Entrevista concedida pelo escritor norte-americano Andrew Solomon ao jornalista Jorge Pontual, para o programa Milênio, da Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.
O que esquizofrênicos, transexuais, criminosos, autistas, anões, surdos, crianças prodígio e com síndrome de Down têm em comum? Aparentemente nada, mas o e escritor Andrew Solomon descobriu que quase todas essas pessoas foram criadas por pais diferentes delas, pais que com muita garra e coragem, com sofrimento, mas muito amor, aprenderam a lidar com a diferença. Para escrever o livro Longe da Árvore, Andrew Solomon entrevistou e conviveu com centenas desses pais, cujos filhos, como diz o título, são frutos que caíram longe da árvore, mas nem por isso são menos amados e compreendidos. Solomon recebeu o Milênio em sua residência em Manhattan para falar da diferença, o que ele viveu na pele por ser homossexual, uma viagem pela relação entre pais e filhos em busca da identidade.
Jorge Pontual — Vamos falar de Longe da Árvore. Explique o título.
Andrew Solomon — Ele veio de um antigo ditado do inglês, que diz: “Uma maçã nunca cai longe da árvore.” Isso quer dizer que os pais tendem a se parecer com os filhos, e os filhos tendem a se parecer com seus pais. Eu queria escrever um livro sobre pessoas radicalmente diferentes de seus pais e quis descrevê-las como maçãs que caem longe da árvore.
Jorge Pontual — Você é radicalmente diferente dos seus pais?
Andrew Solomon — Eu sou radicalmente diferente por ser gay e ter pais héteros. O livro trabalha a ideia de que existem esses dois tipos de identidade: vertical e horizontal. A identidade vertical é passada de geração em geração: a etnia, a nacionalidade e, muitas vezes, a religião. Todas essas coisas são transmitidas assim. E há as outras identidades. Pais que se considerem bem normais podem ter um filho radicalmente diferente deles. Eu sou gay e estudei pessoas em várias outras condições — autistas, crianças prodígio na música, transgêneros — para saber como as famílias reagem com filhos tão diferentes.
Jorge Pontual — Você fez várias entrevistas, centenas delas, com famílias, certo? Como você escolheu essas famílias? O que você procurou nelas?
Andrew Solomon — Eu fui restringindo meu escopo aos poucos, até chegar a dez tipos de diferenças e defini-las. Então, para cada diferença, eu tentei envolver o máximo de famílias possível que lidassem com esse tipo de desafio ou circunstância. E o modo como eu as encontrei variou enormemente. Algumas encontrei na internet, outras, através de anúncios, outras, em organizações nacionais, como a Sociedade Americana de Síndrome de Down, e por aí vai.
Jorge Pontual — Essas pessoas geralmente queriam conversar sobre suas experiências?
Andrew Solomon — Algumas pessoas não quiseram e não falaram, portanto, não estão no livro. Mas eu encontrei várias outras pessoas, e elas queriam falar por dois motivos. Primeiro, porque muitas delas sentiam que tinham vivido aquilo e finalmente estavam em paz com a situação, e estavam animadas para falar sobre o que tinham vivido. Mas muitas famílias disseram que tinham se sentido muito sozinhas ao passarem por essas experiências, e disseram: “Se conversar com você pode ajudar outras famílias a não se sentirem sozinhas como nos sentimos, então vale a pena.”
Jorge Pontual — Muitas famílias se tornaram ativistas. Como é ser um ativista nessa situação?
Andrew Solomon — Eu acho que muitas pessoas se tornaram ativistas quando descobriram que estavam lidando com algo desse tipo. Alguns pais tiveram um filho com síndrome de Down e, na semana seguinte, começaram a ajudar crianças na mesma condição no mundo todo. Algumas vezes, as pessoas receberam a notícia e não souberam lidar com ela, preferiram se fechar. E quando seus filhos cresceram, elas entenderam melhor seus desafios e quiseram dar alguma contribuição ao mundo, ajudar, então se tornaram ativistas. Mas eu acho que, assim como vimos o movimento das sufragistas, pelo voto feminino, o movimento pelos direitos civis para afro-americanos e outras minorias raciais, e o movimento gay, hoje há o movimento das deficiências. Eu vejo que há esse fluxo em direção a uma sociedade mais livre, e esse é o próximo passo.
Jorge Pontual — O que é esse movimento?
