1. Introdução
O tráfico de pessoas é tema presente nas agendas nacional e internacional, por se tratar de assunto relacionado tanto à migração como à proteção dos direitos humanos.
Tal crime é um fenômeno mundial, na medida em que atinge todos os países do mundo, segundo informações da Organização das Nações Unidas (ONU).
A cada ano, cerca de 2 milhões de pessoas são vítimas do tráfico humano e isso rende aproximadamente 9 bilhões de dólares aos operadores do crime organizado. (JESUS, 2003) Apesar de ocorrer em todo o mundo, observa-se uma maior incidência nos países com graves violações dos direitos humanos, decorrente de problemas como pobreza extrema, desigualdades sociais, raciais, étnicas e de gênero, das guerras e até mesmo de perseguição religiosa.
A maioria das vítimas são mulheres, crianças e adolescentes, que são aliciadas por falsas promessas de emprego e melhores condições de vida, porém a verdade é que essas pessoas passam a ser exploradas de várias maneiras, como por exemplo, sexualmente, como mão-de-obra escrava, trabalho forçado, em seus órgãos extirpados de seus corpos e etc.
O tráfico de pessoas pode acontecer de duas formas:
a) internacional, que ocorre com o deslocamento de um país a outro;
b) interna, que ocorre entre cidades ou estados no interior de determinado país.
O problema referente ao tráfico de pessoas passou a ser alvo de debates no cenário internacional a partir de discussões travadas no âmbito da ONU para a elaboração de um tratado internacional que dispusesse sobre formas de enfrentar o tráfico de seres humanos. Tais discussões culminaram na aprovação do Protocolo das Nações Unidas de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças – Protocolo de Palermo, na cidade Palermo, Itália, em 2000, primeiro documento a trazer em seu texto a definição da expressão “tráfico de pessoas”. Segundo o artigo 3º deste
“Trafficking in persons” shall mean the recruitment, transportation, transfer, harbouring, or receipt of persons, bye means of threat or use of force or other forms of coercion, of abduction, of fraud, of deception, of the abuse of Power or of a position of vulnerability or of the giving or receiving of payments or benefits to achieve the consent of a person having control over another person, for the purpose of exploitation. Exploitation shall include, at the minimum, the exploitation of the prostitution of others or other forms of sexual exploitation, forced labour or services, slavery or practices similar to slavery, servitude or removal of organs.
Com o intuito de enfrentar o tráfico de pessoas de modo sistematizado, diversas iniciativas passaram a ser desenvolvidas, a partir da adoção da definição da expressão acima comentada, por meio de impulso internacional, o que fez com que os Estados passassem a discutir o problema no âmbito interno. The adoption of this definition is an important development because it provides a general guidance to different actors, such as scholars, governments, non-governmental organisations (NGOs), and IGOs to examine and respond to trafficking.(OBOKATA, 2006, p. 3)
A partir de todo esse debate travado nos cenários internacional e nacional, faz-se necessário fortalecer o tripé onde estão fundamentadas as ações: prevenção, punição dos criminosos com celeridade e justiça e proteção à vítima. Trata-se de uma questão prioritária para o resguardo dos direito humanos e que requer a conscientização e empenho de toda a sociedade.
2. Iniciativas para o enfrentamento do tráfico de pessoas
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), seguindo os princípios constantes no Protocolo das Nações Unidas de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente mulheres e crianças, está promovendo em todo o mundo um projeto conhecido como Iniciativa Global de enfrentamento ao tráfico de pessoas. A iniciativa conta com diversas agências da família ONU, dentre as quais: OIT (Organização Internacional do Trabalho), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), UNIFEM (Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher), UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas) e UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime). O objetivo é conscientizar governos, empresas e toda a sociedade sobre o tráfico humano.
O UNODC, com apoio financeiro do Príncipe da Coroa de Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), elaborou o projeto conhecido como Iniciativa Global contra o Tráfico de Pessoas (UN. GIFT- Global Initiative to Fight Human Trafficking, em inglês). A mobilização foi pensada para produzir impacto em longo prazo e ser uma luta mundial contra o tráfico de pessoas. (UNODC, 2009)
Em 2001, a Secretaria Nacional de Justiça e o UNODC acordaram sobre cooperação técnica para o enfrentamento ao tráfico de pessoas, em especial de mulheres para fins de exploração sexual. O projeto envolveu ações em quatro Estados brasileiros (Goiás, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo). O intuito do acordo era a realização de ações sistematizadas, como a elaboração de diagnósticos, por meio de pesquisas, ações de capacitação centradas em profissionais de Direito, incluindo juízes, promotores de justiça, advogados, funcionários da rede de atenção às vítimas, campanhas de conscientização da população e a formação de um banco de dados nacional sobre o tema (Secretaria Nacional de Justiça, 2007).
Em 2004, no âmbito do programa da Secretaria Nacional de Justiça, foram criados quatro escritórios de Combate e Prevenção ao Tráfico de Seres Humanos em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia e Fortaleza. O objetivo era a realização de um trabalho que articulasse escritórios, polícias e redes de atendimento das vítimas de tráfico.
O Estado brasileiro, que ratificou o Protocolo de Palermo em 2004, passou a compreender o tráfico de pessoas como um problema de governo a partir da Recomendação da Organização dos Estados Americanos (OEA), para elaborar uma pesquisa que demonstrasse a situação do tráfico de pessoas, em especial, mulheres e meninas no Estado brasileiro. Tal pesquisa restou conhecida como PESTRAF (Pesquisa sobre o tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial), e relatou toda a situação do tráfico de pessoas no Brasil, inclusive rotas, características das vítimas e etc.
