O que é ser menina/menina adolescente? Existe algo bom em ser menina? Se você pudesse escolher, nasceria menino ou menina? Quais são suas tarefas de casa? Seu irmão faz as mesmas tarefas? Você trabalha? Essas perguntas fazem parte de uma pesquisa inédita da Plan International Brasil, organização de desenvolvimento internacional, realizada pela empresa Socializare que ouviu 1771 meninas entre 6 e 14 anos nas cinco regiões do Brasil. A pesquisa “Por Ser Menina no Brasil: Crescendo entre Direitos e Violências” teve como objetivo verificar o contexto de direitos, violências, barreiras, sonhos e superações a partir do próprio olhar das meninas. Os resultados acabaram trazendo à tona um contexto de gritantes desigualdades de gênero, que prejudicam o pleno desenvolvimento das suas habilidades das meninas para a vida.
“Embora as mulheres e crianças sejam reconhecidas em políticas e planejamentos, as necessidades e direitos das meninas frequentemente são ignorados. Trabalhamos para que elas sejam as principais agentes transformadoras das suas realidades. As meninas nos contaram, por exemplo, que gostam de serem meninas, mas outros resultados são surpreendentes”, afirma Anette Trompeter, diretora nacional da Plan International Brasil.
As entrevistas foram realizadas entre os meses de julho e setembro de 2013 nos estados do Pará, Maranhão, São Paulo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. As capitais desses estados foram escolhidas pela sua representatividade em suas respectivas regiões, com potencial de indicar as tendências regionais. As meninas e meninas adolescentes participantes da pesquisa foram distribuídas entre 1.609 da amostra das escolas, 149 do estrato de meninas quilombolas e 13 meninas fora da escola. 51,9% das meninas ouvidas têm entre 11 e 14 anos e 47,6% entre 06 e 10 anos (0,58% não informaram a idade). A cor da pele foi considerada de acordo com critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 39,1% das meninas têm cor da pele branca, 6,2% preta, 1,2% amarela, 53,2% parda (morena) e 0,3% indígena. O maior contingente de participantes foi de meninas que estudam em escolas da zona urbana (76,5%), enquanto a zona rural foi representada por 23,5%.
A pesquisa combinou técnicas de averiguação quantitativa, com base na aplicação de um questionário preenchido pelas meninas/ adolescentes, com técnicas de pesquisa qualitativa com entrevistas individuais e coletivas.
“A divulgação desta pesquisa pode ser um divisor de águas e ao trazermos a público informações valiosas sobre a realidade, o comportamento e a percepção das meninas, pretendemos mobilizar a sociedade civil e o poder público para afirmar os direitos e a equidade de gênero das meninas na sociedade brasileira. Esse movimento começa agora”, ressalta Anette.
A pesquisa faz parte da campanha mundial Por Ser Menina que realiza esforços para dar visibilidade aos problemas que afetam globalmente a vida das meninas em países pobres e emergentes e foi apresentada durante seminário realizado em Brasília hoje (10/09) com a presença de diversas autoridades do governo, organizações sociais, agências das Nações Unidas e meninas de todo o Brasil.
Os resultados
A pesquisa foi dividida em nove blocos temáticos quantitativos: “Família e Convivência Familiar”; “Distribuição de Tarefas em Casa”; “Atividades fora do horário escolar”; “Trabalho Infantil“; “Brincar: tempo, gênero e brincadeiras”; “Relação com pais, bem estar segurança em casa”; “Utilização das tecnologias de informação e comunicação”; “Escola e Escolarização”; e “Direitos, violações e violências”. Além disso, dois blocos qualitativos: “Meninas: o que é importante para ser feliz?”; e “Bem estar: níveis de satisfação em ser menina”.
Uma seção da pesquisa foi dedicada especialmente a questões relacionadas ao trabalho infantil, tendo como uma das finalidades aferir o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no que tange à proibição do trabalho de menores de 16 anos, exceto a condição de aprendiz (acima de 14 anos). Somando as meninas que “estão trabalhando” com aquelas que já trabalharam, um total de 13,6% das meninas de 6 a 14 anos no Brasil trabalham ou já tiveram experiência de trabalho. “Esse resultado levanta uma questão deixada ‘embaixo do tapete” praticamente invisível no Brasil. Esse dado chama a atenção para a total violação dos direitos das crianças e das meninas“, declara Célia Bonilha, gerente técnica de Empoderamento Econômico e Gênero da Plan.