Andrew Solomon — É um movimento em prol de pessoas com alguma diferença ou deficiência que diz que essas condições apresentam duas questões. Uma questão é o problema inerente à condição. Se você não tem perna, não pode andar. E você pode sentir muita dor física pelo motivo que o tenha feito perder as pernas. E isso é uma deficiência. Mas, se você não consegue entrar em uma biblioteca porque não tem pernas, é porque não foram construídas rampas de acesso adequadas. Se o seu problema é ter dificuldade para se relacionar afetivamente porque as pessoas não o acham atraente por não ter pernas, isso é causado pela sociedade. O movimento pelas pessoas com deficiências quer separar as limitações inerentes dessa questão mais ampla de como as pessoas são tratadas e quanto acesso elas têm. Talvez não seja possível resolver os problemas inerentes, mas grande parte do que torna a vida dessas pessoas difícil é a forma como pessoas sem deficiência tratam pessoas com deficiência.
Jorge Pontual — Mas nem todo mundo gostou de aparecer no livro. Por exemplo, me pergunto o que os pais de filhos transgêneros acharam de fazer parte desse movimento. Ser transgênero é ter uma deficiência?
Andrew Solomon — O livro não trata especificamente de deficiências, embora ele as inclua. Ele é sobre diferenças e sobre como as pessoas reagem diante de filhos muito diferentes. E as críticas que eu achava que iria ouvir e acabei ouvindo foram: “Como você pode ser gay e comparar isso a ter grandes deficiências?” Eu disse que não estava insultando os gays, e sim reconhecendo que o processo de aceitação das diferenças é muito parecido em famílias diferentes. Muitas das pessoas que entrevistei, quando eu falava de outros capítulos, como o dos autistas, diziam: “Somos mais inteligentes do que pessoas com síndrome de Down.” E os transgêneros diziam: “Nós não fizemos nada de horrível, não cometemos crimes.” E os criminosos diziam: “Tudo bem, nós matamos pessoas, mas não somos como aqueles malucos esquizofrênicos.” Todo mundo se opunha a estar entre outros. Mas quase todos, após lerem o livro, disseram: “Agora entendo o que você queria.” Há muita coisa em comum em todas essas experiências.
Jorge Pontual — O que essas pessoas têm em comum?
Andrew Solomon — Elas têm em comum o fato de que crianças precisam se definir de acordo com a natureza de suas diferenças. Elas precisam de uma comunidade de outras crianças que lidem com as mesmas coisas que elas. Anões precisam conhecer outros anões, surdos precisam conhecer o mundo dos que não ouvem. A maioria vem de famílias cuja primeira estratégia foi tentar curar ou consertar o problema. Em algum momento, elas viram que isso não funcionava muito bem e começaram a dizer: “O que eu tenho não é uma doença, é uma identidade.” E o que une essas pessoas é o fato de que quase todas essas famílias têm filhos cuja identidade não é idêntica às identidades dos pais. Suas identidades divergem. Ainda não falei com pais que não tivessem olhado para seus próprios filhos e perguntado: “De onde você veio?” Eu estava interessado nesses casos mais extremos, em que os pais se vêem diante de um filho tão diferente e descobrem uma maneira de dar uma boa vida a todos.
Jorge Pontual — Se lembro bem, no seu livro há uma frase que diz: “Nós damos eles à luz, mas eles também nos dão à luz.” E você vivenciou isso com os seus filhos. Como foi isso?
Andrew Solomon — Nós temos uma estrutura familiar bem complicada. Meu marido é o pai biológico de duas crianças com umas amigas lésbicas de Minneapolis. Uma grande amiga minha de faculdade se divorciou e queria ter filhos, então nós dois temos uma filha, e ambas moram em Fort Worth, no Texas. E meu marido e eu temos um filho que mora conosco cujo pai biológico sou eu, e a mãe de aluguel foi Laura, mãe dos dois filhos do John que moram em Minneapolis. São cinco pais e quatro crianças em três estados. Quando eu era jovem, a minha maior tristeza foi ter que decidir entre ser sincero sobre a minha sexualidade, pois eu sabia que era gay, e ter uma família. Eu achava que teria que abrir mão de uma família para ser eu mesmo, ou reprimir quem eu era para ter uma família. Se alguém pudesse me mostrar um dia da minha vida hoje, se alguém tivesse me dito que, quando eu fosse adulto, eu poderia ser gay, ter filhos e ser bem aceito, eu teria ficado muito aliviado só de ter uma ideia vaga disso. Seria um grande alívio apenas saber que alguém poderia viver isso.
