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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Pesquisas mostram que o método da educação autoritária não funciona

BUSCA PELA EXCELÊNCIA Amy Chua,  a mãe-tigre, com as filhas Lulu e Sophia. Elas deram certo, mas as pesquisas mostram que  são exceção (Foto: Nancy Kaszerman/ZUMA Press/Corbis)
BUSCA PELA EXCELÊNCIA
Amy Chua (à direita), a mãe-tigre, com as filhas
Lulu e Sophia. Elas deram certo, mas as pesquisas
mostram que são exceção
(Foto: Nancy Kaszerman/ZUMA Press/Corbis)

Ser filho de uma mãe-tigre não é uma receita de sucesso, muito menos de felicidade. E causa problemas

THAIS LAZZERI

Quando o livro da sino-americana Amy ChuaGrito de guerra da mãe-tigre (ed. Intrínseca) foi publicado, há dois anos, começou um árduo debate sobre a melhor maneira de educar os filhos. No livro, Amy, professora da Universidade Yale, nos Estados Unidos, defendeu rigidez nos estudos e nas aulas de música (violino ou piano) para criar gênios. Assim, dizia ela, pais chineses criavam seus filhos. O método ficou conhecido como “mãe-tigre”. Para demonstrar o funcionamento, Amy contou em detalhes, no livro, como era o dia a dia com suas filhas, Sophia e Lulu, hoje adultas e bem-sucedidas. Ela obrigava as filhas a estudar várias horas por dia, todos os dias, sem nenhum tipo de entretenimento. No livro, as expôs publicamente – numa passagem, chama uma delas de lixo. Para Amy, o esforço seria recompensado pelo sucesso acadêmico. Por isso, dizia ela, as famílias ocidentais falham na criação dos filhos. Os pais exigem pouco e produzem jovens desinteressados e preguiçosos. A polêmica que o livro provocou nos EUA chegou também ao Brasil. Escolas procuradas por ÉPOCA afirmam que o método “mãe-tigre” gerou intenso debate em 2011. Os pais levavam os pontos de vista de Amy às reuniões com professores.

Para Su Yeong Kim, pesquisadora de desenvolvimento humano na Universidade do Texas, o comportamento de Amy não surpreende. Ela estuda o comportamento de mais de 400 famílias sino-americanas, como a de Amy, há mais de uma década. O estudo de Su, considerado o mais completo já produzido, foi publicado neste ano. Com base em questionários respondidos por pais e filhos sobre educação e relacionamento familiar, Su identificou no grupo pesquisado quatro tipos de pais: “relapso”, “apoiador“, “autoritário” e um que chamou, inicialmente, de “tirano”. Ao ler as primeiras reportagens sobre o livro de Amy, Su passou a chamar os tiranos de “tigres”. Os resultados de sua pesquisa sugerem que ser uma mãe ou um pai-tigre, ao contrário do que Amy afirma, é um comportamento pouco comum nas famílias chinesas – menos de 7% dos pais se encaixaram nesse perfil. “A maioria valoriza a educação e dá apoio para que a criança consiga progredir”, afirmou Su a ÉPOCA. O sucesso acadêmico tampouco se mostrou comum nessas famílias. Os filhos dos tigres, concluiu a pesquisa, frequentemente vão mal na escola e têm dificuldade em construir amizades. Até com os pais se relacionam mal.

Por que a pesquisa de Su mostrou uma realidade tão diferente daquela descrita por Amy? Uma série de equívocos históricos e culturais explica essa diferença. Seu primeiro equívoco foi apresentar seu método de educação como intrinsecamente chinês. É verdade que valores como perseverança e determinação, que Amy defende, foram promovidos na China durante a Era Maoísta, de 1949 e 1976. Mas, a partir do século XXI, esses valores tradicionais da sociedade chinesa passaram a ser considerados fora de moda, segundo a antropóloga Terry Woronov. Ela estuda infância na China contemporânea, principalmente em áreas urbanas, para a Universidade de Sydney, na Austrália. Passou dois anos pesquisando sobre o tema na China. Para Terry, o modelo de educação praticado por chineses em todo o mundo, hoje em dia, é uma combinação entre tradição e ideologia chinesas com práticas ocidentais. Nada tem a ver com as práticas autoritárias de Amy.

Nem na China se usa mais a educação autoritária. 

No longo prazo, ela só causa problemas

O segundo equívoco da mãe-tigre, apontam as pesquisas, é menosprezar o choque cultural que as famílias chinesas enfrentaram em solo americano. Os pais chineses e seus filhos combinaram seus valores e crenças ao que percebiam de melhor na nova cultura. O resultado não é educação chinesa; é educação mista. O terceiro erro de Amy foi apresentar sua maneira de criar as filhas como um modelo de sucesso. Há três décadas pesquisadores investigam o impacto da educação rigorosa no curto e no longo prazo. A produção científica é conclusiva: ser filho de uma mãe-tigre não é uma receita de sucesso, muito menos de felicidade.

Nos anos 1980, o professor de desenvolvimento infantil David Elkind alertou sobre os riscos de criar filhos dessa maneira. Seu mergulho no universo infantojuvenil resultou no clássico Sem tempo para ser criança: a infância estressada. À medida que a cobrança por resultados cresce, afirma David, diminui a chance de a criança tentar experimentar, porque não pode cometer erros. Sem prazer, estudar fica chato. Esse ciclo compromete a curiosidade e a criatividade. O psicólogo Yves de La Taille, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, compara essa criança a uma máquina que funciona apenas buscando resultados. Por ser máquinas, não sabem interagir nem fazer as próprias escolhas. Em outras palavras, não desenvolvem habilidades sociais essenciais à sociedade atual, como relacionamento interpessoal e tomada de decisões.

A criança, por não conseguir atingir as metas impostas pelos pais, sente que não é boa o suficiente. “Sem autoestima, perde a confiança em si mesma”, diz Yves. “Isso pode levar à sensação de fracasso para a vida toda.” Essa foi a trajetória de Kim Wong Keltner, de 43 anos, sino-americana, filha de uma mãe-tigre. No começo do ano, Kim lançou Tiger babies strike back (Bebês tigres contra-atacam, em tradução livre, sem previsão de ser lançado no Brasil). Para Kim, a falta de afeto era o que mais incomodava. “Não recebia nem abraços nem beijos de boa-noite. Quando tentava abraçá-los, me perguntavam por que estava fazendo aquilo”, disse Kim a ÉPOCA. Ela se sentia frequentemente fracassada. Ainda hoje diz ser tomada por esses pensamentos. Kim precisou se afastar dos pais para recomeçar. Casou-se, mora a três horas de distância dos pais e, com o marido, decidiu fazer uma família diferente daquela que teve. Sua filha Lucy tem 9 anos. Desde que a menina nasceu, diz Kim, fazê-la feliz tem sido sua missão.

Mãe-tigre na prática (Foto: ÉPOCA)

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