Outro destaque da pesquisa são os setores que mais empregam essas meninas. O maior percentual delas afirmou estar realizando trabalho doméstico na casa de outras pessoas (37,4%). O trabalho no comércio (lojas, mercados etc.) foi apontado em segundo lugar de recorrência entre as meninas, com 16,5%.
A questão do trabalho doméstico em outras casas levanta uma questão que envolve a quantidade de meninas que realizam tarefas também em sua residência, sendo as vezes a principal responsável pelo trabalho doméstico em sua residência. “Simplesmente por ser menina, ela é tratada como a pessoa responsável pelas tarefas domésticas, o que tira dela parte de sua infância quanto ao direito de brincar, estudar e de não assumir responsabilidades em substituição de adultos”, ressalta Célia.
Enquanto 81,4% das meninas arrumam sua própria cama, 76,8% lavam louça e 65,6% limpam a casa, apenas 11,6% dos seus irmãos homens arrumam a sua própria cama, 12,5% dos seus irmãos homens lavam a louça e 11,4% dos seus irmãos homens limpam a casa. Além disso, 31,7% de todas as meninas ouvidas informam que o tempo para brincar, direito fundamental de todas as crianças, é insuficiente durante a semana.
A linha que divide as brincadeiras tipicamente femininas e masculinas parece se tornar cada vez mais tênue. Ao avaliarem divisões clássicas de comportamento de gênero, como brincar de boneca e de carrinho, 65,5% das entrevistadas disse discordar da afirmação de que “meninas só devem brincar de boneca e meninos de carrinho”. Nota-se que, desse percentual mencionado, 42,1% foram enfáticas ao declararem que “discordam totalmente” desse enunciado. De forma coerente, 52% das meninas não concordam que algumas brincadeiras de meninos não devem ser reproduzidas pelas meninas.
Falta conhecimento sobre instrumentos legais
A pesquisa demonstrou que, infelizmente, os instrumentos que asseguram os direitos da criança e do adolescente são ainda bastante desconhecidos por pelo menos 70% das meninas do Brasil. Mesmo assim, 37,7% das meninas acham que meninas e meninos na prática não têm os mesmos direitos (porcentagem praticamente igual para as meninas quilombolas). 1 menina de cada 5 conhece uma outra menina que já sofreu violência.
Atividades fora da escola e utilização das tecnologias de informação e comunicação
Outros recortes da pesquisa mostram que a televisão se mostra o meio de entretenimento mais frequente: 82,3% das entrevistadas disseram ver TV no período extra-escolar. Outras formas de lazer, como ouvir música (67,3%), ler livros (53%) e brincar dentro de casa (55,3%), alcançaram percentuais menores, mas ainda assim são mencionadas por mais da metade das pesquisadas. Os computadores são itens menos frequentes entre as meninas/adolescentes pesquisadas que os celulares. Enquanto 57,1% delas possuem celular pré-pago, menos da metade delas (45,9%) possuem computador de mesa ou notebook. Já na amostra quilombola, menos de 1 menina de cada 4 possui um celular pré-pago.
Meninas: o que é importante para ser feliz?
Em geral, grande parte das meninas julga que, para ser feliz, precisa, em primeiro lugar, estudar (89,2%) e, em seguida, ter uma vida saudável (87,6%). Para as meninas quilombolas estudar (94,6%) e ter uma vida saudável (90,6%) são ainda mais importantes para serem felizes. Brincar (82%), fazer amizade com meninas da própria idade (79,1%), cuidar de si própria (78,9%) e cuidar do meio ambiente (77,7%) também receberam altos índices de adesão pelas meninas como significância de requisitos para a felicidade.
Ainda que com uma frequência levemente menor, outras afirmativas foram também consideradas significativas para o alcance da felicidade pelas meninas que participaram da pesquisa: conhecer seus direitos (70,7%), desenvolver talento artístico (70,6%) e praticar esportes (70,5%).
Quesitos mais convencionais, considerados por muitas pessoas como fundamentais em projetos de futuro, parecem descer na escala de prioridades das meninas, já que menos da metade das meninas consideram, hoje, que casar (47,7%), ganhar dinheiro (45,9%) e ter filhos (45,2%) sejam importantes para sua felicidade.
“Podemos afirmar que as meninas hoje têm consciência clara da importância da valorização da própria educação e saúde para uma vida feliz – e a importância de conhecer os direitos, de cuidar do(a) outro(a) e do meio ambiente são bem evidentes nas prioridades das meninas. Muito mais do que casar e ganhar dinheiro”, conclui Célia.
Plan Brasil
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