Jorge Pontual — Quando seu filho, George, nasceu, houve uma suspeita de que talvez houvesse algo errado com ele. E você estava escrevendo o livro, estava trabalhando nisso. O que se passou pela sua cabeça?
Andrew Solomon — As pessoas me perguntaram como eu podia ter um filho enquanto escrevia um livro sobre tudo o que pode dar errado. E eu tinha que responder que não era sobre o que pode dar errado, era sobre como pode existir amor e alegria mesmo quando tudo dá errado. Isso foi a primeira coisa. Então George nasceu, ficamos todos muito animados, como todos ficam quando nasce uma criança, mas, na manhã seguinte, a pediatra chegou e disse: “Eu estou preocupada.” Eu disse: “Oh!” E ela disse: “Seu filho não está esticando as pernas direito.” Eu disse: “Oh!” E ela disse: “Isso pode indicar algum dano cerebral.” Eu disse: “Oh!” E ela disse: “E, quando ele as estica, faz isso de maneira assimétrica, o que pode indicar um tumor em um hemisfério do cérebro. Ele também tem uma cabeça muito grande e deveríamos examiná-lo para ver se tem hidrocefalia.” Foi como se eu tivesse sido derrubado no chão. Eu fiquei arrasado quando ela me disse isso. Pensei: “Estou escrevendo um livro sobre como as famílias encontram significado nas diferenças, e eu não quero fazer parte disso.” O que eu senti foi um instinto protetor, o mesmo que os pais sempre sentem em relação a seus filhos. Mas eu também entendi que, se ele tivesse o que ela dizia, aquilo iria ser parte da identidade dele, e, se ele tivesse essa identidade, seria a minha também. Então, ainda que não quisesse que aquilo fosse verdade, eu pensei: “Tudo bem, eu sei o que é essa identidade. Não é apenas uma doença, é uma maneira de ver o mundo.” Após 4 horas de exames de imagem e procedimentos invasivos muito tristes de ver em uma criança de um dia, a pediatra disse que nada foi encontrado e que ele estava esticando as pernas direito. E eu perguntei a ela o que achava que havia acontecido, e ela respondeu que ele provavelmente teve uma cãimbra.
Jorge Pontual — Eu acabei de vê-lo subindo a escada, e ele é perfeitamente normal.
Andrew Solomon — Ele é perfeitamente normal, sim.
Jorge Pontual — Ele tem 4 anos?
Andrew Solomon — Tem 4 anos e meio.
Jorge Pontual — Eu aprendi uma coisa interessante com o seu livro. Consertar as coisas é o modelo da doença, e aceitar é o modelo da identidade, e isso vem do Alcoólicos Anônimos?
Andrew Solomon — Não, acho que vem de mim.
Jorge Pontual — Mas o AA começou a ver a condição como uma identidade, em vez de uma doença. O alcoolismo, no caso.
Andrew Solomon — O que acho que vem do AA é a ideia de que todos os pais têm escolhas difíceis a fazer, o que está ligado à oração da serenidade, que eles usam sempre. Ser bom pai envolve mudar seus filhos: educá-los, ensinar boas maneiras, ensinar a escovar os dentes, fazer coisas que irão mudá-los. Essa é a responsabilidade dos pais. Mas ser bom pai também significa aceitar seu filho como ele é e não tentar mudar coisas que são imutáveis. Há coisas que você precisará mudar, obviamente. Você precisa educar seu filho e fazer todas essas coisas. Mas há coisas que você obviamente precisa aceitar. Não dá para tornar seu filho outra pessoa, mudar a etnia dele. Mas há muita coisa no meio disso, e a oração do AA é mais ou menos: “Concedei-me força para mudar as coisas que posso mudar, a serenidade para aceitar as que eu não posso e sabedoria para poder diferenciá-las.” Acho que as famílias lutam para conseguir isso.
Jorge Pontual — É um equilíbrio difícil, uma linha difícil de definir, porque sempre há novos procedimentos, novas intervenções, e as pessoas têm a esperança de fazer algo de positivo para mudar seu filho para melhor, mas às vezes o que acontece é o oposto. Como encontrou esse equilíbrio? Como elas o encontraram? As pessoas que você entrevistou.
