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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Assédio sexual e os caminhos para o feminismo no Brasil


Recente polêmica envolvendo, de um lado, as americanas que chamaram a atenção durante a cerimônia de premiação do Globo de Ouro quanto ao assédio no espaço de trabalho, e de outro lado, as francesas que lançaram um manifesto pela liberdade sexual, criticando o que elas chamaram de “puritanismo” americano, aprofunda o debate sobre o novo feminismo mundial, seus rumos, os limites entre assédio e uma simples cantada, no que consiste a violência psicológica contras as mulheres, qual o papel do homem e a nova leitura do conceito de masculinidade, e quais os impactos de determinados comportamentos masculinos nas vidas das mulheres e a liberdade sexual.
As americanas apontaram a prática de assédio no local de trabalho, mais especificamente em Hollywood, por alguns homens com grande poder, contra mulheres mais jovens e menos poderosas, denunciando a violência contra as mulheres no espaço privado. Assim, deram início ao movimento #timeisup, ou seja, o tempo é agora. Por outro lado, algumas francesas, lideradas pela atriz Catherine Deneuve, assinaram um manifesto não apenas levantando alguns pontos importantes a respeito da liberdade sexual, como também expressaram a opinião de que não gostariam de seguir os rumos do feminismo americano.
No Brasil, discussões sobre o feminismo contemporâneo vêm surgindo em diversas manifestações de grupos, coletivos, mulheres e meninas nas escolas, nas universidades e nas ruas, podendo-se destacar dois movimentos que tiveram destaque: o #chegadefiufiu e o #mexeucomumamexeucomtodas.
O presente artigo analisa três aspectos deste debate. O primeiro aspecto: o sociológico. O segundo aspecto refere-se ao conceito jurídico de assédio sexual. O terceiro aspecto envolve as tendências que melhor atendem à defesa dos direitos das mulheres brasileiras.
Em primeiro lugar, me parece que seria um equívoco entender que poderíamos aplicar um só conceito de mulher para os argumentos das mulheres francesas e americanas, pois não existe uma só definição de mulher. As mulheres são plurais e com múltiplas características, as brancas, as socialmente favorecidas, as heterossexuais, como a maioria das francesas que assinaram o manifesto. As negras e brancas americanas, também pertencentes às classes sociais favorecidas, como a renomada atriz e apresentadora Oprah. Existe uma enorme diferença entre as mulheres. No Brasil, existem diversas mulheres, as negras, as brancas, as indígenas, as imigrantes, as homossexuais, as heterossexuais, as bissexuais, aquelas pertencentes às classes mais favorecidas e outras das classes mais vulneráveis. Portanto, impossível uma análise simplista do conceito de mulher. As mulheres de diversas raças, classes sociais e realidades têm diferentes necessidades e expectativas, sendo um dos desafios das políticas públicas em desenvolver programas e políticas que apresente respostas satisfativas a diferentes grupos de mulheres.[1]
Um segundo aspecto consiste no fato de que não é necessário optar pelas ideias das americanas ou das francesas, tampouco devemos aprovar uma ação midiática aproveitadora, que coloque as mulheres, feministas ou não, como inimigas, ou contrapostas, porque simplesmente existem diferenças sociais e principalmente culturais entre o feminismo francês, o americano e brasileiro. Concordo com a filósofa Marcia Tiburi quando afirma que devemos que ler o manifesto das francesas com mais cautela, pois “os ataques entre as mulheres e as feministas servem menos ao feminismo do que ao patriarcado, todas sabemos.”[2]
Do ponto de vista histórico, temos que olhar para a construção do feminismo e reconhecermos a força e a importância das francesas como a feminista e abolicionista Olympe de Gouges, posteriormente de Simone de Beauvoir, com o importante livro que marca o feminismo o “Segundo Sexo”, ou as americanas como Betty Friedan, Kate Millet ou mais recentemente com Gloria Steinem.
Nos termos das leis brasileiras, o assédio sexual consiste numa manifestação sexual, alheia à vontade da vítima, sem o seu consentimento, que lhe cause algum constrangimento, humilhação ou medo. Assim, o assédio sexual pode ser tipificado como crime ou contravenção penal, dependendo do caso concreto: “o assédio caracteriza-se por constrangimentos e ameaças com a finalidade de obter favores sexuais feita por alguém de posição superior à vítima” (artigo 216, a, do CP), com pena de detenção de 1 a 2 anos.[3]
Em alguns casos, o assédio pode caracterizar até mesmo um crime mais grave como o estupro: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (artigo 213, do CP)”.[4] Anote-se, ainda, que restam, ainda, infrações menos graves como a contravenção penal da importunação ofensiva ao pudor (artigo 61, da LCP) e do ato obsceno (artigo 233, do CP).
Em 2017, iniciou-se uma campanha do Tribunal de Justiça de São Paulo, juntamente com o Ministério Público de São Paulo, com o seguinte slogan: Juntos podemos parar o abuso sexual nos transportes, sobre o assédio. Em São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública informou que também houve aumento nos registros de casos, que subiram em média 20%, de 240 para 288 casos somente entre janeiro e julho de 2017.
Na América Latina o problema do assédio também existe, o Peru tornou-se um dos primeiros países na América Latina a aprovar, em 2015, uma lei que prevê penas de 3 a 12 anos de prisão para quem cometer assédio sexual em locais públicos.[5] No México, pesquisa constatou que nos assédios sexuais as formas mais frequentes de violência foram os comentários sexuais ofensivos (74%), toque sem consentimento (58%) e o medo de sofrer assédio sexual (14%).[6]
A campanha mencionada, não deve se limitar a retórica dos entes públicos, temos que incorporar a campanha nas escolas, nas universidades, na família, a fim de formarmos uma nova geração, menos machista, menos violenta, e que entenda que a violência contra mulher e a desigualdade de gênero são inaceitáveis. A questão do assédio sexual é considerada hoje mundialmente como uma pandemia, um comportamento silenciado, escondido e não denunciado. Dar visibilidade a questão por meio da educação é imprescindível, podemos pensar também no aprimoramento legislativo.
A polêmica surgida entre americanas e francesas teve uma consequência relevante, qual seja, dar luz aos debates sobre temas importantes às mulheres. O Brasil deve seguir seu próprio feminismo, construído com base na realidade da mulher brasileira, com todas as suas complexidades.


[1] Stubbs, Julie, Domestic Violence and Women’s Safety: Feminist challenges to restorative justice, The University of Sydney, Legal Studies Research Paper 8-16, 4-5, Janeiro de 2008.
[2] Tiburi, Marcial, Análise: Moralistas podem ser tão nocivos à sociedade como assediadores, O Estadão.
[3] PAES, Fabiana Dal Mas Rocha, No que consiste o assédio sexual, Estadão, Blog do Fausto Macedo, http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/no-que-consiste-o-assedio-sexual/.
[4] PAES, Fabiana Dal Mas Rocha, No que consiste o assédio sexual, Estadão, Blog do Fausto Macedo, http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/no-que-consiste-o-assedio-sexual/.
[5] Paes, Fabiana Dal Mas Rocha, A mulher tem o direito a ocupar o espaço público sem Fiu Fiu http://www.compromissoeatitude.org.br/a-mulher-tem-direito-a-ocupar-o-espaco-publico-sem-fiu-fiu-por-fabiana-dalmas/

 é promotora de Justiça do MP-SP, membro do Ministério Público Democrático, mestre em Direitos Humanos pela UNSW (Austrália) e vice-presidente da ABMCJ-SP.

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