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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Robert Bea: "As maiores tragédias vêm da ganância"

Um dos maiores estudiosos de catástrofes do mundo afirma que quase todo desastre pode ser evitado. Para isso, é preciso que governos e empresas se preparem

FELIPE PONTES

O HOMEM DOS SINISTROS Robert Bea, em 2010. Ele estuda a causa de desastres desde 1959 (Foto: Paul Chinn/Corbis/Latin Stock)
O HOMEM DOS SINISTROS Robert Bea, em 2010. 
Ele estuda a causa de desastres desde 1959  
(Foto: Paul Chinn/Corbis/Latin Stock)
O americano Robert Bea, de 76 anos, é um dos maiores especialistas em desastres no mundo. Ele investiga a causa de catástrofes desde 1959, quando analisou o naufrágio de uma plataforma petrolífera próxima à costa de Nova York. Em mais de 50 anos, Bea, professor emérito da Universidade Berkeley, estudou casos como o desastre da nave espacial Columbia, em 2003, e a explosão da plataforma da British Petroleum (BP) no Golfo do México, em 2010. “Todo desastre é uma mistura de perigos naturais, a que sempre estamos sujeitos, arrogância e presunção humana.” Essa regra é aplicável, segundo ele, mesmo a tragédias causadas por eventos naturais, como o tufão nas Filipinas. Para Bea, os filipinos e seus governos se tornaram complacentes com os tufões.  

ÉPOCA – Já existe tecnologia suficiente para prevenir qualquer desastre, excluindo o natural?
Robert Bea – Não acredito que existam desastres naturais. Há muitos perigos naturais, como tempestades intensas, enchentes, terremotos e erupções vulcânicas, mas eles só se tornam desastres porque as pessoas não se preparam devidamente. Elas simplesmente não aprendem. Por isso, continuam a acontecer. Todo desastre, que acontece mais cedo ou mais tarde, é uma mistura de perigos naturais, arrogância e presunção humanas. Há outro fator importante nesses desastres: a complexidade dos sistemas criados. Eles se tornaram maiores, mais interconectados, complexos e interdependentes. Falhamos em compreendê-los. Quando uma parte do sistema falha, as outras são adversamente afetadas e também dão problemas. Temos conhecimento e experiência para prevenir esse tipo de desastre. Geralmente, não usamos.

ÉPOCA – Sua tese vale também para o caso do tufão nas Filipinas? É um país pobre e relativamente despreparado. A tragédia poderia ter sido evitada?
Bea – As Filipinas são ocupadas há milhares de anos. Seus primeiros habitantes, quando construíam nas áreas próximas ao mar, buscavam construir em regiões altas e fortes para evitar os efeitos de tufões. Construíam de maneira que as edificações, caso destruídas, pudessem ser reconstruídas facilmente. Também costumavam evacuar para locais mais elevados muito antes de a tempestade começar. Tinham reservas alternativas de água e outras coisas de que precisavam para sobreviver e recomeçar. Aprenderam a lidar com tufões. Recentemente, os filipinos passaram a construir cidades grandes demais e fragéis em áreas costeiras de baixa altitude. Os habitantes das Filipinas e seus governos se tornaram mais complacentes.

ÉPOCA – Esse conhecimento de como lidar com tufões foi perdido?
Bea – Exatamente. À medida que as grandes cidades filipinas foram construídas após o final da Segunda Guerra Mundial, a história e esse conhecimento foram esquecidos. É por isso que eles construíram em locais baixos, de maneira despreparada. O conhecimento de evacuação prévia também foi abandonado. Atualmente, eles só saem das regiões atingidas pelos tufões de maneira tardia e incompleta. A quantidade imensa de mortos e feridos é um testamento dos sistemas de emergência que caracterizam as cidades modernas das Filipinas.

ÉPOCA – Os Estados Unidos sofrem todos os anos com tornados destrutivos. Em março, a cidade de Moore, no Estado de Oklahoma, foi devastada por um deles e não tinha sequer um abrigo comunitário. Por que mesmo nações ricas têm dificuldades em se preparar contra desastres naturais?
Bea – Quando falhamos em nos preparar, nos preparamos para falhar. É possível projetar, construir, operar e manter instalações como abrigos subterrâneos como proteção contra tornados. Essa estratégia custa caro. Mas esse dinheiro pode ser poupado em gastos futuros associados a lesões e mortes, problemas em serviços e perdas em produtividade. A história mostra, no entanto, que costumamos seguir um roteiro a cada desastre. Superamos o luto. Reconstruímos o que foi destroçado. Ficamos esperançosos de que não aconteça novamente. E voltamos o mais rápido possível para nossa vida normal, sem que nada de substancial tenha sido feito em termos de prevenção.