Andrew Solomon — Há uma série de questões. Há a questão acerca do quanto essa intervenção que é usada para corrigir o problema pode ser traumática e difícil? E quão eficaz ela é? Se for muito traumática e pouco eficaz, não é uma boa ideia. Se for muito eficaz e pouco traumática, então não há motivo para não seguir em frente. Mas, do ponto de vista dos gays, eu pensei: alguém inventou algo para tornar os gays héteros, e muitos gays procuram esse tratamento, mas, na maioria das vezes, os gays não estabelecidos na vida ou pais de filhos que se reconheceram recentemente. Eu preciso me perguntar como me sentiria se houvesse uma cura para todas as pessoas como eu. E eu me sentiria triste. Acho que pessoas como eu deram muita coisa ao mundo. Em muitas das condições que eu pesquisei, há o progresso social através da aceitação e o procedimento médico para eliminar essa condição. Os dois vivem praticamente em competição. E se o progresso social avança, quando surge o progresso médico, nem todas as pessoas decidem mudar sua condição. Eu senti essa tensão ao longo do livro todo.
Jorge Pontual — No Brasil, há toda uma discussão sobre a “cura gay”, a terapia de reorientação, principalmente para crianças, para tornar heterossexuais crianças que são gays. Isso começou aqui. O que aconteceu?
Andrew Solomon — A terapia de reorientação sexual veio dos evangélicos e tem sido usada nos EUA, mas não de maneira benéfica. Ao longo dos anos, ficou muito evidente que ela não funciona. As pessoas que se submetem a ela decidem não ceder a seus desejos, mas não se pode mudar as atrações, os desejos de uma pessoa. Agora há vários estados aprovando leis que tornem ilegais essa prática. Assim como outros métodos de medicina falsa são proibidos, esses tratamentos também são. A Associação Americana de Psiquiatria não os reconhece, bem como outras associações importantes. Então, hoje vemos muito menos do que víamos antes. Mas é muito desanimador que muitas das pessoas que defendiam esses tratamentos destrutivos e conservadores nos EUA estejam espalhando seu recado e tentando propagar essa prática em locais como a África, a América Latina e algumas partes da Ásia, onde ela continua com força. Eu espero que todos entendam que, embora possamos debater se devíamos curar os homossexuais, há fortes argumentos contrários a isso, pois os homossexuais vivem muito bem e podem contribuir muito para a sociedade, e há poucos argumentos no sentido de que o homossexualismo é curável. Com as tecnologias que nós temos hoje e as intervenções que temos, não é possível mudar os homossexuais. E tentar mudar pessoas que não podem mudar é um jeito certeiro de deixá-las loucas e infelizes.
Jorge Pontual — E há muitos adolescentes homossexuais que se suicidam nos EUA e no mundo todo. Não só suicídios, como homicídios também. Eu vi uma série de vídeos do projeto It Gets Better que mostra homossexuais bem-sucedidos dizendo aos mais jovens que as coisas melhoram. “Olhe para mim, eu sou um adulto bem-sucedido e feliz, vivendo a vida como gay, e você também pode ser assim.” Há tanta homofobia que é difícil mudar essa mentalidade. Como se lida com isso?
Andrew Solomon — Ainda há muita, mas acho que as coisas estão mudando, especialmente na última década, o que é incrível. Quando eu tinha 20 anos, um amigo meu falava muito de casamento homoafetivo, e eu pensava: “Isso é ridículo. Gays nunca poderão se casar. Vamos nos concentrar no que pode ser feito.” E, hoje, a maior parte dos estados americanos e o governo federal reconhecem esse casamento.
Jorge Pontual — E você é casado.
Andrew Solomon — Exatamente. Eu sou casado. Eu tenho um casamento homoafetivo. O ritmo das mudanças tem sido realmente impressionante, e eu acho que o ativismo, você antes falou de ativismo, pode ser algo transformador.
Jorge Pontual — O que é “política de identidade”? É até difícil traduzir o termo original para o português, porque não é um conceito comum no Brasil, mas aqui é, já há um bom tempo. O que é isso?
