Como funcionava a quadrilha que enviava mulheres como ex-misses e dançarinas de tevê para poderosos de Angola num esquema milionário de exploração sexual
Camila Brandalise
Um grupo de brasileiras chega a Angola para ser apresentado a Bento dos Santos Kangamba, 48 anos, um poderoso general do país. Analisadas de cima a baixo, as moças são logo dispensadas e mandadas de volta ao Brasil. “São muito pequenas”, diz o angolano, um apreciador de mulheres com medidas mais generosas. A cena insólita faz parte do inquérito que aponta Kangamba como líder de uma quadrilha de tráfico para prostituição desmantelada no final de outubro pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. O general não só financiava como era o principal cliente do esquema, que funcionava há sete anos. As jovens que partiam daqui para Angola, África do Sul e Portugal ganhavam US$ 10 mil para passar alguns dias com seus clientes, mas outras chegavam a receber US$ 100 mil, caso fossem escolhidas pelo líder. Além de gostar das mais exuberantes, Kangamba almejava as famosas, como mulheres-fruta, assistentes de palco e ex-misses. Em seus pedidos, dizia, por exemplo, que queria “aquela da tevê”, citando inclusive os programas em que elas apareciam.
No Brasil, o cabeça da quadrilha era Wellington Edward Santos de Souza, o Latyno, ex-pagodeiro do grupo paulistano Desejos. Ele está em prisão preventiva desde o dia 24 de outubro, denunciado por crimes como formação de quadrilha, favorecimento da prostituição e tráfico internacional de pessoas. Na casa de Latyno, foram encontrados vários passaportes de mulheres. Outras quatro pessoas também foram capturadas. Entre elas está Luciana Teixeira de Melo, denunciada por manter um estabelecimento de exploração sexual. Rosemary Aparecida Merlin, Eron Franscico Vianna e Jackson de Souza de Lima completam o braço brasileiro da bandidagem. Somadas, as penas máximas podem chegar a 31 anos de prisão. Agora, o próximo passo da Justiça brasileira é conseguir prender os dois angolanos envolvidos no crime, Kangamba e Fernando Vasco Inácio Republicano, também chamado de Nino, cuja função era reservar hotéis e passagens. Mas não há um tratado de cooperação na área criminal entre Brasil e Angola, o que seria um facilitador. Por isso, será preciso recorrer a outros meios legais para tentar capturar a dupla, que já faz parte da lista de procurados da Interpol (Organização Internacional da Polícia Criminal). Empresário influente em Angola, Kangamba é casado com a sobrinha do presidente do país, José Eduardo dos Santos, no poder há mais de três décadas.
A quadrilha costumava aliciar as mulheres em casas noturnas e em estabelecimentos de exploração sexual na cidade de São Paulo. Por dinheiro, algumas garotas chegavam a procurar os traficantes para pedir a oportunidade de participar das viagens. Outras até indicavam amigas interessadas. No país de destino, as jovens ficavam em hotéis – há denúncias de que algumas eram mantidas em cárcere privado nesses locais. Kangamba elegia suas prediletas, que chegaram a viajar mais de uma vez para encontrá-lo. Em outras circunstâncias, o general estava em outro país com um grupo de angolanos e lá recebia suas vítimas, que ficavam à mercê do grupo em verdadeiras orgias. Algumas vezes, eram obrigadas a fazer sexo sem preservativo. Depois, recebiam um coquetel de drogas anti-Aids, que, segundo a Polícia Federal, seria inócuo.
QUADRILHA
Wellington Edward Santos de Souza (acima) era o cabeça do núcleo
brasileiro que traficava mulheres para exploração sexual.
Em Angola, o líder era Bento dos Santos Kangamba (abaixo)
Para alimentar o esquema, os bandidos brasileiros costumavam enviar para o exterior uma média de sete mulheres por mês. Para despistar, Latyno embarcava em datas e locais diferentes dos das moças. A cada 30 dias, o esquema movimentava cerca de US$ 500 mil. Estima-se que o total de sete anos de ações criminosas chegue a US$ 45 milhões. O pagamento era feito de maneiras diferentes, mas sempre em dinheiro vivo. Se as mulheres recebiam no exterior, na viagem de volta traziam os dólares na mala ou na roupa. O mesmo fazia Latyno, que embarcava com quantias altas. Em uma das interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal, uma mulher cobra do ex-pagodeiro a transferência do pagamento por seus serviços – mas nenhuma transação bancária desse tipo foi confirmada nas investigações. Latyno ainda recebia um percentual por cada programa. Se o pagamento era de US$ 10 mil, recebia US$ 1,5 mil. Outros US$ 4,5 mil eram usados para o pagamento de hospedagens e passagens e o restante ia para a mulher. Já nos casos em que a vítima recebia US$ 100 mil, ele cobrava 10% do valor. Um negócio milionário, encerrado com a operação Garina, que significa menina na gíria de Angola.
Fotos: Caio Guatelli, Divulgação
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