Gostamos de pensar que as coisas são simples: estupradores são doentes, mulheres agredidas são fracas e basta “se dar respeito” para ser respeitada. Mas nos últimos meses uma série de denúncias brutais tem gerado debates sobre uma realidade bem mais complexa e cotidiana. E esses debates, que muitas vezes foram acusados de personalizar e diminuir o feminismo (“terapia coletiva”, “vitimismo”, “mimimi”), na verdade são extremamente importantes por um motivo que a Gloria Steinem sintetizou:
Uma mulher começou a ser honesta em público e, ao descobrir que muitas das nossas experiências eram sociais e não individuais, nós também descobrimos que podemos nos beneficiar mais de permanecer unidas do que de competir e trair umas às outras. Nós nos tornamos menos vítimas em potencial e mais prováveis salvadoras umas das outras.
Então, hoje, quando a Luiza Brunet, uma mulher conhecida e sempre muito discreta sobre sua vida pessoal, veio a público revelar que foi agredida pelo ex companheiro (um figurão, dono da RBS SC e suplente de Senador no Amazonas) nós sabemos que além da força pessoal, ela também conta com uma força coletiva. Palavras dela:
É doloroso aos 54 anos ter que me expor dessa maneira. Mas eu criei coragem, perdi o medo e a vergonha por causa da situação que nós, mulheres, vivemos no Brasil. É um desrespeito em relação à gente. O que mais nos inibe é a vergonha. Há mulheres com necessidade de ficar ao lado do agressor por questões econômicas, porque está acostumada ou mesmo por achar que a relação vai melhorar.
Nós sabemos (e ela certamente sabe melhor ainda, por ser uma figura pública) que para muitas pessoas Luiza Brunet deixará de ser sinônimo de “bela, recatada e do lar” ou de mulher linda e bem sucedida para se tornar sinônimo de “interesseira”, “mentirosa” e coisas piores. Mas ela também sabe que tanto ela pode contar com outras mulheres, quanto outras mulheres contarão com ela, porque sua coragem vai fortalecer muitas e ajudar a quebrar vínculos baseados em violência e medo.
Então sei que muita gente vai dizer “vocês só prestam atenção porque é a Luiza Brunet”, quando a questão, para nós, não deveria ser exatamente esta. Nós devemos acolher qualquer mulher que denuncie violência, inclusive esta mulher que com coragem fez uso da sua figura pública para se fortalecer e fortalecer tantas outras.
Sim, é terrível que precise ser assim, que só diante de figuras proeminentes e brutalidades extremas a gente consiga fazer com que o debate sobre violência contra a mulher chegue aos principais meios de comunicação. Mas não podemos ignorar a beleza dessa força que estamos criando juntas. Porque essas mudanças de abordagens, atitudes e debates somos nós, mulheres, que estamos gestando, juntas, por muitos anos. Porque o que nós temos feito, juntas, é sair de nossos casulos e nos fortalecer para dizer que não vamos mais tolerar. Que merecemos mais. Juntas.
E vocês podem achar que eu sou uma tonta altruísta e panfletária por dizer isto, mas a verdade é que separadas não temos força suficiente para afrontar a história e não porque somos fracas, mas porque nossa história tem muito mais história de Legítima Defesa da Honra que de Lei Maria da Penha.
E digo isso literalmente. Porque muitas de nós achamos que a ideia de culpar a vítima pelo seu próprio assassinato é apenas absurda demais para existir em qualquer época, que dirá depois dos anos 40, mas segundo o estudo das advogadas Silvia Pimentel, Juliana Belloque e Vanessa Pandjiarjian, ela continua existindo. Elas analisaram 42 assassinatos entre 1999 e 2003 que usaram essa linha de defesa (sim, é inacreditável) e em 23 deles os assassinos foram absolvidos em primeira instância (é, eu também não acredito).
Desaprenda sexismo, acabe com a cultura do estupro e destrua o patriarcado. Lute!
Porque quando um filho de 11 anos posta imagens da sua mãe que foi espancada por seu pai, um sargento do exército, os comentários de apoio ao agressor incluem
Só você, Deus e ela sabem o porquê do ocorrido. Você não tem necessidade disso, mulher não falta, espero eu.
Então, não, nossa linha de largada não é a mesma dos homens. A maneira com que a sociedade está condicionada a nos olhar não é a mesma maneira com que a sociedade está condicionada a olhar para os homens. Mas a maneira com que nos relacionamos nessas situações também não precisa ser a que aprendemos, mediada por ódio, até porque aí está nossa força: nós agora falamos e falamos juntas.
E um coro de vozes tem muito mais chances de romper as barreiras de silêncio que envolvem a violência contra a mulher. Tanto as barreiras da sociedade sobre o tema quanto as barreiras que nos foram impostas.
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