Andrew Solomon — A política de identidade é ter posições políticas baseadas na identidade com a qual você se identifica. Por exemplo, há pessoas que dizem que as leis devem tratar os negros de determinada maneira e são negras, sem contar as outras. E elas dizem que para as coisas funcionarem adequadamente, as leis devem ser estruturadas de certa maneira. Isso é política de identidade. Toda ação afirmativa exerce a política de identidade. Pessoas cuja identidade é homossexual e que se dedicam a lutar para implementar mudanças na maneira como homossexuais são tratados, principalmente os mais velhos, que tentam criar uma sociedade menos opressiva para os jovens são parte importante da política de identidade. Basicamente, você se identifica com uma qualidade específica. Uma vez, perguntaram a Harvey Milk, grande ativista americano da causa gay, o que era possível fazer para ajudar a causa. Quem perguntou foi um jovem gay. Ele disse: “Diga a todos que você é gay.” A ideia é desmistificar essa condição falando publicamente sobre ela, se abrindo quanto a ela, não se escondendo no armário nem fingindo ser quem não é, mas assumindo sempre a sua identidade. Isso é política de identidade.
Jorge Pontual — Há uma frase linda no seu livro: “O amor tende a magnificar.” Explique isso.
Andrew Solomon — Acho que a ideia é a de que o amor entre pais e filhos pode ajudar muito na aceitação das pessoas. Para ter aceitação, qualquer pessoa, qualquer grupo, precisa de três coisas: você precisa se aceitar, precisa da aceitação da família e da sociedade. Cada um desses níveis ajuda a conseguir o outro. Quando a sociedade aceita, a família aceita mais facilmente. Uma pessoa muito confiante é capaz de levar mudanças à sociedade. É uma influência mútua, de mão dupla. Mas na maioria das vezes, pessoas estigmatizadas por alguma diferença, quando amadas e valorizadas pelo que são, acabam se fortalecendo muito. Assim, se elas encontrarem um lugar, seja com a família, com uma comunidade de mesma identidade ou com qualquer grupo, onde se sintam totalmente aceitas e amadas, poderão tirar disso uma força e um poder que são realmente imensos.
Jorge Pontual — E esse amor se espalha para todos, certo? O fato de algumas famílias terem essa experiência é benéfico para todos.
Andrew Solomon — Exato. Eu acho que essa ajuda é uma via de mão dupla. Alguns dias atrás, eu dei uma palestra em uma universidade em Illinois, na região central dos EUA. Ao final da palestra, duas pessoas me procuraram para conversar e me pedir autógrafos. Uma delas me disse: “Eu não sei o que fazer. Contei aos meus pais que eu sou gay e mal tenho contato com eles desde então, e isso foi há três anos.” A outra chegou um minuto depois e disse: “Eu sou gay, finalmente contei aos meus pais, e eles foram inacreditavelmente compreensivos. Eu gostaria que você fizesse uma dedicatória para eles agradecendo pelo que eles fizeram.” Eu pensei que não só a segunda mulher parecia bem mais feliz, mas também que seus pais que a haviam criado, tinham uma relação com a filha. E, pelo que entendi, no começo, isso foi muito difícil para eles, mas, em torno disso, eles construíram uma intimidade. Pois acho que a intimidade muitas vezes vem da superação das dificuldades entre pais e filhos. Ter um dia feliz e passear com um filho não faz isso. Essa negociação realmente torna a relação mais intensa e íntima. Quanto à primeira mulher, eu não só senti pena dela, pois ela estava sofrendo por ter perdido os pais, como também senti pena dos pais, que perderam uma filha que, pelo que observei naquele breve contato, parecia uma pessoa maravilhosa. Achei que havia muito mais alegria na relação da segunda com os pais, pela intensidade com que ela pediu que dedicasse o livro a eles. Aquilo me comoveu muito, eu fiquei muito feliz.
Jorge Pontual — Depois de escrever o livro, o modo como você vê ou se relaciona com seus pais mudou? Ou seu amor por eles?
Andrew Solomon — Ele teve um efeito enorme em mim. Porque, quando eu era jovem, eu achava que meus pais não tinham me aceitado inicialmente e que isso significava que não me amavam. Então eu compreendi a diferença entre amar e aceitar e vi que eles sempre me amaram. Eles só tiveram alguma dificuldade para me aceitar, mas, depois que aceitaram, ficou tudo ótimo, nós passamos os finais de semana na casa do meu pai. No final das contas, ficou tudo bem. E entendi que a aceitação sempre demora um tempo. A minha não demorou tanto quanto a de outras pessoas, então eu pude perdoá-los. Eu tinha muita raiva reprimida, e isso passou com o livro.
Jorge Pontual — No final, novas árvores nascem onde a maçã caiu.
Andrew Solomon — Exatamente.
Revista Consultor Jurídico
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