Por Danilo Montemurro
Polêmico, mas nem tanto. A doutrina e a jurisprudência já consolidam o entendimento de que o instrumento popularmente conhecido como "contrato de namoro", firmado com o propósito de afastar ou impedir o reconhecimento da união estável e seus efeitos, é nulo de pleno direito e por alguns taxado de inexistente.
Em que pesem existir algumas teses em contrário, as quais revelam adeptos que defendem a existência e a validade do contrato, minha singela opinião é que tal discussão não garante efeito prático nenhum àqueles que buscam, no contrato, uma proteção a possíveis investidas desleais de seu namorado ou namorada.
Explico melhor: indiscutível que o objetivo de tais contratos seja a proteção patrimonial, para evitar, em princípio, que um mero namoro possa, injustamente, garantir a metade dos bens de alguém. Ademais, a proteção é justificável, em face da enorme dificuldade em determinar quando termina o namoro e quando começa a união estável.
A desmedida interferência legislativa na vida privada do brasileiro, especialmente em matéria de Direito de Família, sustentada na presunção do legislador pela vontade do homem médio, causa um enorme sentimento de insegurança e um afã desesperado de encontrar estratégias legais que contornem dispositivos indesejados. Nada mais justo e natural.
O problema é que a via eleita e propagada pela mídia não especializada não é adequada para o fim a que se destina. Existem outras ferramentas de proteção, diferentes do tal contrato.
A natureza jurídica do "contrato de namoro"
O mencionado documento, no afã de afastar o reconhecimento da união estável, estabelece verdadeira declaração, expressa pelo casal, de que não vivem em união estável, de que são apenas namorados, de que não têm o objetivo de constituir família e, principalmente, não contribuem para a constituição de patrimônio comum. Em resumo é isso.
Assim, não há acordo sinalagmático, não há direitos nem obrigações, mas tão somente uma mera declaração de existência de uma situação de fato, a qual nem jurídico é, pois namoro não é conceituado e tampouco disciplinado pela lei. É um mero acontecimento irrelevante para o Direito.
Nesses termos, a declaração de existência de um namoro, expresso em contrato, é tão lícito e tão válido em nosso ordenamento jurídico quanto é irrelevante e incapaz de gerar efeitos práticos.
Como bem ensinou o professor Miguel Reale, na Teoria Tridimensional do Direito, fatos jurídicos são acontecimentos, previstos em norma de direito, em razão dos quais nascem, se modificam, subsistem e se extinguem as relações jurídicas. União estável, diferentemente de namoro, é fato jurídico conceituado e disciplinado pela lei e que por isso não pode ser modificado, mesmo outorgando total relevância ao princípio da autonomia e livre disposição das partes.
Embora lícito, a declaração de namoro, expressa em contrato, deixa de existir quando a situação de fato se extingue ou se modifica... e isso ocorre com o término do namoro ou quando a relação passa de namoro para união estável.
É natural que a união estável nasce de um namoro, evidentemente nenhuma união nasce estável, ela se torna estável. Nenhuma união estável nasce duradoura, ela se torna assim ao persistir no tempo. A união estável só se torna estável ao longo do tempo e, malgrado difícil enxergar a tênue linha que separa namoro de união estável, quando isso acontece, aquela mera situação de fato declarada no contrato deixa de existir e transcende para um fato jurídico relevante para o Direito.
Perda de validade
Com efeito, evoluindo o namoro para a união estável, aquela declaração expressa no contrato perde sua validade por refletir declaração colidente com a verdade. Mesmo que assim não considerado, ela cai por terra, anulando-se o contrato, por disposição contrária a normas de ordem pública e preceptivas cogentes.
Nem se fale em firmar o tal contrato quando já vigente a união estável! Por se tratar tão somente de afastar os efeitos da união estável, o ato será inexistente.
Função prática
Não há dúvidas de que, existindo os elementos a atestar os requisitos da união estável, com atos bilaterais que exteriorizem o ânimo de constituição familiar, cujo relacionamento mantenha-se estável, contínuo, duradouro e público perante à sociedade, não haverá como dispor em contrário; trata-se de norma cogente.
Contudo, isso não significa que as pessoas vivam reféns dessa situação nem que estejam expostas a possíveis investidas ímprobas, muito menos que estejam desarmadas de mecanismos eficazes de proteção. Também não significa que devemos nos afastar de eventuais relacionamentos amorosos, com medo da União Estável. Existem outras soluções, como o próprio Contrato de Convivência, o qual disciplina o regime patrimonial, incluindo definições específicas sobre propriedade, administração e possível divisão de bens, em caso de separação.
Na prática, a problemática e toda essa discussão, se existe ou não o contrato de namoro, se é namoro ou união estável e de que forma será dividido patrimônio em caso de separação, orbita em uma demanda judicial, pois se o término de um namoro ou de uma união estável for extrajudicial e portanto consensual, nada disso dará causa a indagações.
Desta sorte, sendo judicial, seu resultado será definido pela qualidade das provas que cada um for capaz de produzir no processo. O que reunir as melhores provas garantirá o império de sua verdade. Portanto, mais uma vez revela-se comprovada a importância de uma boa assessoria jurídica.
Por todo o defendido, o contrato de namoro pode até ser útil como prova da inexistência da união estável e pode servir como ferramenta de efeito psicológico ao casal signatário. Contudo, havendo provas de existência de união estável, o contrato não será capaz de produzir qualquer efeito jurídico, muito menos afastar os efeitos da união estável.
Conclui-se, assim, que a proteção patrimonial será alcançada com a elaboração de instrumentos somada à adoção de condutas habituais e jamais centralizada no “contrato de namoro”, o qual deveria ser encarado como um mero reforço.
Danilo Montemurro é sócio do Berthe e Montemurro Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico
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