente que alguns desses eventos imaginados possam realmente se transformar em falsas memórias”, disse Schacter à ISTOÉ.
O cientista também estuda maneiras de fazer com que as pessoas comecem a usar o banco de lembranças para que consigam planejar o futuro e tomar as melhores decisões. “Quando usamos as informações guardadas na memória, ficamos mais propensos a ser menos impulsivos e mais ponderados nas decisões a longo prazo”, garante o pesquisador. No Brasil, o cientista Ivan Izquierdo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e mundialmente reconhecido por suas investigações sobre a memória, testa, em animais, métodos para impedir que lembranças traumáticas subam à tona. “No futuro, essas técnicas poderão ser aplicadas no tratamento de males como estresse pós-traumático, no qual é imprescindível lidar melhor com o evento que causou o problema”, explica Izquierdo.
Fotos: Rafael Hupsel/Ag. Istoé; Gilson Oliveira/Divulgação PUCRS
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