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segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Na Bienal de São Paulo, mulheres fazem ato pela descriminalização do aborto

6 de Setembro de 2014 by mairakubik

“Eu engravidei com 20 anos. Eu morava junto com meu namorado e ele queria ter. Eu expliquei para ele que não era o momento e ele aceitou. Foi muito difícil. Eu não tinha dinheiro, mas meu padrinho me ajudou. Foram 3 mil reais. Quando o médico passou o endereço da clínica eu percebi que era no mesmo hospital que eu fazia exames desde criança. Tinha uma clínica clandestina ali”.
“É muito difícil abortar aqui no Brasil. Você se torna criminosa. Tem muitas mulheres que querem fazer, que têm a certeza da decisão, mas não conseguem meios para isso. Fiz um aborto aos 37 anos. É difícil. E seu quisesse engravidar depois?”
“E se não pegar? E se a anestesia não funcionar?
– Já foi moça, respondeu a pessoa.
E eu não senti culpa.”

Sentadas em roda, um grupo de dezenas de mulheres ouve, com atenção, aos depoimentos daquelas que resolveram interromper voluntariamente uma gestação. Estamos no primeiro final de semana da 31ª Bienal de Arte de São Paulo e cada uma que dispõe-se a falar sobre seu aborto tem que entrar literalmente dentro da instalação proposta pelo grupo boliviano Mujeres Creando, uma armação enorme de metal que representa duas pernas abertas e alguns úteros, cercados de panos vermelhos.
Foto: Maíra Kubík Mano
Foto: Maíra Kubík Mano
É nesse lugar, que representa simbolicamente onde um futuro bebê se alojaria, que as depoentes reivindicam o direito ao próprio corpo. “A penalização do aborto é um ato hipócrita, uma sentença de morte apenas para as mulheres mais jovens e pobres. Um aborto clandestino no Brasil custa de 3 mil a 10 mil reais. E quem pode pagar isso? As que não podem pagar são as que morrem. Nesse sentido, acreditamos que é importante o que estamos fazendo, que é valioso para todos”, defende Maria, do coletivo Mujeres Creando.
Responsável pela instalação, Maria explica que os depoimentos colhidos hoje estarão, a partir dos próximos dias, disponíveis para xs visitantes da Bienal: “essas palavras vão estar em todos os ‘úteros’ com fones de ouvido para que quem entre ‘escute’ os abortos. Estamos fazendo um trabalho participativo onde a transmissão da rebeldia é o principal e onde a palavra das mulheres em primeira pessoa, quando elas relatam seu aborto pessoal no Brasil, é uma palavra que pesa e que conta muito”. Estima-se que, por ano, entre 800 mil e 1 milhão de brasileiras  interrompam de maneira voluntária – e ilegal – gestações.
Uma das pessoas ouvindo as histórias de aborto nesta tarde de sábado é Criméia Alice Schmidt de Almeida. Militante dos direitos humanos, durante a ditadura civil-militar ela participou da guerrilha do Araguaia. Seu marido, André Grabois, foi morto junto com seu sogro, Maurício, pelas tropas do então major Curió. Ela, que havia deixado o Pará um pouco antes porque estava grávida, foi presa e deu à luz na cadeia. “Eu sempre fui a favor da descriminalização do aborto. Não é legalizar: não quero lei para regular, não é crime aborto. O aborto para o Estado brasileiro é permitido em algumas condição, mas nem isso é feito pelo Estado. Eu acho importante a gente participar porque todas as manifestações das mulheres são muito reprimidas. Eu acho que é uma forma de protestar contra o uso que fazem do nosso corpo da nossa vontade.”
A poucos metros dali, um grupo de adolescentes entre 13 e 14 anos aguarda um encontro de fã-clubes da banda One Direction e solta uns gritos para aquelas que estão no ato das Mujeres Creando. “Eu acho que  isso do aborto é uma vergonha. É matar uma vida. Elas vão todas pro inferno”, comenta uma das garotas. “Se teve a criança tem que assumir, não matar”, diz outra. “Tem camisinha é pra usar, não pode sair distribuindo aí sem camisinha. Se estava bom na hora de fazer, tem que estar bom na hora de parir”, completa a terceira. “Agora, aborto em caso de estupro, eu acho que é certo”, defende a primeira. Todas acenam com a cabeça concordando.
Falando mais baixo, uma delas me conta que uma amiga da escola, de 13 anos, fez um aborto há pouco tempo. Sem recursos, ela deu socos na barriga até perder o feto. “É horrível isso”.
Agradeço os testemunhos e viro as costas para ir embora. “Mas moça, você é jornalista, né? Põe aí na reportagem que eu sou a favor da legalização da maconha”.

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