ÉPOCA – As falhas humanas sempre são as principais responsáveis por desastres de grande escala?
Bea – Qualquer falha de engenharia é humana e organizacional. Entre os exemplos estão os acidentes dos ônibus espaciais Challenger e Columbia, da Nasa (a agência espacial americana). Essas falhas foram encorajadas e se desenvolveram por causa da gestão inadequada motivada por pressões econômicas, que induziram os engenheiros a reduzir as margens de segurança. Essa falta de proteção adequada é causada principalmente pela busca excessiva por eficiência, reduzindo gastos para aumentar os lucros. Todo desastre é uma mistura de perigos naturais, a que sempre estamos sujeitos, arrogância e cobiça.

ÉPOCA – Como sanar problemas derivados da cobiça? É natural que as empresas e organizações queiram poupar dinheiro.
Bea – Esse é o poder da imprensa responsável, que deve trazer isso à atenção do público, do governo, da indústria e dos representantes do meio ambiente. É preciso mostrar o que acontece e não acontece, para que ações corretivas possam ser executadas e se possa lidar com desastres que ainda estão em desenvolvimento.

ÉPOCA – É possível enxergar uma mudança de comportamento no horizonte?
Bea – Sim, mas ela acontece lentamente. Nosso progresso em desenvolver sistemas e estruturas mais complexos e mais perigosos evolui mais rapidamente que nossa habilidade em aprender a geri-los de maneira apropriada. Caso essas diferenças persistam, presenciaremos desastres bem dolorosos num futuro próximo.

ÉPOCA – O senhor foi uma das testemunhas do julgamento da British Petroleum no vazamento de petróleo no Golfo do México. O que achou do comportamento da empresa?
Bea – Não posso determinar se, com base na lei, a BP foi criminosa ou grosseiramente negligente. Disse o que eles deixaram de fazer e que aquilo foi trágico e escandaloso. A gestão da BP tinha conhecimento e experiência necessários para prevenir e mitigar o desastre, mas não o fez.

ÉPOCA – Que desastres mais o chocaram em sua carreira?
Bea – A explosão da plataforma Occidental Petroleum Piper Alpha em 1988, no Mar do Norte, seguida rapidamente pelo derramamento do petroleiro Exxon Valdez em 1989, no Alasca. Logo depois, colocaria o desastre do ônibus espacial Columbia e o derramamento da BP.

ÉPOCA – Por que o acidente da plataforma Occidental Petroleum Piper Alpha o marcou mais?
Bea – Foi a primeira investigação em que reconheci que a empresa responsável, a Occidental Petroleum, foi a principal culpada pela tragédia. Ela fora avisada por diversas vezes de que havia problemas de segurança no sistema da plataforma. Mesmo assim, não tomou nenhuma medida apropriada para remediar os problemas. Pelo contrário, aumentou a produção da plataforma. Isso continuou até a estrutura explodir, matando 167 pessoas. Estava lá quando o prédio do alojamento foi rebocado do fundo do mar, com 70 corpos ali dentro. Foi chocante. Infelizmente, as maiores tragédias vêm da ganância.

ÉPOCA – O senhor investigou o desastre da plataforma P36 da Petrobras, que afundou em 2001. O que causou o acidente?
Bea – A gestão da plataforma P36 repetiu muitos dos mesmos erros da Occidental Petroleum no desastre da Piper Alpha. A Petrobras recebeu muitos avisos sobre as condições deteriorantes da P36. Falhou em tomar as ações preventivas. O sistema continuou a deteriorar até começar um incêndio numa de suas colunas. Foi outro desastre que poderia ter sido evitado.

ÉPOCA – Muitos governos e companhias o procuram. Já houve caso em que seu trabalho foi desmerecido por criticá-los?
Bea – Nunca fui maltratado por agências governamentais. O tratamento ruim parte de representantes de companhias e grupos industriais que se dizem profissionais. Minhas críticas sobre os erros da BP foram consideradas severas. Em outras palavras, querem continuar a operar basicamente como operavam antes do desastre.

ÉPOCA – Por que fazem isso?
Bea – Muitas empresas não aceitam mudanças em sua gestão. Os problemas centrais desses grandes desastres são firmemente enraizados em falhas de gestão. 

http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2013/11/brobert-beab-maiores-tragedias-vem-da-ganancia.html

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