Essas ações impulsionaram o Estado brasileiro a se preocupar com o problema em comento, passando a idealizar ações sistematizadas para enfrentar a questão. Consequentemente, em 2006 foi aprovada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, por meio do Decreto n. 5.948/2006.
Este Decreto estabeleceu a criação de um grupo interministerial para elaborar um plano nacional para enfrentar o tráfico de pessoas.
O Estado brasileiro, participando de toda essa mobilização mundial; realizou o primeiro Seminário Nacional sobre o tema em Brasília, no período de 2 e 4 de outubro de 2007.
Com o Seminário Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, foi possível aprofundar o diagnóstico sobre a situação de combate ao tráfico humano no Brasil e reunir as melhores práticas e experiências brasileiras nessa área como contribuição para o Fórum Global em Viena.
Os painéis abordaram diferentes aspectos relacionados com o tráfico de pessoas, como: migração irregular, exploração do trabalho, desigualdade de gênero e vulnerabilidade de crianças e adolescentes em situação de violência.
Nesse ínterim, o Governo brasileiro concluiu o processo de elaboração do relatório do “Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas”, um documento escrito por 13 ministérios, junto ao Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho e diversas organizações da sociedade civil da área da infância e juventude, do movimento de mulheres e da militância contra o trabalho escravo, bem como de organismos internacionais.
O Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas foi aprovado por meio do Decreto n. 6.347/2008 e trouxe os compromissos do Governo brasileiro no enfrentamento ao tráfico de pessoas. As metas e ações estabelecidas foram pensadas com foco em três eixos: prevenção; repressão e responsabilização, e atenção à vítima.
A partir da construção do Plano Nacional, apoiada pelo UNODC e outras órgãos onusianos, foi possível lutar pelo efetivo cumprimento dos compromissos assumidos, estabelecer parcerias com outros níveis de governo, principalmente estados e municípios, e também com organizações da sociedade civil. A UN.GIFT (Iniciativa Global) acredita no poder de uma mobilização mundial em torno de metas comuns como a melhor maneira de lutar contra o tráfico. As suas principais metas (UNODC, 2009) são:
a) Aumentar a consciência sobre o problema: informar as pessoas sobre esse crime, mobilizando a opinião pública para impedi-lo;
b) Fortalecer a prevenção: trabalhar com grupos em situação de vulnerabilidade e buscar atacar as causas do tráfico de pessoas tais como a má distribuição de renda, o desenvolvimento assimétrico entre os países, a desigualdade de gênero e de raça e a consequente falta de oportunidades;
c) Reduzir a demanda: atacar o problema na sua origem, reduzindo os incentivos ao comércio de pessoas e diminuindo a demanda por produtos e serviços produzidos por pessoas escravizadas;
d) Garantia dos direitos humanos das vítimas: garantia dos direitos humanos fundamentais das vítimas entre eles o direito de ir e vir, e o trabalho digno. No processo de atendimento garantir ainda alojamento, assistência de saúde, psicológica, jurídica, prevenção ao HIV e material às vítimas, levando em conta as necessidades específicas de mulheres e crianças e outras pessoas em risco, com a preocupação de evitar estereótipos e a re-vitimização;
e) Melhorar os mecanismos de responsabilização: fortalecer a troca de informações entre os órgãos e agências responsáveis pela repressão e responsabilização dos criminosos, favorecendo a cooperação entre países;
f) Cumprir compromissos internacionais: garantir que convenções internacionais sejam incorporadas no ordenamento jurídico interno dos países signatários, com a participação dos organismos de cooperação internacional. Também é fundamental promover o aprimoramento dos mecanismos de monitoramento da implementação das convenções;
g) Aumentar o conhecimento: aprofundar o entendimento sobre o escopo e a natureza do tráfico humano por meio da coleta e análise de dados, pesquisas conjuntas e produção de relatórios baseados em evidências sobre as tendências globais do tráfico;
h) Fortalecer parcerias: construir redes regionais de enfrentamento ao tráfico com a participação da sociedade civil, agências governamentais e do setor privado;
i) Criar um fundo especial: estabelecer um fundo específico para o financiamento de projetos de enfrentamento ao tráfico humano, em todo o mundo;
j) Criar um grupo de contato informal: estabelecer em curto prazo uma rede ente os Estados Membros com problemas semelhantes na área do tráfico, envolvendo a sociedade civil, com o objetivo de facilitar a mobilização política em torno do tema e a cooperação em ações específicas.
O esforço coletivo é vital para mudar o patamar do enfrentamento ao tráfico de pessoas, buscando o apoio de todos os países, pois isso é imprescindível para a resolução do problema em comento.
3. Considerações finais
O tráfico de seres humanos constitui uma violação dos direitos da pessoa humana e um atentado à dignidade e à integridade do ser humano que pode conduzir a uma situação de vulnerabilidade e exploração para as suas vítimas. Tal crime cresce cada vez mais, e é a terceira maior fonte de lucro para o crime organizado mundial, depois do tráfico de drogas e armas. Portanto, é necessário que a comunidade nacional e internacional esteja comprometida com a melhoria das condições socioeconômicas dos grupos sociais mais vulneráveis, vez que, não pode haver enfrentamento ao tráfico de pessoas, sem desenvolvimento social que proporcione o acesso de todos os seres humanos aos direitos fundamentais.
Laura Cristina Lacerda e Silva - Acadêmica em Direito da PUC Minas.
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