por Aurea Afonso Caetano |
"Poder de autorreflexão é uma das maiores conquistas da humanidade"
Apesar de simples, ao formular dessa forma a noção de complexo do ego, Jung antecipa os estudos atuais em neurociência que mostram a relação criada de forma concomitante entre a noção subjetiva de identidade e as vivências concretas e corpóreas da pessoa. Parece, no entanto, já um tanto "ultrapassado" falar em complexo do ego, noção de eu, ancorado em sensações corporais. Existiria outra forma de isso acontecer? É possível falar em um substrato mental, ou uma mente sem corpo? E, algumas questões: será esse ego, que também chamamos de centro da consciência, tão senhor de si que procura de forma artificial atribuir-se um lugar e uma importância para além do corpo? Ou ainda, será essa uma forma de "dominar" as sensações corporais, destacando-se delas e tornando-se centro de uma racionalidade para além do bem e do mal? Os estudos da neurociência têm trazido conhecimentos muito importantes acerca dos primeiros meses de vida de um bebê. Já conhecíamos a importância das primeiras experiências com a mãe e/ou cuidadores do ponto de vista da relação psicodinâmica, mas essa importância tem sido corroborada e acentuada do ponto de vista científico. Piaget, pensador do desenvolvimento infantil, já dizia que nascemos seres biológicos, mas a relação com nossas raízes sociais vai moldando o ser que seremos e a mente que desenvolveremos. Para além dele, sabemos hoje em dia, a partir dos estudos da Epigenética, que a expressão genética de um ser humano é modulada pela relação com o meio ambiente, daí a importância fundamental das primeiras relações com a mãe e/ou cuidadores. Genes formatam apenas em linhas gerais as funções mentais e comportamentais, a herança dá certas direções, mas fatores ambientais, principalmente os relativos ao cuidador primário, afetam o modo mediante o qual os genes se expressam. "Somos forçados a assumir que uma dada estrutura do cérebro não deve sua natureza peculiar apenas às influências das condições do meio mas também, da mesma forma às qualidades peculiares e autônomas da matéria viva... A constituição dada de um organismo é, por um lado um produto de condições externas, e por outro, determinada pela natureza intrínseca da matéria viva". Antonio Damásio, importante neurocientista português radicado nos EUA, vem tentando a partir de sua pesquisa sobre o papel da emoção para a racionalidade humana, compreender quais as estruturas cerebrais responsáveis pelo surgimento da consciência. Para começar, ele discute o que seria o problema da consciência levantando duas questões: a primeira seria compreender como o cérebro no organismo humano engendra os padrões mentais que denominamos, por falta de um termo melhor, as imagens de um objeto, imagens essas que são padrões mental em qualquer modalidade sensorial. O segundo problema é: como paralelamente ao engendramento de padrões mentais para um objeto, o cérebro também engendra um sentido do self no ato de conhecer. A partir dessa proposta, ele traz a ideia de dois tipos diferentes de consciência: a consciência central que é um fenômeno biológico simples; possui apenas um nível de organização, é estável no decorrer da vida do organismo, não é exclusivamente humana e não depende da memória convencional, da memória operacional, do raciocínio ou da linguagem. E, a consciência ampliada, um fenômeno biológico complexo, que conta com vários níveis de organização e evolui no decorrer da vida do organismo. Ela depende da memória convencional e da memória operacional. Quando atinge seu ápice no ser humano é também intensificada pela linguagem. Embora Damásio acredite que, em níveis simples, ela também está presente em alguns não humanos, a consciência ampliada só atinge um nível mais elevado nos seres humanos. Estaremos nós, hoje em dia, exercendo de fato o que este autor chama de consciência ampliada. Segundo os antigos gregos, a possibilidade de se debruçar sobre si mesmo, exercitando a autorreflexão seria uma das maiores conquistas da humanidade. O conhece-te a ti mesmo, primeiro mandamento do Oráculo de Apolo, fala sobre essa questão - um homem verdadeiro deveria ser capaz de fazer esse exercício. Um homem verdadeiro teria como princípio fundamental de vida a possibilidade de exercitar sua consciência, de utilizar o eu/ego para poder se debruçar sobre sua vida, encontrando o verdadeiro sentido nela contido. Vya Estelar |
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